terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Quem dera!



Não são apenas os produtos tangíveis da indústria que precisam ser periodicamente avaliados pra que se tenha revista a sua adequação ao estágio de conhecimento alcançado, à realidade social etc. Produtos intangíveis da indústria "cultural" também podem fazer um belo dum estrago. Baboseiras ditas para ganhar audiência acabam influenciando as pessoas de uma forma inacreditável e podem demonizar condutas as mais louváveis, num eficaz serviço de desinformação.

Há poucos dias, recebi pelo Facebook a notícia de que Michele Maximino - a maior doadora de leite materno do Brasil, depois de protagonizar uma "simples piada" (segundo o próprio) do humorista Danilo Gentili em programa de TV de 2013, tornou-se alvo do escárnio de muitos e decidiu, junto à sua família, mudar de cidade para tentar um recomeço de vida.

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/02/maior-doadora-de-leite-materno-do-brasil-perde-batalha.html

Fico pensando em como estará se sentindo Michele... Difícil saber.

Mas é fácil imaginar como estarão se sentindo os inúmeros bebês salvos por suas doações. Michele salvou muitas vidas: as vidas dos bebês que se alimentaram com seu leite e de todas as pessoas de suas famílias, ao vê-los não morrer e lutar pelo restabelecimento de suas funções biológicas.

Daí eu me pergunto se essas pessoas não poderiam ajudar a virar esse jogo e, de quebra, contribuir para o esclarecimento dos tantos outros que "embarcaram" na tal piada.

Mas talvez a coisa seja meio assim: tem-se o filho, ele precisa de leite doado, o hospital dá o leite e quem o recebeu visualiza isso como uma coisa institucional, sem ninguém por traz...

Isso pode mudar? Os bancos de leite podem fazer algo a respeito também sobre isso (já fazem tanto, mas será que podem contribuir para que as famílias contempladas com a doação a valorizem?).

Sei que o principal seria chamar à responsabilidade os profissionais que, como Danilo, lançam palavras ao vento que podem ganhar um poder incalculável de disseminação. Que máximo seria se ele voltasse atrás, se dedicasse um de seus programas a rever tudo, devolvendo a Michele a real notoriedade que sempre mereceu...

Olha, presto muita atenção ao que as pessoas dizem porque tudo o que se diz e se faz deixa marcas. Boas ou ruins. E não existe nada que as apague, mas. sim, pode haver algo que as corrija para sua real significação.

Desejo que no ano que se inicia Michele e sua família recebam o devido reconhecimento pelo imenso bem que fizeram a tantos, e recupere a sua paz.







sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Olha, vale a pena tentar!

Pintura da artista norte-americana Anna Rose Bain


Escrevo hoje para sugerir aos leitores que trabalham em empresas privadas que apresentem a seus chefes a ideia de adesão à extensão da Licença Maternidade.

Hoje está em vigor a licença de 4 meses, mas o governo há algum tempo autorizou que o benefício seja estendido para 6 meses.

Para as instituições públicas, a licença de 6 meses é lei, mas as privadas têm liberdade de decidir sobre essa adesão...

O que me motiva a encorajar os leitores do blog é o fato de que isso aconteceu na PUC-Rio. Ontem fiquei sabendo da portaria que informou a todos os setores da Universidade que as mães poderão desfrutar dessa licença estendida, o que me deixou exultante.

E como participei desse processo, reparto aqui com vocês o argumento apresentado para tal mudança, pois ele é realmente eloquente.

A Organização Mundial de Saúde recomenda que os bebês sejam amamentados exclusivamente (sem água, chás ou sucos) pelos 6 primeiros meses de vida. A partir daí a amamentação pode e deve prosseguir junto a outros alimentos até os 2 anos ou mais. 

Os 4 meses, portanto, não são compatíveis com a recomendação do órgão internacional.

É claro que é preciso esclarecer os chefes e o pessoal de Recursos Humanos da empresa sobre os problemas causados por essa cultura industrial que delega à mamadeira e aos leites artificiais a alimentação das crianças. Mas há material farto na internet para documentar isso, aqui no blog mas principalmente em sites como OMS/Unicef, IBFAN, WABA e muitos outros links pra lá de confiáveis. Monta-se uma pasta com algumas dessas matérias e se parte pra uma boa conversa.

Ao se falar sobre o assunto, as pessoas vão se chegando, com sorrisos e muita esperança no olhar. Sobre a importância de zelar pela relação mãe-bebê qualquer pessoa entende :o)

Além disso, considero valiosa a contribuição dada à causa por Papa Francisco, (declarações dele no verão passado) pois independentemente do fator religião ele é um líder internacional de grande reconhecimento. Tem muita coisa bacana pra baixar sobre isso na internet.

Eu estou feliz da vida aqui por esse tão importante caminho ter sido aberto no lugar onde trabalho. Ainda há muito a fazer, como estender também a licença paternidade (que hoje é de 5 dias úteis apenas) e montar uma sala para que as mães que amamentam possam colher seu leite durante o expediente de trabalho (quando retornarem da licença), guardá-lo de maneira refrigerada e levá-lo para seus bebês, pois assim prosseguirão produzindo o melhor alimento que seus filhos podem receber por mais algum tempo. A Anvisa tem um documento sobre isso disponível em pdf.

Nesse mundo maluco, onde um ritmo acelerado nos é imposto pela tecnologia e onde nos horrorizamos com crianças sendo esquecidas em automóveis etc, o reconhecimento de nossas capacidades humanas naturais se faz essencial. Sabemos que nada nem ninguém é dotado a superar a sapiência da natureza.

Eu compus na PUC esse grupo que, devagarinho, foi fazendo tudo acontecer, com Ivone, Mazini, Marisa, Regina, Dr. Álvaro, alguém da Assessoria Jurídica de quem nem fiquei sabendo o nome ainda, os Vice-Reitores Administrativo e Comunitário e nosso Padre Reitor.

Sem dúvida, um valioso presente de Natal! :o)


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

É importante que se diga



Todos sabemos o quanto é prazeroso ver a reação das pessoas a quem trazemos boas notícias, relatos tranquilizadores, surpresas capazes de empolgar.

Quisera pudéssemos sempre ser mensageiros das coisas boas ...

No trabalho de divulgação da minha pesquisa sobre as mamadeiras, ao contrário dessa boa sensação, costumo dizer que "falo aquilo que as pessoas não querem ouvir".

Infelizmente há coisas que precisam ser ditas, mesmo que contrariem totalmente a definição deste primeiro parágrafo do post.

Mas o interessante é que, para alguns, essas "coisas que não se quer ouvir" são "as coisas que, cada vez mais, se quer ouvir". Essas pessoas são aquelas que já sabiam de tudo e que se comprazem ao receber mais pessoas que, como elas, prossigam com o trabalho de dizer essas coisas, pra todo mundo.

Dessa maneira, bem recebida, me senti na semana passada, em Manaus, durante o  XIII Encontro Nacional do Aleitamento Materno.







Em cada conferência que assistia, a cada pergunta lançada da platéia, nas conversas, nos quiosques, nas mesas de refeições, um montão de pessoas, de vários países, que trabalham em prol da imperiosa causa da segurança alimentar infantil. Gente para quem uma pesquisa dedicada a alertar as famílias e profissionais de várias áreas de que a mamadeira é perigosa, representa uma voz a mais, um alívio, um conforto.

Aprendi muitas coisas novas, tive diante de mim figuras importantíssimas que iniciaram toda essa luta, dentre as quais aqueles de quem já me tornei amiga e com quem venho trabalhando em alegre e produtiva colaboração.

Dentre as coisas que aprendi, mais uma coisa importante que eu elencaria dentre as coisas que "preferíamos não saber", é que o Brasil recebeu nota ZERO no quesito "alimentação infantil durante as emergências", o que sinaliza que não "existem políticas e programas adequados para garantir que as mães, bebês e crianças recebam ajuda e proteção adequados para apoiar a alimentação infantil ótima durante as emergências" (Situação da estratégia global para alimentação de lactentes e crianças de primeira infância - Boletim 2014 da World Breastfeeding Trends Initiative).

Em outras palavras, não há qualquer preparo para que, nas situações de emergência que se fazem cada vez mais frequentes no mundo, os brasileiros possam recorrer a práticas seguras de alimentação de bebês e crianças de primeira infância, dentre elas o incentivo à amamentação.

                                                  Palestra de Marcos Arana Cedeño

Quando houve a tragédia de Teresópolis e Friburgo, no Rio de Janeiro, há poucos anos atrás, uma amiga enfermeira me relatou o seguinte caso: ao visitar uma das cidades junto a outros voluntários, ela se deparou com uma mãe desabrigada que alimentava o filho recém nascido com uma mamadeira. Ao ser perguntada sobre o motivo de estar alimentando o bebê daquela forma, a mulher respondeu:

"_ Eu estava amamentando, mas as equipes de ajuda me deram a mamadeira e o leite... entendi então que isso deve ser melhor para o meu filho..."

Daí, recorrendo àquilo que falam as pessoas "que dizem coisas que não queremos ouvir", ressalta-se que, depois de um desastre natural, não há água (para hidratar o leite em pó nem para higienizar com toda a perfeição exigida uma mamadeira) nem mínimas condições sanitárias. Nessas ocasiões, a amamentação é uma benção, e a preocupação que se deve ter é em alimentar e hidratar as mulheres que podem aleitar seus filhos.

Deus proteja o Brasil e prossiga dando energia a esses obstinados ativistas, que com seu trabalho incessante têm salvado muitas vidas.