domingo, 30 de janeiro de 2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Novelas: ora se promove métodos seguros para alimentar bebês, ora parece que se quer destruir aquilo que foi construído

Por sugestão de uma frequentadora do blog, comento neste post o modo -ou melhor, os modos- com que o tema da amamentação vem sendo tratado nas novelas.

Antes de mais nada, temos que atentar para o fato de que no Brasil as novelas ditam comportamentos para a sociedade. Portanto a inserção de um produto ou procedimento em suas cenas tende a influenciar as pessoas, mesmo que elas não se dêem conta disso.

Durante minha pesquisa, colecionei produções que tratavam do assunto e atentei para cenas de novelas e programação televisiva em geral. O que muitas vezes constato é um esforço dos programas telejornalísticos em transmitir as recomendações internacionais a favor do aleitamento materno. Já quanto às novelas ou seriados, me parece ser necessário e mesmo urgente que as equipes de redatores, diretores, produtores e atores sejam informadas acerca da realidade do tema, pois ora se defende o aleitamento, ora se faz apologia do uso da mamadeira.

Temos que considerar três dados importantes que se interligam:
1) Os fabricantes de mamadeiras, chupetas e leites artificiais têm na Região Sudeste seu maior mercado. Tanto é que nas pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde a região se mantém com os mais baixos índices de aleitamento;
2) A Região Sudeste é justo a produtora da maior parcela de conteúdos culturais, disseminados para o restante do país;
3) As indústrias citadas são anunciantes dos meios de comunicação que publicam tais conteúdos.

Trata-se, assim, de uma engrenagem muito amarrada. Entretanto as próprias novelas já demonstraram sua maestria em divulgar condutas adequadas com relação à alimentação infantil, como ocorreu na cena de Cama de Gato -novela das 18h da TV Globo, quando a administração de leite (do banco de leite do hospital) em copinho a bebê prematuro e o Projeto Mãe Canguru foram citados de maneira delicada e informativa:




Porém, na atual novela (rural) transmitida neste mesmo horário, Araguaia, os personagens Cirço e Pérola protagonizaram uma cena com mensagem radicalmente oposta à anterior: o amoroso futuro pai tráz presentes à sua esposa grávida num gesto de extremo zelo. A cena acontece aos 2:47 min do vídeo a seguir.




Há muitas outras cenas que tratam da questão. Agradeço aos leitores do blog pela sinalização desses pequenos momentos que potencialmente podem contribuir para a tão urgente mudança de cultura sobre a segurança alimentar infantil ou reforçar ainda mais a noção equivocada de que a mamadeira é um método seguro para alimentar bebês.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Durante a pesquisa, apresentei o problema das mamadeiras a um grupo de professores de design

Em todas as ocasiões em que a pesquisa foi apresentada (congressos, conferências, aulas) a reação das plateias foi de grande surpresa e estupefação. As informações fornecidas contrariam radicalmente o que as pessoas pensam sobre o produto e sua aura, levando-as a lembraram-se dos momentos em que a mamadeira foi por elas usada. Ato contínuo, as pessoas revisam esses momentos e a partir de então sua atenção se fixa no que é dito a respeito.

Com os professores de design não foi diferente, e abaixo estão destacadas algumas de suas exclamações:
— Eu aceitaria o projeto de uma mamadeira há uns tempos atrás, feliz... Meu Deus! […] A gente muitas vezes está totalmente cego […]. Pouco sobra da mamadeira depois de uma apresentação dessas. […] Depois desses dados, começa mesmo a virar um objeto nefasto, perigoso.
Todas (as mamadeiras) parecem extremamente assustadoras […], são 36 partes diferentes, ótimas para juntar sujeiras, bactérias […]. Nada melhor do que peito.
— Esse é um objeto que não serve pra nada. Se pode jogar tudo fora.
— A mamadeira inclusive deve ser eliminada.
Relatos pessoais, algumas vezes, documentaram posturas assumidas pelos participantes no papel de consumidores ou potenciais consumidores à época em que tiveram seus filhos:
— Já dei muita mamadeira para meus filhos, brinquei de boneca (lhe dando mamadeira) achando que estava treinando para ser a mãe mais devota do mundo.
— Quando tive minha primeira filha, na Clínica São José, quando eu recebi alta, eu recebi de uma irmã de caridade, de chapelão ainda, uma cesta. Essa cesta, muito bonitinha, com laçarote inclusive, com duas latas de leite em pó e duas mamadeiras de vidro. Eu tinha leite a mais não poder. Até o sutiã que levei para a maternidade não foi suficiente e tiveram que fazer um sutiã de fralda. Eu doei leite também para os prematuros. Quer dizer, foi colocada no meu colo essa cesta, que não deixava de ter seu aspecto sedutor, pois vou poder tomar um banho em paz, vou pedir pra alguém dar aquela mamadeira... E não era uma questão social, de necessidade minha, era um mecanismo — como você apontou, de formação de comportamento na hora do nascimento, com a legitimação da casa de saúde, das irmãs de caridade etc... tá tudo bem!, dar mamadeira é legal! Ainda está abençoada, ou seja, uma coisa vista com bons olhos.
— A gente saía da maternidade com brindes da Nestlé e uma lata de Nanon. Quando vejo as informações da apresentação, são coisas muito diretamente ligadas à minha própria vida, porque eu optei por ser um pouco bicho-grilo porque eu queria ter parto normal e amamentar.
— Eu tive dois filhos. A primeira eu amamentei sem problemas, ela tinha uma facilidade de pegar o bico. Porque é um talento! Não só a mãe, mas o bebê tem que ter um talento pra sugar. O meu segundo filho não tinha esse talento. Era uma guerra. […] tinha alergia ao leite de vaca industrializado, Nanon. O da teta da vaca parou a alergia dele. O médico achou que eu era maluca, é aquela história de não seguir as instruções. Eu não segui porque o menino não dormia de noite, não comia... Não era um problema de mamadeira, era com o alimento.
— Não lembro exatamente o que ocorreu, mas houve um problema com minha esposa que a minha filha não conseguia ser amamentada corretamente. […] Senti que quando ela (a criança) descobriu a mamadeira, correu pra mamadeira: vamos na mamadeirinha que é mais fácil.
Esses trechos ilustram o quanto a mamadeira é um produto comum, corriqueiro, parte da vida de todos mesmo quando se opta por não utilizá-lo. E os motivos que conduzem a tal postura não têm relação com a problemática apresentada, mas com decisões intuitivas das pessoas em momentos de necessidade.
A total surpresa com as informações apresentadas confirma a desinformação de grande parte da sociedade sobre os problemas vinculados ao produto mamadeira, ou seja, sobre os problemas que conduziram a ciência a assumir o paradigma atual, fruto de movimentações em âmbito internacional que não conseguem alcançar as pessoas a contento.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Apoio e incentivo à amamentação em situações de emergência

Embora os meios de comunicação peçam leite em pó e mamadeiras como donativo para populações vitimadas por situações de emergência, a precariedade logística e de infra-estrutura costuma ser uma constante nos abrigos, apesar de todos os esforços empreendidos por voluntários. Nesse cenário, lavar e esterilizar mamadeiras devidamente parece ser um desafio grande demais, quando não impossível.


Esses fatos, somados a tantos outros, fazem com que a orientação dos órgãos internacionais de saúde seja incentivar e apoiar a amamentação em situações de emergência, como mostram os vídeos.



quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Esclarecimentos sobre o leite em pó em situações de emergência

A Região Serrana do Rio de Janeiro está sofrendo horrores com a fúria das águas que praticamente distruíram cidades nesses últimos dias. Em ocasiões assim, os donativos são essenciais e dentre os alimentos não-perecíveis pedidos, está o leite em pó.

Em 2010, quando as chuvas atingiram Angra dos Reis e localidades da região metropolitana do Rio, eu e Franz Novak -pesquisador do Instituto Fernandes Figueira - FIOCRUZ, enviamos o texto que reproduzo abaixo para os órgãos de imprensa.

"O leite em pó é um dos principais itens na lista de doações de alimentos pedida à população para as vítimas das enchentes e deslizamentos no Rio de Janeiro. Entretanto não podemos esquecer que para ser
preparado, o mesmo precisa ser diluído em água potável ou pelos menos filtrada e fervida (nos locais onde não exista água potável).

Cabe lembrar que em situações de desastres ambientais e emergências, obter água potável é muitas vezes um grande desafio, quando não uma impossibilidade. Nessas ocasiões, a água sem qualidade pode constituir-se em foco de contaminação.

Por isso, as autoridades devem esclarecer a toda a população que é indispensável a atenção à limpeza e à qualidade da água a ser oferecida para as vítimas, sob o risco das ações de auxílio se converterem em foco de maiores problemas.

Portanto, o leite em pó apenas será um alimento apropriado se for diluído em água limpa e administrado às crianças por intermédio de recipientes limpos e perfeitamente higienizados."
 
 
 

 

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Amamentação e cultura

No livro de João Aprígio Guerra de Almeida (Amamentação: um híbrido natureza-cultura, infelizmente esgotado) é sinalizado que a prática da amamentação não está dissociada de condicionantes culturais, de quadros políticos ou de diversas outras influências que corroboram para a adesão à perigosa alimentação artificial.

No documento Situação Mundial da Infância, produzido pela UNICEF em 2008, alguns dados ilustram a situação:

1. No Afeganistão, "as mulheres são proibidas de receber cuidados médicos em hospitais, cujas equipes são compostas apenas por homens", devido à norma cultural que restringe o trabalho feminino e impede as mulheres de receber capacitação médica;

2. Em Bangladesh, os costumes hindus e muçulmanos impedem que as mulheres se dirijam a centros de saúde sem a companhia de um homem (p. 20);

3. Na África Meridional, a AIDS é a principal responsável pelas mortes materna, neonatal e infantil;

4. Em Botsuana, "cerca de 1 em cada 4 indivíduos entre 15 e 49 anos está infectado com HIV" e um terço das gestantes são portadoras do vírus, o que determina risco de contaminação para o recém-nascido se ele for amamentado;

5. Na Libéria, antes do conflito que se estendeu de 1989 a 2003, havia água limpa disponível nos grandes centros, mas a guerra destruiu a maioria dos sistemas de abastecimento canalizado (p. 24).

O relatório da UNICEF registra a ocorrência de condicionantes que se interpõem à pratica da amamentação também nos países desenvolvidos, embora por razões bem diversas. Nos EUA a amamentação em público é frequentemente coibida, possivelmente por influência da herança cultural puritana, como ilustram os casos a seguir:

1. Nos salões da Starbuks, em Maryland, a uma mãe que amamentava seu filho lhe foi solicitado que o fizesse no banheiro ou cobrisse a criança com uma manta;

2. Na loja Victoria Secret de Winconsin, ao pedir para amamentar seu filho no provador, uma mãe foi surpreendida com a negação a seu pedido e com a sugestão de que se dirigisse ao banheiro das funcionárias;

3. No Colorado, uma mãe recebeu multa de U$ 50 por amamentar o filho num parque e foi acusada de expor "suas partes genitais numa área pública";

4. Em 2006, uma mulher foi obrigada a se retirar de aeronave da Delta Airlines (obviamente antes da decolagem) porque se recusou a cobrir o seio com o cobertor que os tripulantes sugeriam, acusada de indiscrição (ver informações em http://www.aleitamento.org.br/ e http://www.usatoday.com/ )

Em Vancouver, Canadá, uma mãe foi também proibida de amamentar seu filho em 2008, na loja de roupas H&M, sob o pretexto de que o ato constituía uma obscenidade, uma ofensa aos clientes (http://www.cbc.ca/ ).

Manifestações públicas costumam seguir essas ocorrências, como mostram as fotos.





1.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Muita gente respira pela boca

O bebê que é alimentado por mamadeira, como já dito, precisa elevar a língua ao céu da boca para contrair o bico do produto. Esse movimento é inteiramente diferente da sucção (quando a língua se projeta para fora da boca numa sofisticada dinâmica com o seio materno).

A arcada dentária do bebê, então, se desenvolve diferentemente. A mordida fica aberta, e como não consegue cerrar a boca, a criança passa a respirar por ela (respiradores bucais). O ar chega sujo aos pulmões (pois não pode contar com os filtros capilares do nariz). Isso poderá causar problemas com rinite, otite e no futuro trazer até consequências posturais para a criança.

Não é à toa que se tornaram tão comuns os aparelhos ortodônticos. Existem aparelhos coloridos! Um grande mercado está em plena expansão ...
E essa boquinha aberta, típica dos respiradores bucais, chega a ser aceita como atributo de beleza em crianças e nas suas representações.

Abaixo alguns exemplos da arcada aberta em adolescentes e adultos e algumas imagens de bonecas daquelas que se parecem com bebês de verdade, encontradas na internet.








sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartazes do concurso "Get Britain Breastfeeding"

Por causa da disseminação indiscriminada do uso de leites artificiais e mamadeiras, em 2008, na Inglaterra, um concurso de cartazes foi proposto à Universidade Britânica de Artes e Design, sob o tema Get Britain Breastfeeding (http://www.bbc.co.uk/ - 5 de maio de 2008). O objetivo do concurso foi o de "difundir a ideia de que a amamentação deve se tornar uma regra e não uma exceção", conscientizando os "pais do amanhã".

É importante dizer que no país berço da Revolução Industrial menos de 2% das mães amamentam seus filhos exclusivamente até os seis meses de idade, apesar das políticas de saúde governamentais e da orientação da OMS.





domingo, 2 de janeiro de 2011

Sobre o leite humano

É preciso compreender o processo da lactação e transitar também por dados bioquímicos para entender o que motiva a luta pelo controle da comercialização de fórmulas infantis e de apoio ao resgate da prática da amamentação[1].


98% do leite são produzidos na hora, a partir da sucção. A ocitocina é o hormônio responsável pela contração das células que envolvem os alvéolos no seio e é também “disponibilizada em resposta a estímulos condicionados, tais como visão, cheiro e choro da criança e a fatores de ordem emocional, como motivação, autoconfiança e tranquilidade”. Vale dizer que, ao contrário do que se imagina, a “descida do leite” pode acontecer até o terceiro ou quarto dia após o parto, ou seja, o fato de o leite não verter imediatamente não é sinal de anormalidade.

A continuidade da lactação é viabilizada pela sucção e pelo esvaziamento das mamas. Quando elas não são esvaziadas, pode haver inibição mecânica e química de novas quantidades de leite.

Assim que a criança nasce, a secreção de leite é menor que 100 ml por dia. No quarto dia essa vazão tende a aumentar para 600 ml.

Na amamentação, o volume de leite produzido varia, dependendo do quanto a criança mama e da frequência com que mama. Quanto mais volume de leite e mais vezes a criança mamar, maior será a produção de leite. Uma nutriz que amamenta exclusivamente produz, em média, 800 ml por dia no sexto mês. Em geral, uma nutriz é capaz de produzir mais leite do que a quantidade necessária para o seu bebê.

“O leite humano é muito mais do que uma fonte de nutrientes, é uma substância viva de grande complexidade biológica” (Almeida citado por Novak em curso no IFF, conforme nota 1), constituído por 250 elementos químicos adequados à espécie: energia, proteína, caseína, lipídeos, carboidratos, vitaminas A, D, E, K, C e B 12, tiamina, riboflavina, niacina, piridoxina, folato, cálcio, fósforo, ferro, zinco, água, sódio, cloro e potássio. Para produzir um mililitro de leite, cinco litros de sangue da mãe são escalados.
Tais elementos se organizam em uma emulsão composta por 87% de água e 23% de gordura uniformemente distribuída numa suspensão verdadeira, graças a uma membrana fosfolipoproteica que envolve a gordura, permitindo que ela se misture homogeneamente aos demais elementos. Essa “gordura empacotada” já vem com a enzima necessária à sua dissolução no trato gastrointestinal do bebê. Devido à grande percentagem de água no leite materno, não é necessário administrar quaisquer líquidos complementares à dieta da criança amamentada durante os quatro a seis meses de vida, como reza a orientação da Organização Mundial da Saúde.

Presentes nessa solução estão anticorpos, carboidratos, minerais e vitaminas. No leite humano, os anticorpos são humanos, compondo 30% de caseína (proteína provedora de aminoácidos livres, cálcio e fósforo) e 70% de proteína do soro (lactofeína e imunoglobinas). Essa proporção é diferente no leite de vaca (60% de caseína e 40% de proteína do soro), onde os anticorpos não são humanos. A maior quantidade de proteína no leite de vaca influencia positivamente o aumento de peso da criança que o ingere. Porém, os rins dos bebês não são preparados para receber tal cota extra.

Pode-se dizer que, ao ser amamentado, o bebê recebe como que uma “entrada”, um “prato principal” e uma “sobremesa”. Ou seja, o leite humano do início da mamada é menos gordo, trazendo os fatores de proteção; logo vem a suspensão com proteínas, e, ao final, a emulsão com a gordura — onde está o beta-caroteno (vitamina A) que hidrata o bico do seio, evitando fissuras. Após seis meses de aleitamento, o leite vai ficando mais salgado, preparando o bebê para a alimentação que virá, o chamado desmame bioquímico.
Quando congelado, o leite materno pode durar até 15 dias; se pasteurizado, o prazo se estende para seis meses. A pasteurização visa impedir o desenvolvimento de bactérias, grave problema de qualquer tipo de leite.

Quando nascemos, somos extremamente vulneráveis a infecções. Temos muitos “inimigos” querendo penetrar no nosso organismo e somente um “aliado”: o leite humano. Nos seres humanos, as taxas de anticorpos presentes no sangue são muito altas, e grande parte deles pode ser transmitida pelo leite materno: ao mamar, a criança recebe a experiência imunológica acumulada durante toda a vida de sua mãe. Daí a recomendação da OMS para que o aleitamento comece na primeira hora de vida da criança, visando imunizá-la. Também destoando do saber leigo, não há alimento melhor para prematuros do que o leite materno.





[1] Grande parte das informações deste capítulo foram obtidas na aula do pesquisador Franz Novak, no curso “Amamentação: a relação entre o biológico e o social”. Instituto Fernandes Figueira – IFF, Dezembro de 2008.
[2] Saúde da Criança: nutrição infantil. Cadernos de Atenção Básica. Editora Ministério da Saúde, Brasília-DF, 2009.