sábado, 26 de setembro de 2015

Novidades da semana

Não é de hoje que a publicidade seduz  com lindas imagens



Divulgo aqui duas grandes novidades da semana.

Em primeiro lugar, a excelente reportagem da Mamatraca que desvela os bastidores de tantos "amorosos" conselhos que a publicidade nos dá quanto à alimentação infantil. Uma matéria que merece ser explorada em cada um dos vários links que oferece ao leitor.

E mais uma produção para enriquecer a lista de vídeos informativos sobre o nascimento. Sabemos que ainda acontece de as mulheres estarem preparadas e desejosas por um parto normal e, na última hora, serem desviadas desse objetivo por argumentos médicos tantas vezes questionáveis, para não dizer mentirosos. A falta de domínio sobre os fatos e os termos empregados pelos especialistas as fazem optar pro não arriscar a integridade da criança, lógico.
"Parir é natural", dirigido por Silvio Tendler, contribui para a mudança dessa cultura. Uma mudança para melhor. Afinal, as mulheres sempre tiveram competência para parir seus filhos.




quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Bésame mucho, grande leitura




Ao iniciar a leitura do livro "Bésame mucho", do Dr. Carlos González (Editora Timo - SP), estou bastante interessada no conceito de Seleção Cultural (ao invés de Seleção Natural) desenvolvido pelo autor.

Logo no início do capítulo dois, encontrei:

Foram médicos os que recomendaram há um século dar o peito por dez minutos a cada quatro horas, o que levou a amamentação a um fracasso quase absoluto. Foram farmacêuticos os que há apenas 60 anos vendiam 'pós para dentição' à base de mercúrio sumamente tóxicos, que deveriam ser administrados aos bebês para fazê-los babar, pois a 'baba retida' causava doenças. Foram médicos e educadores os que há dois séculos advertiram que a masturbação 'secava o cérebro', e inventaram castigos terríveis e aparelhos complexos para evitar que as crianças se tocassem.

Os exemplos são empregados no texto com o sentido de demonstrar que grande parte dos mistérios nos cuidados com crianças são criados pela cultura, inventados como procedimentos recomendados por especialistas, e se sucedem na história determinando cuidados com as crianças sob o risco de ocorrerem fatalidades. Mas, na verdade, o ponto que mais está me intrigando é o seguinte:

Foram especialistas que há cinco séculos recomendavam envolver os bebês como múmias para que não pudessem engatinhar (!), porque tinham que andar como as pessoas e não se arrastarem no chão como animais (!!).



Recorrendo à internet, procurei pela palavra-chave "cueiros" e cheguei ao termo swaddling clothes que, segundo o artigo "Enxoval básico do século XVIII" era usado para manter o bebê aquecido e garantir que seus membros se mantivessem retos, numa sociedade onde -já aos cinco anos de idade- as crianças começavam a trabalhar e ninguém na família pré-industrial dispunha de tempo para cuidar de bebês: "Um bebê enrolado, todo o seu corpo envolto e sua cabeça cambaleante presa de forma segura, poderia ser deixado em mãos muito inexperientes, ou por si só, com pouco risco de danos".
(www.sharonburnston.com/baby_linen/bellyband.html)

No site Wikipédia é informado que os panos começaram a ser rejeitados no século XVIII, citando trecho do livro "Emile: Ou, Na Educação", de Jean Jacques Rousseau (1762), que reproduzo em tradução do Google, com alguns ajustes de redação:

Mal a criança sai do útero da mãe, começando a se mover e esticar seus membros, ela é envolta em cueiros, com a cabeça fixa, suas pernas esticadas e os braços estirados dos lados; a mesma é enrolada em volta de linho e todos os tipos de ligaduras de modo a não poder mover-se [...]. De onde vem esse costume razoável? A partir de uma prática antinatural. Desde que as mães desprezaram seu dever primário e não desejam amamentar seus próprios filhos, elas tiveram de confiá-los a mulheres mercenárias. Essas mulheres, portanto, tornam-se mães para filhos de um estranho, que, por natureza, significam tão pouco para eles que eles procuram apenas para poupar-se problemas. Uma criança sem os panos precisaria de observação constante; bem enrolada é lançada em um canto e seus gritos são ignorados [...]. Alega-se que os bebês deixados livres assumiriam posições defeituosas e fariam movimentos que podem ferir o bom desenvolvimento de seus membros. Esta é uma das justificativas vãs da nossa falsa sabedoria que a experiência nunca confirmou. Fora da multidão de crianças que crescem com o pleno uso dos seus membros entre as nações mais sábias do que nós mesmos, você nunca encontrará alguém que se machuca ou mutila a si mesmo; seus movimentos são muito fracos para serem perigosos, e quando eles assumem uma posição prejudicial, a dor adverte-os para mudar isso.





Prosseguindo com a pesquisa, encontro informações sobre o ressurgimento dessa técnica em tempos atuais no site www.sciencedaily.com/releases/2013/10/131028184950.htm. Ali ficamos sabendo que nove entre 10 crianças na América do Norte utilizam os cueiros nos seis primeiros meses de vida, e que no Reino Unido a procura por swaddling clothes aumentou 61% entre 2010 e 2011. Defende-se que a técnica tem efeitos calmantes, ajuda na indução do sono, aliviando choro excessivo e cólicas. Paralelamente, porém, um número crescente de evidências demonstra que ela aumenta o risco de anormalidades no desenvolvimento do quadril. O Prof. Nicholas Clarke (Hospital Universitário de Southamptom) defende que os produtos devem ser frouxos a fim de não cercear a liberdade de movimentos de quadril.



Retornando à Wikipedia, um trecho fala do uso contemporâneo dos cueiros, e do quanto ele está ligado à cultura não industrializada. Na Turquia, 93,1% são tradicionalmente enrolados com essa técnica. Estudos com populações indígenas das Américas não detectaram atraso no início da caminhada provocada pelo uso dos panos, mas um estudo austríaco mostrou que bebês albaneses tiveram sua habilidade para engatinhar e alcançar coisas com as mãos prejudicadas pelos swaddling chothes. E vários estudos empíricos já comprovaram os efeitos negativos do uso dos panos: aumento do risco de displasia da anca; redução da capacidade de equalização da temperatura do corpo pelo bebê nos casos em que os panos são apertados e envolvem a cabeça (hipertermia, com registro de caso fatal); identificação do risco quadruplicado de desenvolvimento de infecções respiratórias. 

E para finalizar meus achados, o estudo sobre o uso contemporâneo dos panos em maternidades, realizado por Bystrova e equipe, demonstrou que há atraso na recuperação da perda de peso pós-natal. O ganho de peso é aumentado e facilitado quando o bebê é colocado em contato direto pele-a-pele com sua mãe nas primeiras horas de vida, reduzindo o estresse do nascimento, mantendo a temperatura corporal com melhores resultados do que na incubadora e integração afetiva do binômio mãe-filho: Mãe Canguru.





A menininha não parece estar apertada nessa versão moderna de swaddling chothes, mas me pergunto que grande diferença há entre isso e um simples pijaminha, a ponto de surtir efeito calmante....

Quando bebês, eu e meus irmãos fomos enrolados em cueiros bem apertados.
Quando minha filha nasceu, não passei nem perto disso, deixando-a de camisolinha, com liberdade total de movimento, pois era o que se praticava à época.

Depois que inventaram a fralda descartável, a tendência é utilizá-la até bem depois do prazo em que ela seria indispensável, pois ao começar a falar uma criança já pode pedir pra fazer xixi e cocô e assim desenvolver controle para suas necessidades, mas praticidade oferecida pelo produto estica seu tempo de uso. Sabemos que a produção de lixo provocada por tal hábito de consumo aterroriza qualquer um que decida fazer as contas, mas deixar pra depois o controle do esfincter estará influenciando no desenvolvimento das crianças?

O lance é que a cultura muda nosso entorno e nossa vida mas não provoca mutações em nosso organismo para que a ela nos adaptemos, como argumenta o Dr. González. Continuamos sendo do mesmo jeito. Também não viramos produtos (embora por vezes pareça que nos esquecemos disso).

Por isso, fico aqui pensando que se a questão é acalmar a criança, boto muito mais fé num colinho antes de dormir.




segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Uma imagem que não vale nada



A mamadeira é um objeto profundamente enraizado em nossa cultura, naturalizado ao ponto de ocupar posto muito mais aceitável do que a amamentação para muitas pessoas.

Visitando Buenos Aires, recentemente, no Malba deparei com esse quadro de Botero, pintor colombiano popularmente conhecido pelas personagens roliças que fortemente caracterizam suas produções. Mas é claro que atentei para a presença das mamadeiras na composição, de nome "Los viudos" (Os viúvos).

Esta é uma situação crítica em que um modo alternativo de alimentar bebês se faz necessário: a morte da mãe. O problema está em que o uso da mamadeira foi se espraiando por justificativas muito menos reais ou nada reais, ao ponto de serem presenteadas já no chá de bebê, antes de se saber se haverá problemas para a amamentação. As comunidades africanas, antes da chegada desastrosa da indústria de leites artificiais por lá, resolviam a questão utilizando xícaras ou colheres para administrar alimento aos bebês. Coisa parecida fazem os índios, empregando cuias (fruto da cuieira madura, depois de esvaziado seu miolo) para alimentá-los com pasta de mandioca.

O fato é que a imagem da mamadeira (e também da chupeta) vem sendo empregada como um "doce símbolo de infância" nas mais variadas produções visuais. E admito que fiz isso também no início desse blog....

Pois é, como "pano de fundo", escolhi um padrão de mamadeiras e chupetas disponível no blogspot. Minha intenção era de que as pessoas se aproximassem daquela imagem e se espantassem ao ler os posts, inteiramente contrários àquela ideia. O contraste funcionaria, ao meu ver, como um recurso comunicativo. Só que, ao iniciar a divulgação do blog, fui logo alertada pela IBFAN Brasil (International Babyfood Action Network) e até hoje agradeço pelo claro "puxão de orelha" de Marina Rea. Temos que desnaturalizar esse objeto, nas menores ações, em cada escolha que fizermos, pois assim estaremos colaborando para que as coisas mudem. O poder da imagem é fortíssimo, não há como negar.

E precisamos estar atentos, muito atentos, porque coisas verdadeiramente esdrúxulas acontecem...

Vejam esse exemplo, encontrado no livro ilustrado "El Embarazo", disponível na lindíssima Livraria Atheneu, também em Buenos Aires: a mamadeira, sim, a imagem da mamadeira é empregada para demonstrar a composição do leite materno!!!!




As indústrias estão se dando muito bem com isso, vendendo mais e mais latas de leite em pó, mais e mais modelos de mamadeiras cheias de "design". E os bebês? O leite materno é o melhor alimento do mundo, vale pesquisar. Não há nada melhor do que o aleitamento materno, pode pesquisar também. Sobre alternativas? Use o copo, a xícara, a colher. E ao produzir imagens, não empregue a mamadeira, please! O consenso científico internacional, firmado há quase 40 anos, agradece.