segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Mamadeira e tempo lógico




Às vezes a gente só tem a chance de entender as coisas da vida muito tempo depois dos fatos que as propiciaram. Hoje acordei com a lembrança de uma sacação que tive há muitos anos. E como ela está ligada à lida que tive com o desmame de minha filha, conto aqui no blog.

Depois de uma gravidez tensa, devido a um sangramento que tive aos três meses, minha filha nasceu saudável e a amamentação transcorreu maravilhosamente, com fartura de leite, tranquilidade e aquela sensação de plenitude que temos por saber que somos capazas de proporcionar o que há melhor de melhor para o bebê. Eu amei amamentar e esses momentos apagaram toda a barra pesada que vivi durante a gestação.

Só que na época eu não sabia nada do que sei hoje sobre o assunto. Era tudo instintivo. Então, como minha licença-maternidade terminaria quando Adélia completasse 4 meses, por orientação do pediatra eu fui introduzindo a papinha. Sucos e água ela mal aceitava, e a tentativa de lhe dar leite na mamadeira se frustrava, apesar de todas as macaquices que eu e minha mãe fazíamos pra que ela desse uns míseros goles naquela coisa.

Até que chegou o momento fatídico. Eu precisava reassumir meu trabalho - o design gráfico de um livro sobre a hidrelétrica de Itaipu. Centro da cidade, horário integral, com bateção de ponto.

Não queria que meu leite secasse. Meus chefes eram estrangeiros e digo isso pq delego a esse fato sua tendência a aceitar qualquer coisa que eu propusesse em termos de horário, pois viam que minha produtividade só aumentava se essas demandas fossem atendidas. Então pedi um horário maior para o almoço: eu iria em casa, na Fonte da Saudade, para amamentar minha filha, e retornaria ao Centro na parte da tarde.

Eu me lembro que, no Metrô, algumas vezes recebi olhares doces e admirados de seus ocupantes porque, apesar dos protetores que colocava no sutiã, num dado momento o leite vinha e vazava, formando dois círculos em minha camisa. Pra dizer a verdade, foi a única ocasião em toda a minha vida que fui olhada com tamanha ternura (mas fique claro que isso não é uma queixa).

Assim consegui estender a amamentação de Adélia até os 9 meses e meio: pela manhã, ao meio-dia, e durante a noite.

O leite foi secando aos poucos e a mamadeira teve que ser acessada.
Ela não aceitou. Chorava, urrava, um sofrimento. Até que "pegou". Ela mamava, mas vomitava tudo depois.

À noite, eu e meu marido nos acostumamos a deixar um balde no corredor com todo o material de limpeza, pois era líquido e certo que ela, pouco tempo depois de mamar, vomitaria tudo. E pediria mais leite, e novamente tudo se repetiria.

Abnegados, agíamos com paciência e preocupação. Esta última nos levou a aceitar a sugestão do pediatra: dêem leite de soja.

Melhorou. O preparo daquela "coisa" fedia tanto, mas tanto, que por pouco não éramos nós a passar mal. Mas melhorou, com ajuda também da acupuntura.

Muito bem, mas chegamos enfim ao momento da história que permite tratar do "tempo lógico", cujo significado aprendi no período que antecedeu e acompanhou minha gravidez, quando fiz psicanálise lacaniana. O tempo lógico não respeita o relógio, as marcaçõs de tempo que os homens delimitaram. Ele é o tempo de cada um, um tempo que devemos aprender a perceber e respeitar.

Adélia tinha uns 3 ou 4 anos. Estávamos fazendo o lanche da noite. Mesa cheia, com meu marido, meus enteados, a família toda.

Preparei o copo de Toddy da Adélia. Comecei a lanchar também. E eis que ela esbarrou e derrubou o líquido de seu copo na mesa inteira.

Eu fiquei irada. Reagi com uma ferocidade inexplicável, gritando.

Depois de ajeitar as coisas, terminar o lanche e me lavar na pia, pois meus braços haviam sido atingidos por parte daquele leite, me deitei pra dormir.

Então senti aquele cheiro, de leite, e pude compreender: eu me abneguei inúmeras noites, limpando aquela coisa toda quando ela era bebê. Um dia teria que estravazar.

Não me senti culpada pela reação que tive com ela. Mas chorei um bocado, quietinha no meu canto.

Foi o meu tempo.

E com essa narrativa eu não vou fugir à regra: desejo um 2013 legal às pampas pra todo mundo. Só que eu sei que o tempo de cada um não respeita calendários.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um ano bom



A gente sabe que um ano é tempo demais pras coisas, todas, darem certo, ficarem bem. Mesmo assim a tradição é desejar às pessoas e a nós mesmos que isso aconteça. Acho mesmo que, nessa espécie de delírio coletivo do reveillon, as pessoas conscientemente optam por se permitir delirar só um pouquinho, como se fosse um carnaval, uma licença poética.

Bom seria se um ano durasse menos, durasse assim ... um dia. Mais perfeito ainda seria se sua extensão fosse de uma hora. Porque daria tempo dos imprevistos não acontecerem, dos problemas não invadirem a casa pelo telefone ou pela televisão, da nossa plenitude arrefecer.

Ano devia ser sinônimo de momento.

Um ano bom, é o que desejo a todos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Superpoderes


Bom, eu acho que todo mundo tem superpoderes. Somos uma máquina superpoderosa, com funcionamento requintado, de qualidade insuperável. Um sistema que ultrapassa qualquer máquina já pensada. O corpo humano, a capacidade de SER que temos, deixa qualquer nave espacial no chinelo. No chinelo mesmo.

E daí, é claro, também damos defeito. E um deles é uma tendência enorme a delegar às coisas, aos objetos, aos produtos, às máquinas, aquilo que temos capacidade de realizar. Porque esses utensílios "nos poupam". Só que essa "poupança", essa "economia" tem - como tudo na vida - seu lado bom e seu lado ruim.

Uma das coisas que mais me impressionaram até hoje foi a informação de que, com o surgimento do alfabeto, as pessoas foram aos poucos deixando de ter que memorizar informações; que com o advento da imprensa, a oralidade foi perdendo seu papel, sua importância. Sem dúvida o alfabeto e a imprensa alargaram nossas possibilidades perante o conhecimento. Mas deixamos de dispor de nossa memória em todo o seu potencial.

Hoje me espanto ao constatar que perdi grande parte da minha capacidade em fazer contas de cabeça. Mas ainda me salvo, porque a imensa maioria dos meus alunos é incapaz de realizar isso. As coisas, como a calculadora, fazem as coisas por nós.

Que bom que há coisas que fazem coisas por nós.

Que bom quando essas coisas - que fazem as coisas por nós- as fazem bem, as fazem tão bem ou melhor do que nós. Ou mesmo mais agilmente do que nós.

O problema é quando essas mesmas coisas fazem coisas ruins e, por serem coisas (e por elas supostamente sempre fazerem coisas boas por nós), lhes damos o aval de que fazem as coisas muito melhor do que nós.

Não fazem.

E no caso do leite, além de não chegarem nem no dedão do pé, fazem mal.




domingo, 11 de novembro de 2012

Mamadeira e leites artificiais: só tem mocinho e vítima, né? Tá faltando um bandido



Reproduzo aqui mais um trecho da tese, que será publicada no primeiro semestre de 2013 (está agora em fase de revisão).
Considero a consulta que fiz aos professores de design um momento-chave da pesquisa. Aqui foi discutida a malha de interesses que propicia a força da cultura da mamadeira, apesar das recomendações dos órgãos de saúde contra o seu uso:




Percebe-se a existência de um contexto intrincado que viabiliza e referenda a inserção dos leites artificiais e das mamadeiras na cultura:
— A questão, muito bem abordada na apresentação, é que há uma malha de interesses, quer dizer, é uma indústria farmacêutica pesada acenando com perspectivas de ganho muito grandes para os próprios médicos; essa medicalização dos cuidados com a parturiente, a criança e tudo mais, e até mesmo acenando nas campanhas como algo bom para a criança: eu vou ser uma boa mãe na medida em que fizer isso. Quer dizer, não há bandido nessa história, só tem mocinho, né?
— Só tem mocinho e vítima, né? Gozado, tá faltando um bandido.
— Na verdade as crianças são aquinhoadas.
Esse trecho do debate foi seguido de comentário, feito pela anfitriã, que agregava àquilo que havia sido dito informações sobre o recurso promocional empregado pela Nestlé em recente comercial de TV (a mãe, como expert em leites, recomendando os leites da empresa); o fato de recentemente indústrias alimentícias brasileiras terem fechado acordo de não realizar propaganda dirigida ao público infantil; o fato de o relatório do IBFAN ter demonstrado retrocesso nos níveis de controle da conduta pró-amamentação na União Europeia (sinal de que as indústrias estão investindo em suas estratégias) e o consequente lançamento da boneca que amamenta.

O raciocínio, simples e coloquial, que levou a identificar “mocinhos”, “vítimas” e ausência de “bandidos” é muito expressivo. Pode mesmo ser aplicado à questão como um todo, ou seja, referente a toda a problemática da necessidade de reavaliar a produção industrial. Pois o discurso das empresas é de recomendação enfática dos produtos; eloquentes são os danos de alguns produtos sobre seus usuários, silenciados tantas vezes pelo poder de penetração da voz dos produtores. Não há “bandidos”.
Prosseguindo,
— Você também não acha, como disse, que isso resulta também da forma com que funciona essa parceria com a comunidade médica? Eu vejo duas coisas. A primeira que a Nestlé pautou seu discurso na questão da confiança. Então quem é a sua primeira fonte de consulta, se você dá ou não peito, dá ou não leite de mamadeira? O médico, o pediatra que eles chamam de neonatal, que está na sala de parto. Esse pediatra, que talvez seja o que acompanhe o bebê depois, ele vai (teria que) dizer: olha, é assim mesmo, tem que tentar e se ficar machucado tenta o outro peito, que não está abaixo do peso, é assim mesmo. Não, mas ele tá magrinho! Mas é normal. Ele vai (deveria ir) te convencendo e te dando essa confiança.
— (O leite e a mamadeira) são economicamente mais rentáveis para os médicos e para os hospitais.
— O que o médico receita é porque que a indústria indica, e o médico é uma classe que goza de muita fé das pessoas, porque ele lida com a cabeça da gente, com a nossa vida, então acreditamos nele e precisamos acreditar nele. A gente coloca a vida da gente na mão do médico. Ele tomou o lugar do padre, da religião.
— Eu (sou designer, mas) quando fiz medicina, a aula inaugural da gente era com um professor bem velhinho, que dava as dicas de como se entrar na casa de um paciente: um pigarro antes da soleira para demonstrar sua autoridade, esconder as mãos pra aparentar segurança, demonstrar que você tinha uma sapiência.
Não é difícil identificar o comprometimento inicial entre a indústria e a área médica a partir do início do raciocínio sobre o alto nível de implantação da cultura da mamadeira e dos leites artificiais em nossa sociedade. Como já visto, a invenção dos leites industriais necessitou de uma “ponta de lança”, uma veia de penetração que garantisse a aceitação do novo produto no mercado. Mesmo que a área médica tenha sido a fonte dos estudos científicos que deflagraram o perigo do produto, a mesma área foi responsável por promover a expressiva penetração da mamadeira nos hábitos da população, uma penetração referendada por profissionais encarregados de zelar pela saúde das pessoas. E isso em grande parte se deve ao fato de que as empresas detêm capital para investimento em pesquisa. Empresas privadas, institutos de pesquisa estatais e universidades constituem pólos de pesquisa, mas a capacidade financeira e os objetivos estratégicos das empresas fomentam ali muito substancialmente a geração de resultados. A realização de pesquisas tende a gerar credibilidade sobre produtos. Sem a pesquisa, o que existe é acomodação sem evolução, como tratado no trecho a seguir:
— Às vezes recebemos uma crítica de algumas áreas: (a de) que um investimento tecnológico (que envolve pesquisa) pra gerar um produto, às vezes associava um consumo. […] (Com) uma baixa grande de consumo, a indústria vai dizer: então não vou investir em pesquisa e vocês não vão saber qual é o melhor plástico. É uma argumentação que vai surgir. E a indústria vai ficar sempre isenta de qualquer coisa.
Em outras palavras, o professor referia-se à pratica de as empresas contratarem pesquisadores de várias áreas (inclusive em universidades) visando à geração de produtos para o consumo. Vista por muitos como “conivência” entre pesquisador e indústria, a ausência dessa parceria acarretaria, hipoteticamente, uma estagnação tecnológica da produção, o que não é aceitável para o modelo econômico nem desejável pela sociedade. Mas o problema reside em que algumas descobertas científicas, como no caso das mamadeiras e do leite em pó, ficaram encobertas, a fim de não desestruturar sistemas econômicos e de consumo já instalados.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Código de honra

Acabo de assistir na TV a cabo ao filme "Código de honra", filme norte-americano de 2011. Diante de muitos acidentes e casos de infecção por HIV, hepatites etc., envolvendo profissionais da saúde e seringas plásticas, um engenheiro inventou uma seringa não-reutilizável, que soluciona o problema.

Mas ela não foi de interesse dos órgãos que controlam a compra de suprimentos hospitalares no país porque, além de mais cara, sua adoção acabaria com um esquema milionário que envolve o que poderíamos chamar de "a indústria da doença", que inclui a prática de exportar para países pobres as seringas, que são lá reutilizadas.

Obra de ficção? Não.
Depois de muita luta, jogos de pressão e mortes, o filme relata que alguns hospitais aderiram à seringa, alguns, e que permanece aquela prática de reutilização em países da África (eles denunciam no filme que esta foi a principal causa da disseminação da AIDS naquele continente).

As tensas reuniões que aparecem no filme me fizeram lembrar das algumas oportunidades em que eu e a equipe com quem trabalho no projeto do copinho tivemos de conversar com advogados, empresas ligadas a patentes, coisas assim.

Os problemas da mamadeira, quando apresentados, caem como uma bomba. Claro, mexem com uma indústria que é apenas a maior indústria de alimentos do mundo.

Numa dessas vezes, fomos alertados do seguinte: procurem se defender de possíveis interessados no projeto de vocês, pois a empresa pode querer financiar e patentear, justamente para nunca permitir que o produto vá para o mercado.

É, quando você entra numa de analisar em detalhe, muitas vezes percebe que as coisas mais cotidianas podem ser personagens de filmes como este.

Recomendo.


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Amamentação x mamadeira ilustrando colóquio internacional de História da Arte



Recentemente uma amiga compartilhou no Facebook esta imagem, cartaz de um colóquio internacional de História da Arte, ocorrido em uma universidade mexicana.

Muito me impressionou a perspicácia do autor ao conceber uma imagem representativa do assunto do encontro, "Os estatutos da imagem",  abordando a questão amamentação x mamadeira. Por isso, penso que este cartaz inspiraria - só ele, ainda um outro encontro, para discutir o conflito entre ser mãe e ser mulher (aliás tema do mais recente livro de Elisabeth Badinter, que começo a ler).

Decupando a estampa:
1. a base é um detalhe de pintura renascentista;
2. a fotomontagem consta da inserção de uma mamadeira sob a mão do bebê;
3. o corpo desta mamadeira recebe tratamento gráfico De Stijl (Mondrian), um movimento artístico iniciado na Holanda que buscava na geometria uma conexão estética, científica e espiritual com o cosmo;
4. as cores do quadro foram revertidas para o preto e branco;
5. apenas o corpo da mamadeira exibe cores, atraindo o atenção do observador pra o produto e elegendo-o como foco principal na hierarquia da mensagem visual.

Na leitura que fiz de imediato, senti desconforto com a simultaneidade da presença do seio e da mamadeira. Mas depois percebi ser justo este desconforto o que capacita a imagem à discussão do tema do colóquio. Vivemos este dilema contemporaneamente. O seio materno prossegue produzindo alimento para os bebês, mas temos a mamadeira, e seu apelo estético suplanta o apelo do seio. A "natureza" da mamadeira é coerente com a "natureza" do mundo transformado pela indústria, pelas "coisas" que fazem coisas por nós. O estatuto do seio foi deslocado da função de alimentar para a função de seduzir.

É muito legal quando as imagens nos trazem questões, e não respostas. E isso tem se tornado cada vez mais raro hoje em dia, restrito a círculos cultos, intelectualizados. O comércio e a publicidade, com suas imagens prontas, bidimensionais, nos incapacitam à reflexão e tendem a reinar como única via estética.

As imagens podem e devem perturbar.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Trabalhando




A loucura dos dias tem sido um obstáculo complicado pra seguir com minhas tarefas do blog numa periodicidade que eu consideraria legal. Mas o fato é que as coisas tendem a acontecer em meio a uma espécie de caos, e sigo produzindo.

Depois da viagem à Bogotá, onde minha conferência sobre os problemas da mamadeira "bombou" na Pontifícia Universidad Javeriana, e fiz um contato incrível com o médico que concebeu o Método Mãe-Canguru, me dediquei a finalizar a preparação dos originais do meu livro ("Amamentação e o desdesign da mamadeira; por uma avaliação da produção industrial"). Tudo já foi entregue à editora e agora aguardo as observações da revisão. Daí pra frente ele irá para a fase de design editorial e a previsão de publicação é primeiro semestre de 2013.

Paralelamente, seguimos projetando nosso "copinho". Agora, no almoço, acabo de ver os primeiros protótipos em vidro. Nós os produzimos neste material para testá-los com bebês, mães e profissionais de saúde em bancos de leite. E a partir das críticas que receberemos, voltaremos para ajustes e novos protótipos.

E segue também nosso trabalho para lançar o projeto do copinho num site de crowndfunding (vaquinha virtual). Temos trabalhado até aqui voluntariamente, contando com a preciosa e também voluntária colaboração de algumas pessoas e empresas. Mas a alma do projeto consiste em observar, projetar, prototipar, testar e repetir esse processo até chegar ao resultado final. E a vaquinha virtual irá nos ajudar a levantar grana pra isso. Estamos escrevendo o projeto, bolando o storyboard pra depois realizar um vídeo que será lançado na internet. A partir daí é que serão viabilizadas as doações, que podem ser de maior e de menor vulto.

Me tranquiliza pensar que o trabalho é realmente longo, ele tem um tempo diferente. E também que o blog, enquanto isso, prossegue sendo visitado com uma intensidade boa e constante.


sábado, 8 de setembro de 2012

Não há mesmo nada mais sábio....


Uma amiga mexicana recentemente teve uma filhinha.
Ontem ela postou a seguinte frase no Facebook:

Eu já era um grande fã da mãe natureza, mas agora que estou percebendo que as mudanças que acontecem na amamentação são sincronizadas perfeitamente com as mudança pelas quais o bebê passa ... eu simplesmente não consigo pensar em nada mais sábio :)

Quando, durante a tese, cursei uma disciplina na pós-graduação do Instituto Fernandes Figueira, fiquei sabendo de uma dessas mudanças que me tirou do chão: a de que quando se aproximam os seis meses de idade de um bebê, o leite materno vai, aos poucos, ficando salgadinho pra preparar seu paladar para os outros alimentos.

É, Brenda, também não consigo pensar em nada mais sábio :)

domingo, 2 de setembro de 2012

Mamadeira = turbina de hidrelétrica



No início da minha vida profissional, como designer, participei da realização da memória técnica da Usina de Itaipú. Na época, estávamos ousando por realizar todo o projeto no programa de computador Ventura, pois naquela época essas máquinas ainda não haviam substituído o fazer manual nos escritórios.

Acompanhei uma equipe de desenhistas técnicos na arte-finalização das inúmeras imagens da publicação, e me impressionavam especialmente aquelas que retratavam as turbinas - engenhos muito complexos, considerados uma espécie de "alma" da hidrelétrica.

E eis que recebo de uma amiga e colaboradora o filme aí de cima.

O bico da mamadeira é nada menos que uma turbina.

As bactérias vão adorar todos esses cantinhos, tobogãs e escorregas para se reproduzirem.

O leite é humano (no filme), mas avisem aos profissionais envolvidos no projeto que, em caso de impedimento da amamentação ao seio, foi inventado um produto incrível chamado COPO.

É bom avisar pra eles também que a "alma" de um projeto é a pesquisa, além - é claro - da ética.



domingo, 26 de agosto de 2012

O melhor "produto" para alimentar seu bebê



Uma amiga acabou de fotografar este anúncio no Metrô de Nova Iorque.
Eu recebo e, imediatamente o coloco aqui.

Tudo muito simples, né?

sábado, 18 de agosto de 2012

Conhecendo o Método Mãe-Canguru na fonte



Segunda-feira, dia 6 de agosto, às 14h, Dr. Hector Martinez pára o carro em frente ao meu hotel, em Bogotá. Muito cordial, se decepciona por eu já ter almoçado e seguimos por aquela bela cidade à procura de um lugar para que ele fizesse sua refeição e eu comesse uma sobremesa.

Chegamos. E então lhe falei do quanto era especial pra mim estar DIANTE da "fonte" daquele "método" que eu tanto admirava.

_ Tenho lido muito a respeito do Método Mãe-Cangurú, mas gostaria de ouvir a descrição de como tudo aconteceu.

_ O que você leu?

_ Li que ele se originou da superlotação de encubadoras ...

_ Trata-se de uma estratégia de valorização e incentivo à amamentação. Há muito que, quando um bebê nasce prematuro, a conduta tem sido colocá-lo na encubadora e alimentá-lo com leites artificiais por mamadeira. E era isso o que ocorria quando comecei a observar a situação. As mães ficavam de fora da UTI, olhando os filhos pelo vidro. Acontece que essas crianças muitas vezes morriam. Sabedor da importância do leite materno para as crianças decidi que, ao invés de leite em pó, as mães ordenhariam seu leite e este seria o alimento das crianças. Então houve uma mudança sensível na situação, pois a saúde dos bebês melhorou e o índice de sobrevivência aumentou. Prossegui observando o que acontecia na maternidade em que trabalhava, na região sul de Bogotá. E pensei que ao invés das mães permanecerem lá do outro lado do vidro, elas poderiam entrar na UTI e amamentar seus filhos. Foi um escândalo internacional...

_ a esta altura o senhor já havia publicado algum artigo sobre o método em revista científica? Como as pessoas sabiam sobre o seu trabalho?

_ Naquela fase, uma representante da Unicef para a América Latina estava em Bogotá. Conheceu o meu trabalho e, em suas viagens, o descrevia para as pessoas, que começaram a me procurar. O escândalo então se deveu ao fato de que permitir acesso às mães na UTI contrariava todas as condutas hospitalares... aquela coisa do risco de infectar os bebês... Mas com a entrada das mães, essas crianças ficaram melhores ainda! E então, por fim, questionei a utilidade daquelas máquinas, pois o contato pele a pele aqueceria os bebês e lhes traria o conforto de estarem bem junto às suas mães: vestir a criança com uma camisetinha, uma roupa leve e mantê-la junto ao corpo por 24 horas. 

_ Sim, e achei genial o Top que foi criado para que a criança se encaixe entre os seios de sua mãe, que poderá ficar com os braços e as mãos livres para outras atividades...

_ Não tem que haver Top.

_ Por quê?

_ Porque o que irá salvar essa criança, além do leite de sua mãe, é o aconchego, o calor, o amor, o toque dessa mãe, seu desejo de que a criança sobreviva, e bem.

_ Mas como a mãe pode manter a criança consigo por 24 horas? Ela precisa tomar banho, fazer uma série de coisas ...

_ Nesses momentos, ela pode passar a criança para o contato com o corpo do pai, do irmão, da avó, do avô, de qualquer membro da família que ame a criança. É o amor, são aos mãos e o carinho que podem salvá-la.

E então ele acionou seu celular para me mostrar imagens de mães, pais, irmãos e avós que mantinham junto ao corpo, pele a pele, bebezinhos prematuros, sinalizando: _Olha esse irmão, com que amor abraça o bebê!

Foi um grande aprendizado.
E fico pensando, o "método" se tratou de tirar tudo aquilo que se interpunha entre os sujeitos da relação: retirados a incubadora, o leite em pó, a mamadeira, a distância.

Precisamos olhar criticamente pra tudo, e muitas vezes tomar a atitude de desfazer ao invés de colocar mais coisas no mundo.

Venho reproduzindo essa história por toda a semana para as pessoas com quem encontro, alunos, amigos. 
A reação que ela provoca produz um sorriso pra lá de especial.
Espero que esta narrativa esteja fiel à conversa que tivemos.




segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"O desdesign da mamadeira" em Bogotá - Colômbia







É com muita alegria que comunico que acabo de chegar de Bogotá, onde apresentei uma conferência sobre os problemas da mamadeira para um auditório lotado de estudantes e professores de design da Pontifícia Universidad Javeriana.

Meu nome foi sugerido para compor uma banca de doutorado em Estudos Ambientais e Rurais, da designer Gloria Stella Barrera Jurado. E foi aprovado! A defesa foi linda, importante, emocionante. Um trabalho sobre a questão indígena colombiana.

Aproveitei a chance e ofereci a Ana Cielo Quiñones (foto), Diretora do Departamento de Design, uma conversa sobre a minha tese com alunos do curso. Mas ela organizou uma grande conferência como atividade para o reinício do semestre.

Teria muito a escrever aqui, mas ainda não disponho de tempo (envolvida com o preparo dos originais para publicação do livro).

Na conferência, fui agraciada pela presença do Dr. Héctor Martinez - criador do Método Mãe Cangurú, a quem pude conhecer dois dias antes, com a ajuda do Dr. Marcus Renato, seu amigo no Brasil. Ele me ajudou a responder às perguntas da platéia, enriquecendo em muito o que eu teria a dizer.

Por enquanto, apenas algumas fotos e o sentimento de que há muito a fazer por esta grande causa.



sábado, 28 de julho de 2012

Marcha pela humanização do parto


Transcrevo aqui um trecho bem expressivo pra esse momento:

Desde o começo da humanidade, as crianças, logo após o nascimento eram postas ao lado de sua mãe. No começo deste século foi criado o berçário, para proteger as crianças contra as infecções hospitalares. Após a Segunda Guerra Mundial, pensava-se que a mamadeira era a melhor forma de alimentação e esta era dada ao recém-nascido antes mesmo que ele saísse do hospital, sem que se soubesse por exemplo, quase nada de imunologia nessa época. E através do berçário, conseguiu-se interferir em uma coisa fundamental: o relacionamento precoce entre mãe e filho. […] Logo após o bebê nascer, alguém o enxuga, retirando todo o líquido amniótico e o verniz caseoso, cuja função é a de proteger e hidratar a pele sensível do recém-nascido. Em alguns hospitais, dá-se um banho de chuveiro, aspira-se o bebê com uma sonda, vira-se o bebê para todos os lados e, se ele não chora vigorosamente logo após o nascimento, ainda recebe umas palmadas, pesa-se, mede-se. (Citando Martins) Em alguns casos, num arroubo de preocupação afetiva, tem-se o cuidado de mostrar a criança rapidamente à mãe, que tenta desesperadamente, durante breves momentos, olhar seu bebê... […] É então levado ao berçário, onde são feitos os registros de suas condições físicas e recebe uma pulseira com o número que o identifica. A única coisa que não fazem é levar a criança para ser amamentada. (Araújo, 1997, p. 41-43) 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Por uma boa causa

Justifico que a redução das postagens no blog se deve a uma boa causa: estou preparando os originais para a publicação do livro "O desdesign da mamadeira" :o)

Depois de dois anos de buscas pelo interesse de editoras, as coisas se definiram e a previsão é de lançamento para início de 2013.

Estou muito feliz com o fato de Rosana de Divitiis, presidente da IBFAN Brasil, aceitar o convite para escrever a apresentação e de Franz Reis Novak, Chefe do Banco de Leite do IFF escrever o texto da orelha do livro.

No mais, bastante trabalho para tirar um pouco a cara de tese e complementar o conteúdo com algumas atualizações importantes.

O projeto gráfico será de Vera Bernardes e Pedro Cabral, garantindo a elegância do design editorial. E as ilustrações ficam a cargo de Fernando Carvalho.

Assim que o trabalho estiver mais adiantado, voltarei ao ritmo normal do blog.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Projeto "copinho" - é com eles que trabalho

Compartilho aqui  a matéria que saiu na semana passada sobre o escritório dos designers que desenvolvem, junto comigo, o projeto de um "copinho".

http://oglobo.globo.com/zona-sul/designers-inauguram-casa-em-laranjeiras-com-foco-nas-questoes-sociais-5391859

O site do Levante design é este e a Cama Puerto já foi um de nossos resultados.

em: http://www.levantedesign.com/

domingo, 1 de julho de 2012

Perigo!, o esvaziamento dos símbolos pela cultura de massa




A caveira e os ossos cruzados sempre foram símbolo de perigo. Mas agora não mais, não necessariamente.

Talvez por influência da cultura mexicana, que lida com a morte de maneira tão encantadora e diversa da nossa (invocando os mortos, preparando altares de guloseimas para recebê-los em visitas espirituais e organizando festas nos cemitérios), as caveiras tenham aportado em outras terras sob um tom de brincadeira, uma espécie de iconoclastia-ingênua-comercial , estampando roupas, adornos pessoais e, quem diria, mamadeiras e chupetas também.

Estes são produtos "Rock Stars" para bebês. Encontrei por aí, em um outro blog.

Reparem o quão simpática se tornou a caveira: um olho de estrela, outro de coração, compondo com um amável sorriso. A cor preta da ilustração e da tampa mamadeira/base chupeta contrariam a paleta cromática empregada em produtos infantis "mainstream", que trafega por cores pastéis e delicadas. Seria então esta uma proposta radical? Cult? (não se esqueçam que quem escolhe os produtos não são os bebês..). Que divertido ...

O símbolo de perigo (a caveira sem sorriso ou gracinhas) seria uma imagem mais do que adequada para figurar nesse tipo de produto, sinalizando os graves perigos envolvidos nesta forma de alimentação e apaziguamento de crianças (na verdade de pais de crianças).

Quisera que a Organização Mundial da Saúde baixasse uma determinação impondo aos fabricantes a impressão do símbolo internacional do perigo assim, bem grande e frontal, ao invés das tímidas recomendações dos ministérios da saúde dos países, que figuram pequenininhas no cantinho inferior do verso das embalagens (e que ninguém vê).

Pena, dó, na verdade muita raiva mesmo -porém, por constatar que mesmo os símbolos internacionais vêm sendo esvaziados de sentido.

sábado, 30 de junho de 2012

O problema não está só nas mamadeiras...



Vejo muitas pessoas recarregando garrafas d'água. E vejo também um monte de garrafinhas ditas "ecológicas" à disposição para venda, com aquele bico do tipo do Gatorade.

Esse infográfico, publicado em O Globo, esclarece que essa não é uma prática segura e que o "squeeze" tampouco é legal para usos tão prolongados (essa coisa de "não tem legislação própria" é sinal de problemas).

A diferença é que nós, adultos, já temos mais anticorpos pra lutar contra essas ameaças. A partir dessas informações, imaginem só os riscos que os bebês correm com as mamadeiras.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Fraldas descartáveis serão mesmo insubstituíveis?



Tendemos a nos tornar dependentes dos produtos.

Hoje as pessoas são dependentes das fraldas descartáveis. Completamente dependentes.

Essas mesmas pessoas, quando bebês, usaram fralda de pano (a maioria dos jovens de 20/25 anos usaram fraldas de pano quando bebês, porque naquela fase as descartáveis recém chegavam no mercado brasileiro e eram muito caras), e seus pais sobreviveram (!).

Existe um projeto -que eu chamaria de "internacional", já que se trata de uma base formal reproduzida em muitos lugares do mundo- de uma fralda de pano modernizada, ou seja, muitas das características presentes nas descartáveis foram adaptadas para fraldas de tecido, resultando em um produto verdadeiramente interessante e prático.

Ontem, visitando a Cúpula dos Povos (evento paralelo à Rio+20), me deparei com a tenda Morada da Floresta. Conheci o produto e adquiri um exemplar. Como sou professora de Design, vale muito mostrar aos alunos o quanto é possível conceber projetos sensatos e inovadores.

Compartilho com vocês o link.

http://www.moradadafloresta.org.br/fraldas-ecologicas/564-novidades-especiais-bebes-ecologicos

domingo, 10 de junho de 2012

Mais uma da "Grande Mãe"



Recentemente recebi de uma amiga que mora em Nova Iorque alguns artigos publicados pela Time Healthland. Um deles me chamou especial atenção.

Em 27 de abril deste ano foi publicado o artigo "Can a Formula Company Really Promote Breast-Feeding and Fight Child Obesity?" http://search.time.com/results.html?N=0&Nty=1&p=0&cmd=tags&srchCat=Time&Ntt=Can+a+Formula+Company+Really+Promote&x=13&y=16

O texto conta que Corey Booker, prefeito de Newark, fez uma parceria com a Nestlé para combater a obesidade infantil (!). A companhia irá promover um programa de capacitação de avós, pais e cuidadores para melhorar a nutrição das crianças, por intermédio de algumas mudanças na dieta, além do incentivo a atividades saudáveis (!).

O artigo relata que os especialistas sabem que a Nestlé vai promover seus próprios produtos, ao invés de incentivar a amamentação (of course!).

Relata também que a Baby Milk Action entrou em contato com Booker, afirmando que "Isso não deve ser patrocinado por uma empresa que tem interesse em produtos que aumentam os riscos da obesidade para as crianças".

"A Nestlé patrocinar um programa anti-obesidade é como RJ Reynolds patrocinar um programa de exercícios - absurdo e inadequado ",  disse Maria Parlapiano, uma enfermeira e consultora de lactação em Chatham, Nova Jersey, que direciona esforços para impedir a iniciativa, em Newark e em todo o país.

Eis então mais uma iniciativa da Nestlé, essa "Grande Mãe" que tudo pode, tudo sabe e tudo vê (e que foi eleita uma das empresas mais queridas dos cariocas nos dois últimos anos).

É de arrepiar ...

PS: Essa linda ilustração aí de cima foi capa de um dos primeiros folders de divulgação da Nestlé no Brasil.


 

sábado, 2 de junho de 2012

We are the world - precisamos saber mais do que aquilo que nos permitem saber



Em 1985, Liderados por Michael Jackson e Lionel Richie, muitos astros da música se reuniram para gravar "We are the world".

Na África, crianças adoeciam e morriam, raquíticas.

Na minha pesquisa de doutorado, tive a infelicidade de constatar que essa mortandande se devia, em grande parte, às consequências da entrada dos leites artificiais e mamadeiras na vida dos africanos e de outros povos do então considerado "Terceiro Mundo".

E, que triste, o dinheiro levantado por essa campanha , muito provavelmente se converteu em doações de leites artificiais e mamadeiras, porque todos acreditavam que com isso estariam ajudando.

Até hoje, quando se recolhem doações para populações vitimadas por desastres naturais, as mamadeiras e os leites artificiais estão lá.

Tudo faz com que as pessoas acreditem que estão ajudando, que isso fará bem às crianças.

Que triste, não fará.

sábado, 26 de maio de 2012

Exposição "Simulacro", de Daniel Mattar



Depois que cheguei em casa, antes de dormir, escovei os dentes, lavei o rosto e puxei o cabelo pra tras, num rabo de cavalo. Atentei para o que via no espelho: um rosto comum, com as rugas de quem já passou dos cinquenta anos, as manchas, as marcas dos óculos maltratando o nariz, aqueles cabelos brancos, mais grossos, que não obedeceram à escova, permanecendo arrepiados. Agora é a hora do sono, pensei. Amanhã lavarei a cabeça e os cachos voltarão. Um pouco de maquiagem vai ajudar também.

Só que uma pergunta me veio: se esse rosto que eu vejo (e que não acho bonito), fosse o de uma boneca hiperealista, eu o acharia bonito? A reprodução perfeita de cada uma das marcas que trago no rosto, o desalinho dos fios brancos, a expressão de todo um dia difícil percorrido, tudo reproduzido artificialmente em uma boneca com o capricho, a perfeição de um expert em bonecas... Eu acharia lindo, simplesmente lindo. E esses pensamentos me devolveram o respeito e a admiração por meu rosto naquela noite. É, sou assim. Isso em mim é beleza.

É que depois da PUC eu saltara do ônibus um ponto antes para visitar uma exposição de fotografias no Espaço Sérgio Porto, Humaitá. Uma exposição de fotografias de produtos japoneses, resultado de uma viagem ao Japão do fotógrafo de moda Daniel Mattar (Simulacro, em cartaz até 10 de junho).

Produtos, quais produtos? Máquinas de refrigerantes, de biscoitos, robôs, personagens e bonecas acompanhantes. E a boneca que ficava bem em frente à porta de entrada era essa, Saori:




Linda. Delicada. Expressiva. Perfeita.

Saori é um produto japonês, assim como todas as outras bonecas cujos rostos estão na imagem que abre este post. Os japoneses as compram para que elas lhes façam companhia, em vários sentidos. Soube que eles chegam a levá-las em viagens, e pra tanto disfarçam sua presença colocando-as em grandes caixas de instrumentos musicais.

Elas não são infláveis, como os toscos exemplares que inauguraram sua presença no mundo dos produtos. São de um plástico-pele, como um silicone, suave ao toque. Seus cabelos e pelos são naturais, e os olhos parecem conseguir portar a umidade que caracteriza o olhar dos mortais.

Há quem diga que os seios das japonesas não são tão fartos assim, mas não estamos falando de realidade, e sim de idealização. As bonecas acompanhantes de alguma forma muito contemporânea suprem as necessidades e carências de pessoas, necessidades e carências das mais selvagens às mais humanas e delicadas. Esse é o nosso mundo.

E no nosso mundo não dá pra olhar pra Saori e desferir-lhe críticas violentas. Porque a cultura tem pregado justamente isso: moldem-se para tornar-se mais perfeitas; maquiem-se para realçar sua beleza ou para disfarçar as marcas impiedosas do tempo.

O problema é que, ao obedecermos os ditames da cultura, nos afastamos cada vez mais da capacidade de valorizar aquilo que somos.

Portanto, admiremos a beleza dos produtos sim.

O que me perturba nisso tudo, na verdade, é que os tais ditames da cultura são capazes de cegar as pessoas, tornando-as produtos também, alijados da capacidade de admirar aquilo que realmente são.

domingo, 20 de maio de 2012

Todos podem contribuir para a doação de leite materno



O Instituto Fernandes Figueira está incrementando sua campanha de doação de frascos para a doação de leite materno.

E todos podemos contribuir.

Sabe aqueles vidros de Nescafé, ou de maionese? O importante é que eles tenham o corpo de vidro e tampa de rosca plástica, pois assim podem ser esterilizados para esse uso.

Com a ajuda da aluna Mariana Ribeiro, eu montei um posto de coleta desses frascos lá na PUC há mais de 5 anos. E nossa comunidade vem participando.

O IFF, então, está incentivando as pessoas a montarem postos de coleta. Nos prédios, nas escolas, em lojas, supermercados etc.

É simples: só colocar um cartaz (que pode ser esse aí) e uma caixa.
Quando a quantidade de doações alcançar um número razoável, ligar pros telefones 2254-1858 ou 2254-1943. O rapaz do IFF vem de moto buscar.

Daí pra frente, os frascos são higienizados e levados às mães doadoras.

Participe!

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Céus, nos protejam




Acabo de assistir ao filme "Flor do deserto" na televisão.

É claro que eu já tinha informação sobre a prática de mutilação da genitália feminina em países da África (e talvez da Ásia), mas sempre fugi da busca por detalhes, tal o horror que isso nos causa.

O filme conta a história de Waris Dirie, uma menina somaliana que se tornou top model. Aos dois anos de idade, seguindo os costumes de sua gente, Waris foi levada por sua mãe para a mutilação. Cresceu e acabou fugindo da Somália, vindo a ser descoberta por um famoso fotógrafo que disparou sua carreira.

Mas ela decidiu contar sua história e hoje é embaixadora da ONU, na luta contra essa monstruosa prática. Este é o link para seu site http://www.desertflowerfoundation.org/en/.

Daí eu fico pensando: céus, como a cultura pode nos mutilar... e quanta determinação é necessário que tenhamos pra enfrentar a cultura, para analisá-la criticamente e combater aquilo que de inaceitável ela nos impõe. E com que "naturalidade" tantas vezes absorvemos suas regras ...

Por quantas espécies de mutilações passamos? Acho que ocidentalmente nossas mutilações são simbólicas. Não necessariamente vertem sangue, mas se apoderam da nossa consciência, da nossa sensatez e penetram na estrutura do que somos.

O quê? A quê me refiro? A tudo aquilo que nem percebemos descer à força por nossas goelas, como virar repositório de silicone, mutilando, em prol de valores torpes, a capacidade de alimentar o ser que geramos.

E isso é só um exemplo.

domingo, 13 de maio de 2012

Xingu: o que realmente importa


Eu sei muito mais sobre as novelas da TV Globo, as tendências da moda, os lançamentos das grandes corporações, as falcatruas da política brasileira, do que sobre a questão indígena brasileira.

Eu só sei o que hoje sei sobre os problemas da mamadeira porque meio que furei uma bolha com muito ímpeto e fui estudar a fundo a questão.

Eu tenho índio na família. Índio paraguaio. Meu corpo é de índio, e nunca achei isso bonito. Mas de algum modo me orgulhei sempre dessa ancestralidade.

Quando estudante universitária, era fã de Darçy Ribeiro, porque sua causa mexia em algum ponto obscuro de mim. Uma vez, depois de assistir a uma palestra dele, na Associação Brasileira de Imprensa, percebi que estávamos no mesmo elevador: eu achei que iria morrer, tal a honra. E anos depois, quando ele já estava doente, o encontrei em sua casa (eu trabalhava no escritório de design de sua mulher). Ele me olhou e disse: "seus cabelos são azuis de tão negros", talvez o maior elogio que recebi na vida.

Ontem fui assistir ao filme Xingu, de Cao Hamburger. Normalmente esse tema não me chamaria a atenção. Mas fui porque há uma forte possibilidade de eu ser banca de uma tese de doutorado na Colômbia, em julho, e o trabalho versa sobre a questão indígena de lá. Então, novamente, assumo a postura de "furar a bolha" do que o mundo me oferece com facilidade, pra estudar um assunto que não entraria na minha pauta naturalmente.

E nesse Dia das Mães - data que nunca comemoro pela pesada carga comercial que representa- me sinto triste por reconhecer o quanto ignoramos sobre o que realmente importa, sobre o que - ao meu ver- realmente vale à pena.

Enquanto escrevo, meu marido prepara o almoço, porque hoje o dia é proibitivo pra tentar almoçar fora: os restaurantes estão lotados com a comemoração da data. Nos resguardamos da euforia, sem desconhecer a importância da maternidade, mas pensando também em quantas mulheres penam com este dia, por terem perdido seus filhos, por nunca terem podido ser mães, por serem cobradas por isso sem ter vontade de ser mãe. É a pauta, massacrante pauta, ao meu ver.

E os índios? O que é o Parque Indígena do Xingu? Como ele estará agora, após 50 anos de sua criação? Os indios conseguem preservar suas tradições? Difícil ... As queimadas ao largo das fronteiras do Parque já reduziram a quantidade e a qualidade da água do rio, eu li....

Durante minha tese, eu aprendi que as índias se recusaram a amamentar os filhos dos portugueses. Pra elas, saber que seus filhos mamaram no seio de outra mulher era um absurdo: elas faziam os filhos vomitarem quando descobriam que isso havia acontecido.

Índio ... parece que índio é assim: não se dobra às imposições, ou pelo menos resiste muito. Mas precisam de proteção. E quem nos protege?

No trabalho lá da Colômbia, que estou lendo, há registro de que os índios mentem aos colonizadores, fingindo aderir às suas doutrinas.

Índios não se dobram.

E nos perdemos deles.

Nos perdemos de sua fibra.

Fibra.

Azul, de tão negra.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dicas de amamentação em aplicativo para IPhone (free)


A grande notícia deste post é que o aplicativo para IPhone sobre aleitamento materno já está disponível para download no link abaixo (App Store).

Ele foi desenvolvido na disciplina Projeto III, do curso de Design da PUC-Rio, ministrada pelos professores Simone Formiga e Eduardo Pucu, em 2011. O tema do semestre era "Alimentação", e os alunos Renan Kogut, Paulo del Valle e Diego Abib desejavam direcionar seus estudos e esforços para a alimentação infantil.

Então, sabedor de minha tese sobre os problemas da mamadeira, o Prof. Eduardo Pucu recomendou aos rapazes que fossem conversar comigo, oportunidade em que tive o prazer de conhecer o grupo e dividir com eles toda a minha preocupação com o fato de a mamadeira ser um produto insuspeito por imensa parcela da sociedade, que a ele se apegou de maneira impressionante.

E foi esta a minha participação no projeto, um esclarecimento preliminar sobre o tema.

Naquele mesmo dia, eles me contaram ter escrito para vários pediatras, obtendo um único retorno: o Dr. Marcus Renato. Logo quem! :o) Bom, o Dr. apadrinhou o projeto, trabalhando com os meninos desde o início e para muito além da entrega do trabalho aos professores. E eis que temos agora um instrumento  poderoso para disseminar informações sobre amamentação.

É um grande orgulho ver o design gerando frutos compatíveis com o conhecimento científico alcançado sobre segurança alimentar infantil, ao invés de ficar só projetando cegamente mais e mais mamadeiras.

Peço aos leitores que divulguem a notícia o máximo possível. Não temos a força de uma corporação comercial, mas vamos descobrindo jeitos de enfrentá-la.

http://itunes.apple.com/us/app/aleitamento/id506198319?mt=8

sábado, 7 de abril de 2012

Impressões de Nova Iorque

Estive com minha familia (quase toda) em Nova Iorque, por uma semana. Demos uma "fugida" curta mas muito gostosa. Para mim, um retorno à cidade após 15 anos sem visitá-la.

Das coisas que observei relativas ao assunto de interesse aqui do blog, destaco reflexão sobre a cadeia de lojas Starbucks.

Em minha tese e em post anterior registrei que, em 2005, mães haviam sido proibidas de amamentar no interior da loja de Winconsin, e conduzidas ao banheiro para fazê-lo. No dia seguinte, uma manifestação de mães e crianças ocorreu em repúdio ao fato.



Bom, ao caminhar pelas ruas de Manhattan, percebi o seguinte:
- praticamente em cada esquina há uma loja da Starbucks;
- lá, os cidadãos novaiorquinos e os turistas encontram café, lanches, meios de se comunicar (wireless) e banheiros salvadores, trazendo a sensação de um "porto seguro" àqueles que se lançam a bater perna na ilha;
- inclusive, ao indagar sobre a disponibilidade de banheiro em quaisquer outras lojas visitadas, a orientação recebida é para que nos dirijamos à loja mais próxima da Starbucks, o que nos fez compreender uma espécie de função pública da cadeia.

Numa dessas paradas com minha filha, lembramos da cena de coibição de amamentação na loja, citada acima.

E ficamos com a nítida impressão de que ela se deu não por uma questão de conduta da empresa, mas antes devido à propria cultura norte-americana e sua herança puritana.

É bom que se diga, né?

sexta-feira, 9 de março de 2012

O design contribuindo para a transmissão de um "falso conceito de vantagem ou segurança"

Visitando o site da IBFAN Brasil e lendo o documento "Violando as normas", onde anualmente são publicados os resultados do monitoramento nacional das regras de controle à comercialização de leites artificiais, bicos e mamadeiras, encontrei a frase "falso conceito de vantagem ou segurança" sendo empregada para qualificar estratégias enganadoras de convencimento de compra desses produtos.

Com minha pesquisa de doutorado, tive o desprazer de detectar o quanto o design vem contribuindo para a criação de atributos palatáveis ao discurso promocional desse falso conceito. Pois ao simplesmente redesenhar mamadeiras, sem questionar a validade e aplicabilidade do produto, tais ações projetuais vêm agregando às mamadeiras valores estéticos e tecnológicos que colaboram para a manutenção e incremento da ideia de que elas são um meio seguro para alimentar bebês. O apelo formal, somado ao discurso promocional, se converte em valor agregado incentivador do consumo, o que parece constituir sinal intangível de violação às normas do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno.

E de que forma isso se dá? Com a grande incidência de fatores de pseudo-inovação nos produtos (como a analogia formal ao seio materno, as válvulas para eliminação de bolhas de ar, os recursos que viabilizam o "fluxo contínuo" de leite etc.), com a insistência dos projetistas e das indústrias em relegar o conhecimento científico alcançado sobre a questão, e com o discurso promocional capcioso presente nos sites e em embalagens de mamadeiras (MAM loves me).

Portanto, quanto mais atraente e pretensamente inovadora for a aparência formal da mamadeira, mais violadora ao Código ela se revelará.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Gesto símbolo de luta




Por várias vezes ouvi que a proteção, incentivo e apoio à amamentação não é apenas um trabalho, mas uma luta dos profissionais da saúde. Contra o que? Contra uma mentalidade, contra a equivocada "tradição" que desqualificou as capacidades naturais humanas em prol de produtos que se revelaram perigosos, mas que persistem insuspeitos. 

A primeira imagem utiliza um registro fotográfico muito expressivo de um bebê muito novinho que se adequa perfeitamente àquilo que -caso pudessem falar- as crianças reivindicariam: uma alimentação segura.

Os cartazes que vêm a seguir empregam também o mesmo gesto de luta, desta vez contra o poder da indústria láctea, para divulgar a Conferência Mundial de Amamentação deste ano, a se realizar na Índia.

Daí me lembro de um poema que escrevi para uma grande amiga, sobre que diabos é essa coisa de lutar. Reproduzo aqui alguns desses versos.

Lutar não há de ser esperar (...)
Não é briga de foice
Nem com flores lutar não dá
Há de ser tonteira, dúvida, vontade
Há que ter coragem, lutar.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Mamadeira x amamentação em livro da OMS sobre cartazes de saúde pública

Aleitamento materno frente à alimentação por mamadeira

Amamente seu filho o maior tempo possivel

Recentemente chegou pelo correio a encomenda que fiz: o livro "Public Health Campaigns: getting the message across", publicação da Organização Mundial de Saúde.

Na disciplina "Projeto VII", dou uma aula sobre Comunicação Pública e esta coletânea mundial de cartazes sobre o tema da saúde me será muito útil.

Há um capítulo dedicado à amamentação, do qual destaco esses dois cartazes pelo fato de neles estar presente a comparação entre a alimentação natural e a artificial.

Estranhamente, não há registro da origem desses cartazes em qualquer parte do livro. A ausência de texto do primeiro cartaz e o alfabeto estranho (e lindo!) do segundo agravam a situação.

Ambos pretendem dizer que o aleitamento materno é a maneira segura e saudável de alimentar bebês: as crianças amamentadas são representadas de maneira saudável, enquanto aquelas que se alimentam por intermédio da mamadeira são pálidas, magras e frágeis.

É efetivamente isso que acontece, mas a publicidade das indústrias de leites artificiais sempre nos mostrou o contrário. E daí fica difícil um entendimento dessas imagens a nível global. Porque imagens muitas vezes não valem mais do que mil palavras.

Explico.

Pra muitos grupos sociais, o ato de recorrer à mamadeira é "cometido" com a intenção de possibilitar aumento de peso ao bebê. E isso muitas vezes é o que acontece: o organismo humano não é preparado para processar a proteína animal e fica ali, lutando para fazê-lo enquanto ficamos com a impressão de que a criança está muito mais saciada com aquele alimento. E essa "luta" abre as portas para a obesidade infantil, que no iniciozinho é muito comemorada em nossa cultura.

Então, uma imagem que mostre  a mamadeira provocando magreza e apatia em crianças nos soa muito entranho. Aprendemos a confiar naquilo que vemos, e se a criança engorda, isso pra nós significa que ela está mais saudável.

Escapa à minha capacidade, pelo menos aqui e agora, entender porque algumas crianças definham com a alimentação artificial e outras aumentam de peso (embora tenha aprendido com meus estudos que estas últimas, mesmo que aparentemente gordas, não atingem a mesma saúde das crianças amamentadas). Só sei que a mensagem desses cartazes não é de alcance global, mas local.

Por isso, repito aqui o documentário "Fórmula Fix", pensando que -por esse e por vários outros motivos- a questão amamentação x mamadeira não pode prescindir de argumentos mais enfáticos do que uma ilustração comparativa.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Aumentar ou reduzir os seios?

Acabo de saber de um problema de censura no Facebook: Emma Kwasnica vem tendo sua página periodicamente retirada do ar por publicar fotos suas amamentando seu filho.

O link abaixo tem a notícia completa e é acompanhado de comentários de internautas. A maioria apóia a censura a tais fotos, considerando-as ofensivas, e outros manifestam sua indignação com tais comentários.

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2012/02/mulheres-comecam-campanha-para-liberacao-de-fotos-que-mostram-os-filhos-sendo-amamentados.html

O que tenho a dizer é que esta é a nossa realidade.

A cultura industrial fez com que muita gente, senão a maioria das pessoas, pense que a mamadeira é o meio correto de alimentar bebês, e que seios servem pra seduzir os homens e, mais recentemente, que eles podem e devem receber implantes de silicone para que fiquem mais e mais sedutores.

A força das indústrias e suas promessas de saúde e segurança para os bebês conseguiram até fazer com que a grande massa da população considere que crianças não devem brincar de amamentar e nem ter acesso a imagens de mães amamentando. Enquanto isso, sutiãs com enchimento para crianças são lançados por marcas queridinhas dos consumidores.

E então verifico o quanto a civilização vem involuindo, pois quanto mais acesso temos à informação, menos buscamos por ela e menos critérios críticos possuímos para filtrá-la, absorvendo como "natureza" uma pasta amorfa e desprovida de quaisquer valores e sentido.

Eu não sabia dos males da mamadeira. Eu fui alertada pra isso. Entrei então em contato com uma luta mundial, uma coisa seríssima, coisa de OMS.

Tenho em mim a certeza de que quando as pessoas tomarem conhecimento desse problemão, mudarão suas posições.

Por isso acho muito positivo que toda essa M venha à tona.

Mulheres, a cultura amputou nossos seios e os transformou em brinquedinho inflável de sexshopp. Mulheres e homens, vasculhem a internet e encontrarão com facilidade informação científica em prol da amamentação e contra essa "viagem" que nos cega dizendo que a natureza é obscena e que o bom são os produtos (as mamadeiras, o silicone).

Acordar é a palavra certa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Consumo sensato X mentalidade industrial

                                              Cartaz desenvolvido por alunos de design britânicos


Ao contrário do produto artesanal, no qual eventuais traços reveladores do modo de produção são inerentes ao objeto, a natureza industrial tende a não deixar transparecer essas informações, visando a conferir frescor e ineditismo de vida a seus produtos (1). A origem das matérias-primas empregadas em sua constituição, o ambiente da fábrica, a individualidade dos trabalhadores envolvidos com a concepção, produção e distribuição e toda a alta complexidade de ações necessárias ao surgimento do produto ficam ausentes de sua configuração, possibilitando que, para o consumidor, sua existência se inicie no momento em que é escolhido, dentre outros, para ser então ressignificado sob os domínios daquele que o adquire como uma coisa “virgem”.

Essa “pureza” característica dos produtos faz parte da cultura industrial desde o século XVIII (2) e tende a persistir mesmo quando o acesso a tais informações encontra-se liberado ao consumidor em notícias, publicidade, literatura, Internet. Em parte, o desconhecimento se deve ao fato de não ser indispensável ou mesmo necessário termos o entendimento das coisas que utilizamos, como argumenta Hobsbawm discorrendo sobre o século XX, ao afirmar que, diante dos

[…] produtos diários da ciência e tecnologia somos leigos ignorantes sem compreender nada. E mesmo que não fôssemos, nossa compreensão do que é que faz a coisa que usamos funcionar, e dos princípios por trás dela, é em grande parte conhecimento irrelevante. (Hobsbawm, p. 510)

Além de suas funções mais evidentes, os produtos industriais proporcionam aos cidadãos recursos de legitimação social e participação ativa na racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica da sociedade (Canclini, 2001).

Em 1960, o manifesto First Things First sinalizou, porém, que por força das correntezas econômicas e culturais capitalistas, a atividade do design estava se hibridizando com a do marketing, mentor do consumo, ao ponto de, aos olhos da sociedade, parecer ser este (o marketing) o trabalho “que os designers fazem”. Em 2000, o manifesto foi reeditado por outro grupo de profissionais que atestou a potencialização desse fenômeno em anos recentes, renovando aquele manifesto, na expectativa de que nenhuma década a mais passaria sem que nos lembrássemos daquele antigo alerta. E enquanto publicações dirigidas a grandes empresas transnacionais definem que no momento atual os designers “poderão ganhar muito dinheiro, canalizando seu potencial como consultores criativos para o mundo dos negócios” (3), a missão da atividade se compromete com a geração de produtos éticos em termos globais, sociais e culturais (ICSID) (4).

Para o designer em formação, a oposição entre os modelos de expansão – corrente industrial expansionista – e de equilíbrio econômico – corrente consciente da finitude dos recursos naturais –, quando visualizável, traduz uma animosidade destoante de seu desejo de futura realização profissional (Margolin, 1998). A opção do designer por uma das vertentes nem sempre suprirá os benefícios que a outra poderia lhe proporcionar. Ou seja, o designer do século XXI tende a oscilar entre uma atuação promissora de colaboração com as demandas já consagradas da indústria, colocando num plano secundário o impulso e o desejo de modificar estruturas estabelecidas, e o engajamento em vertentes transformadoras do cenário, que podem não lhe trazer os resultados financeiros esperados. O momento, portanto, a exemplo do que ocorre em diversas áreas do conhecimento, é de reflexão e procura de um ponto equidistante entre os extremos, um ponto que não contrarie os princípios e compromissos da atividade do design nem aparte o profissional da economia industrial.

Por tais motivos, dedicarmos atenção a produtos cujo consumo indiscriminado (5) tem provocado problemas de grande amplitude é uma decisão que pode contribuir para uma qualificação mais sensata de nossos hábitos de consumo e para a quantificação do distanciamento tomado pela indústria em relação a um eixo racional na geração de produtos. Na prática, é preciso desenvolver e dirigir um novo olhar às coisas industriais. Um olhar de estranhamento em relação aos inumeráveis objetos que substituem os atos humanos. A mamadeira, por exemplo, tomou o lugar do seio materno nas mais diferentes culturas, embora o aleitamento concentre o que de mais sofisticado, eficaz e sustentável podemos oferecer aos nossos filhos para o seu bom desenvolvimento.

Identificar e tentar desvendar equívocos da cultura industrial se apresenta hoje como tarefa para os profissionais mais diretamente envolvidos com os meandros dessa engrenagem, dentre eles os designers. Inclui-se, pois, na tarefa da Universidade, fornecer aos estudantes instrumentos para fazê-lo, encorajando-os a questionar, e mesmo a desmontar cânones da profissão diante da perspectiva de que novas frentes representem uma contribuição relevante da atividade para o mundo contemporâneo e para as sociedades presentes e futuras.


[1] Exemplo disso é que vestígios da união de peças em um produto de plástico injetado são considerados falhas de acabamento.
[2] Início da Revolução Industrial, quando cortes de tecido se tornavam acessíveis a maiores parcelas da população, isentando de sua aparência o sistema escravocrata empregado para a obtenção do algodão e as condições desumanas a que eram submetidos os trabalhadores das fábricas têxteis (DENIS, 2000).
[3] NUSSBAUM, B., editor da revista Business Week, in Innovation Fall, 2005 – Yearbook of Industrial Design Excellence.
[4] International Council of Industrial Design.
[5] Embora esse consumo tenha sido absorvido pela cultura do mundo ocidental.