segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Mamadeira e tempo lógico




Às vezes a gente só tem a chance de entender as coisas da vida muito tempo depois dos fatos que as propiciaram. Hoje acordei com a lembrança de uma sacação que tive há muitos anos. E como ela está ligada à lida que tive com o desmame de minha filha, conto aqui no blog.

Depois de uma gravidez tensa, devido a um sangramento que tive aos três meses, minha filha nasceu saudável e a amamentação transcorreu maravilhosamente, com fartura de leite, tranquilidade e aquela sensação de plenitude que temos por saber que somos capazas de proporcionar o que há melhor de melhor para o bebê. Eu amei amamentar e esses momentos apagaram toda a barra pesada que vivi durante a gestação.

Só que na época eu não sabia nada do que sei hoje sobre o assunto. Era tudo instintivo. Então, como minha licença-maternidade terminaria quando Adélia completasse 4 meses, por orientação do pediatra eu fui introduzindo a papinha. Sucos e água ela mal aceitava, e a tentativa de lhe dar leite na mamadeira se frustrava, apesar de todas as macaquices que eu e minha mãe fazíamos pra que ela desse uns míseros goles naquela coisa.

Até que chegou o momento fatídico. Eu precisava reassumir meu trabalho - o design gráfico de um livro sobre a hidrelétrica de Itaipu. Centro da cidade, horário integral, com bateção de ponto.

Não queria que meu leite secasse. Meus chefes eram estrangeiros e digo isso pq delego a esse fato sua tendência a aceitar qualquer coisa que eu propusesse em termos de horário, pois viam que minha produtividade só aumentava se essas demandas fossem atendidas. Então pedi um horário maior para o almoço: eu iria em casa, na Fonte da Saudade, para amamentar minha filha, e retornaria ao Centro na parte da tarde.

Eu me lembro que, no Metrô, algumas vezes recebi olhares doces e admirados de seus ocupantes porque, apesar dos protetores que colocava no sutiã, num dado momento o leite vinha e vazava, formando dois círculos em minha camisa. Pra dizer a verdade, foi a única ocasião em toda a minha vida que fui olhada com tamanha ternura (mas fique claro que isso não é uma queixa).

Assim consegui estender a amamentação de Adélia até os 9 meses e meio: pela manhã, ao meio-dia, e durante a noite.

O leite foi secando aos poucos e a mamadeira teve que ser acessada.
Ela não aceitou. Chorava, urrava, um sofrimento. Até que "pegou". Ela mamava, mas vomitava tudo depois.

À noite, eu e meu marido nos acostumamos a deixar um balde no corredor com todo o material de limpeza, pois era líquido e certo que ela, pouco tempo depois de mamar, vomitaria tudo. E pediria mais leite, e novamente tudo se repetiria.

Abnegados, agíamos com paciência e preocupação. Esta última nos levou a aceitar a sugestão do pediatra: dêem leite de soja.

Melhorou. O preparo daquela "coisa" fedia tanto, mas tanto, que por pouco não éramos nós a passar mal. Mas melhorou, com ajuda também da acupuntura.

Muito bem, mas chegamos enfim ao momento da história que permite tratar do "tempo lógico", cujo significado aprendi no período que antecedeu e acompanhou minha gravidez, quando fiz psicanálise lacaniana. O tempo lógico não respeita o relógio, as marcaçõs de tempo que os homens delimitaram. Ele é o tempo de cada um, um tempo que devemos aprender a perceber e respeitar.

Adélia tinha uns 3 ou 4 anos. Estávamos fazendo o lanche da noite. Mesa cheia, com meu marido, meus enteados, a família toda.

Preparei o copo de Toddy da Adélia. Comecei a lanchar também. E eis que ela esbarrou e derrubou o líquido de seu copo na mesa inteira.

Eu fiquei irada. Reagi com uma ferocidade inexplicável, gritando.

Depois de ajeitar as coisas, terminar o lanche e me lavar na pia, pois meus braços haviam sido atingidos por parte daquele leite, me deitei pra dormir.

Então senti aquele cheiro, de leite, e pude compreender: eu me abneguei inúmeras noites, limpando aquela coisa toda quando ela era bebê. Um dia teria que estravazar.

Não me senti culpada pela reação que tive com ela. Mas chorei um bocado, quietinha no meu canto.

Foi o meu tempo.

E com essa narrativa eu não vou fugir à regra: desejo um 2013 legal às pampas pra todo mundo. Só que eu sei que o tempo de cada um não respeita calendários.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um ano bom



A gente sabe que um ano é tempo demais pras coisas, todas, darem certo, ficarem bem. Mesmo assim a tradição é desejar às pessoas e a nós mesmos que isso aconteça. Acho mesmo que, nessa espécie de delírio coletivo do reveillon, as pessoas conscientemente optam por se permitir delirar só um pouquinho, como se fosse um carnaval, uma licença poética.

Bom seria se um ano durasse menos, durasse assim ... um dia. Mais perfeito ainda seria se sua extensão fosse de uma hora. Porque daria tempo dos imprevistos não acontecerem, dos problemas não invadirem a casa pelo telefone ou pela televisão, da nossa plenitude arrefecer.

Ano devia ser sinônimo de momento.

Um ano bom, é o que desejo a todos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Superpoderes


Bom, eu acho que todo mundo tem superpoderes. Somos uma máquina superpoderosa, com funcionamento requintado, de qualidade insuperável. Um sistema que ultrapassa qualquer máquina já pensada. O corpo humano, a capacidade de SER que temos, deixa qualquer nave espacial no chinelo. No chinelo mesmo.

E daí, é claro, também damos defeito. E um deles é uma tendência enorme a delegar às coisas, aos objetos, aos produtos, às máquinas, aquilo que temos capacidade de realizar. Porque esses utensílios "nos poupam". Só que essa "poupança", essa "economia" tem - como tudo na vida - seu lado bom e seu lado ruim.

Uma das coisas que mais me impressionaram até hoje foi a informação de que, com o surgimento do alfabeto, as pessoas foram aos poucos deixando de ter que memorizar informações; que com o advento da imprensa, a oralidade foi perdendo seu papel, sua importância. Sem dúvida o alfabeto e a imprensa alargaram nossas possibilidades perante o conhecimento. Mas deixamos de dispor de nossa memória em todo o seu potencial.

Hoje me espanto ao constatar que perdi grande parte da minha capacidade em fazer contas de cabeça. Mas ainda me salvo, porque a imensa maioria dos meus alunos é incapaz de realizar isso. As coisas, como a calculadora, fazem as coisas por nós.

Que bom que há coisas que fazem coisas por nós.

Que bom quando essas coisas - que fazem as coisas por nós- as fazem bem, as fazem tão bem ou melhor do que nós. Ou mesmo mais agilmente do que nós.

O problema é quando essas mesmas coisas fazem coisas ruins e, por serem coisas (e por elas supostamente sempre fazerem coisas boas por nós), lhes damos o aval de que fazem as coisas muito melhor do que nós.

Não fazem.

E no caso do leite, além de não chegarem nem no dedão do pé, fazem mal.