sábado, 15 de março de 2014

Uma manhã importante

Ontem acordei cedinho e fui pra Laranjeiras assistir a uma conferência na Maternidade Escola da UFRJ. Há tempos tenho estado tão envolvida pelas obrigações domésticas, familiares e profissionais que o convite do Dr. Marcus Renato para ouvir a uma palestra me parecia tentador.

Mas a Dra. Maria Esther de A. Vilela, coordenadora da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, acabou proporcionando a toda a assistência uma ocasião muito especial, a chance de aprender e refletir sobre questões da maior importância.

Ela é obstetra e sua atuação no governo está ligada ao programa Rede Cegonha.

Vou transcrever aqui, sinteticamente, algumas das anotações que fiz:

1) Diferentemente das outras especialidades médicas, à obstetrícia cabe assistir e cuidar de um fenômeno natural, o nascimento de bebês, algo que simplesmente acontece sem depender de métodos ou da interferência da Medicina para que se realize.

2) Sobre a notícia da diminuição das taxas de mortalidade infantil no Brasil, ela esclareceu que os índices realmente baixaram, mas relativos à mortalidade de crianças de 1 a 4 anos. Bebês prosseguem morrendo.

3) O que vivemos no Brasil é um processo de "medicalização do nascimento", pois 98% dos partos são realizados em hospitais, e 55,7 % são cesarianas - o que ela denominou como uma "epidemia de cesarianas", expondo mulheres ao risco de problemas que apenas se manifestarão no futuro (como problemas uterinos).

4) Comentou com as pessoas presentes (todas da área da saúde), que nossa cultura abriu flanco para o "modelo tecnocrático do parto" em vigor, que inclui procedimentos como a ocitocina sintética (para apressar as contrações) e uma posição de parto antifisiológica. Fiquei muito impressionada ao saber que aquela posição é a pior posição para uma mulher fazer força! Ela defendeu que é necessário permitir à mulher que assuma a posição que lhe pareça a mais adequada na hora do parto.

5) Falou sobre a imensa importância da presença do pai no parto, se referindo a uma expressão (pelo que entendi) conhecida no meio médico: ao invés de maternidade, deveria se chamar "materpaternidade", pois é um desperdício grave evitar e impedir a criação de vínculo entre pai/filho/mãe nesse momento crucial.

6) Apontou que o modelo de atenção ao parto no país se define no oferecimento de duas opções: o parto traumático e a cesariana, dizendo ser necessário dispormos de uma terceira opção. Porque perdemos a capacidade de nos afetarmos enquanto humanos quando delegamos tudo de nossas vidas a serviços e produtos. Nessa hora, eu fiquei muito impactada com as palavras da Dra. Esther. Ela chamou a atenção para o fato de que a dor do parto é uma potência da mulher, um momento em que ela assume sua força para a realização de um grande feito para o qual a natureza a dotou. Ao final de tudo, ela se premia com o bebê, foi uma força e uma dor necessária para a realização do nascimento. Achei muito bacana essa coisa de a dor ser a manifestação da potência da mulher.

7) Pra terminar, ela falou do contato pele-a-pele. O bebê e a mãe precisam se tocar, ao invés de serem apartados como de costume. Além dos efeitos emocionais e afetivos, ela disse que o bebê precisa ser colonizado pelas bactérias da mãe, e não colonizado pelas bactérias dos profissionais de saúde e do ambiente hospitalar. Assim, ele vem todo puro, virgem, e entra em contato com o mundo.´Dose quando esse contato é com coisas hospitalares.

Enfim, foi uma manhã incrível.

E a gente tão cegamente siderado pelo lado material das coisas da vida...

segunda-feira, 10 de março de 2014

Falando de design gráfico

 
Divido com os leitores do blog os portfólios dos colegas (ex-alunos da PUC-Rio) que, sob a supervisão de Vera Bernardes, realizaram o projeto gráfico, a capa e as ilustrações de meu livro "Amamentação e o desdesign da mamadeira".

Foi um trabalho primoroso, e primorosos são, também, os portfólios desses profissionais.

Pedro Palmier é autor do projeto gráfico e do desenvolvimento da capa; Fernando Carvalho concebeu a capa e realizou as ilustrações (o livro está no link 05). Mas vale um passeio mais completo por esses seus portfólios. Projetos incríveis!

www.fernandocarvalhodesign.com
http://cargocollective.com/pedropalmier/Amamentacao-e-o-desdesign-da-mamadeira

domingo, 2 de março de 2014

Impressões sobre a maternidade



Ainda não escrevi aqui sobre minhas impressões da maternidade.
Tudo bem que o assunto do blog são os produtos industriais e suas mazelas, mas o fato é que venho percebendo um fenômeno - já demarcado por muitos estudiosos e observadores, que está fazendo do processo humano de ter filhos uma etapa, digamos, material da vida. Irei explicando aos poucos.

Devido à minha idade - quase 55 anos, me vejo cercada de jovens em fase de decisão sobre a ideia de procriar e isso me motiva a escrever sobre o assunto.

Mas não vou optar pelo discurso romântico. Vou tentar fazer diferente, porque acho que assim posso talvez acrescentar algo ao leitor.

E vou me pautar nas três ideias que mais expressam e sintetizam minha experiência como mãe:

1) ter um filho é como ser abduzido por uma nave espacial, sem chance de volta;
2) a mulher é um túnel que o bebê atravessa para existir;
3) a experiência de ter um filho é impossível de se transmitir.

Vamos então à primeira delas.

1) Minha vida mudou completamente com a maternidade. Tudo o que estava organizado, se bagunçou: a rotina (obviamente), os objetivos, a maneira de encarar o mundo, de se relacionar com as pessoas, com a família, com o marido, com a cidade e os produtos. Não digo que piorou, nem que melhorou, apenas que a perspectiva mudou radicalmente.

As coisas não se apaziguaram à medida que minha filha foi crescendo, não foram voltando ao que eram antes. Eu sei que as coisas mudam mesmo, sempre, mas com um filho elas mudam de um jeito mais diferente ainda, de um modo que nem dá pra explicar. E, forçando um pouco a barra, dá pra organizar tal mudança sob dois títulos: você se enriquece, e a responsabilidade vira um sentido, como a visão, a audição etc.

O enriquecimento é como ganhar uma bolada descomunal na Mega sena, assim, da noite pro dia. Não tem tamanho o amor, não dá pra medir o prazer e a realização de ter um bebê, e tudo acontece sem qualquer burocracia, sem pré-requisito, sem requerimento ou aviso. Chega a assustar, e não dá pra ficar bobeirão, só curtindo os louros porque, por uma mágica louca da natureza, você sofre, e quanto mais você sofre pra cuidar daquela coisinha, mais o seu enriquecimento aumenta, cresce o amor. E bota sofrimento nisso, pelas coisas mais simples e mínimas como uma falta transitória de apetite da criança a um cocô mais mole.

E daí, atordoado com aquele turbilhão de emoções novas, que convidariam a ficar estatelado olhando pro céu, você tem que ser racional como jamais foi, tem que estar atento a tudo e a muito mais do que tudo aquilo a que se ficava atento antes. Cara, aquela coisinha depende de você, depende inteiramente de você.

Tem uma música do Djavan que diz assim:

Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar?
Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar?

Por aí...

O tal do disco voador é impressionante. Mas ele não fez de mim uma mãe perfeita, a melhor mãe do mundo, porque disco voador não serve pra fazer coisas impossíveis. Ele serve pra tirar a gente do chão e nos permitir uma mudança total de cultura que pode se expressar em, por exemplo, encarar a travessia de uma rua com dez vezes mais cuidado que antes; em querer estrangular o vivente que estacionou na calçada, te obrigando a passar com o carrinho do bebê pela rua; em encarar como uma violência sem tamanho o fato de você ter que passar o dia inteiro no trabalho, longe da sua cria. E aqui começo então a tratar da responsabilidade como sentido.

Quando virei mãe, o disco voador me tirou da minha confortável casinha e me lançou num campo aberto e imenso, dizendo: agora você vai ter que se virar, que descobrir como e onde dormir, de que modo respirar, o jeito de saciar a sede e a fome, de se proteger da chuva e do frio, de falar, olhar etc. E nessa coisa toda, se comete um monte de mancadas, de erros que a princípio pareciam ser acertos.

E o choque entre aquela cultura anterior que você tinha e a nova cultura da maternidade fica correndo, o tempo todo, o risco de não ser percebido, de ser até negado. Porque, cara, se tornar mãe é revolucionário, só que nem sempre dá pra admitir isso.

Assim: como abrir mão das coisas que eu fazia antes? Não! Eu vou dar um jeito de ser mãe e conseguir ser igualzinha ao que era, pois não quero me decepcionar, e nem decepcionar ao meu marido, família e amigos. "Hoje tem jeito pra tudo". E, então, o mergulho de cabeça no universo dos produtos e serviços deflagra parte do que vem sendo chamado de "terceirização da infância".

A maternidade nos tira do mundo, mas queremos prosseguir pertencendo a ele.

Produtos e serviços não faltam para nos dar a ilusão de que a maternidade é um evento como qualquer outro, para o qual a indústria -como sempre- poderá contribuir sobremaneira na redução dos impactos dessa revolução. Mamadeiras, chupetas, protetores de seio, bombas tira-leite, babás eletrônicas, babás não eletrônicas (uniformizadas ou não), fraldas descartáveis. correntinha pra chupeta não cair no chão, esterilizadores de mamadeira, sustentadores de mamadeira, creches, papinhas industrializadas, fórmulas lácteas, carrinhos de bebê ... é um sem fim de produtos e serviços pra "facilitar" a sua vida. E ainda arrumar o bebê todo lindinho pra postar nas redes sociais, recursos e incentivos pra emagrecer tudo que engordou na gravidez bem rápido, recursos pra fazer seu filhinho ficar beeeem quietinho no restaurante...

Tudo bem, tem produtos aí em cima que ajudam mesmo, mas o risco de embarcar nessa onda, de transmitir pros produtos as responsabilidades dos pais é grave.

Cá pra nós, minha impressão é que a indústria e o nosso sistema econômico vem fazendo um trabalho realmente eficaz pra transformar nossa experiência de viver em um grande evento comercial e material.

Mas para criar humanos, se lida com cocô, o sofá da sala vai pro brejo com vazamento de xixi, haverá noites em que não se vai dormir, a relação do casal vai bambear, os filhos mais velhos vão fazer agressões mais ou menos graves ao bebê, você vai se sentir horrível e nem terá energia pra reagir a essa sensação, seu filho vai ficar doente umas tantas vezes, você vai ter vontade de desistir umas tantas vezes sabendo que não tem essa opção, não vai poder contar com a ajuda de ninguém umas tantas vezes....

Mas vai crescer, vai prosseguir rica, cada vez mais bilionária, mais viva. Maternidade é um troço bipolar mesmo, e não tem departamento de Marketing que chegue no "X" da questão.

A nave te levou, foi, não volta nunca mais.



2) A mulher é um túnel que o bebê atravessa para existir. Isso é completamente genial, mágico, sensacional.

Assim: tava tudo bem, normal e, de repente, uma pessoa se forma dentro do seu corpo e ganha a vida.

Caraca.

É uma pessoa, não é você, não é sua, não vai atender às suas expectativas, vai contrariar seus planos, vai te enfrentar, vai chegar pra tudo aquilo que você construiu  e dizer que não quer, que pensa diferente. E esse diferente pode ser até igual, mas gritará ser diferente.

Só que ser um túnel é uma coisa sensacional. É um poder que te concede o discernimento de que seu domínio é limitado. Eu acho que túnel é um negócio incrível... ele atravessa a realidade, transforma, forma e não formata.

Daí, aos poucos, você vai conhecendo aquele ser. Terá boas e más surpresas, mas a dádiva nunca irá diminuir. Se sentirá cada vez mais e mais rico, mais e mais vulnerável e fortalecido por todas as fraquezas que, agora sim, aprendeu a reconhecer como forças. É, foi um duro caminho até eu reconhecer que meus super-poderes residem justo na capacidade que adquiri em reconhecer minhas fragilidades.



3) A experiência de ter um filho é algo impossível de se transmitir. É mesmo.

Tudo o que eu disse não adianta de nada. Conversa pra boi dormir. Porque somos diferentes, e essa experiência, pra conhecer, só mesmo vivendo.

Aqui eu expresso meu profundo respeito por aquelas mulheres que decidiram não ter filhos e também por aquelas que o desejaram, muito, e não conseguiram realizar seu intento.

E me declaro mais rica ainda porque me incluo no rol das mulheres que desejavam ardentemente ser mães, que acharam que não conseguiriam mas, por uma virada sensacional e inesperada, conseguiram realizar seu desejo.

Foi e ainda é um milagre diário, daqui, do disco voador.

Desejo àquelas que decidirem por se aventurar uma boa viagem.