sábado, 28 de maio de 2016

Números



Ontem, em conversa com uma amiga, nos vimos intrigadas com o poder dos números. Trinta, foram trinta caras que estupraram a menina.

Essa contagem vem sendo feita em vídeos a que assisti então desde cedo no Facebook, representando essa violência superlativa. Mesmo o número um seria abominável.

Não seria: é. No telejornal da manhã ouvi que, no Brasil, a cada 12 minutos acontece um estupro. Numa conta grosseira, 4 por hora x 24 = 96 estupros por dia.

Números ..., números tantas vezes são assustadoramente grandes, mas os abstraímos. Quando se concentram sobre uma só vítima, se revelam para além, muito além da "medonhês" possível. Mas quando esparsos, pulverizados, de alguma maneira se acomodam em seu estatuto de índices.

Mulheres...

Repito aqui a frase retirada do artigo sobre os índices mundiais de amamentação publicada na revista científica The Lancet e citada em meu recente post "Por que amamentar?":

"A melhora nas práticas de amamentação poderia prevenir, a cada ano, as mortes de 823.000 crianças menores de 5 anos e de 20.000 mulheres por câncer de mama". 

Essa criançada toda morre por ano; essas mulheres todas adoecem por ano.

Além de nos colocarmos contra a cultura do estupro, acho que precisamos também nos colocar contra a cultura do consumo, que nos aparta de nossas capacidades naturais e da necessária paciência e cuidado para lidar com elas. A publicidade vai nos seduzindo a acatar os conselhos de indústrias que querem lucrar apelando para o espaço vago de que dispomos por dentro, vago de cuidado, de autoconfiança, de parceria e ajuda entre pessoas conhecidas.

Comprem!, comprem!, nossos produtos são superiores e lhe trarão conforto e independência. Nós garantimos!

Essa cultura do consumo também faz com que a gente tenda a passar batido por outros números, aqueles que revelam a exploração trabalhista dos produtos que consumimos. Pessoas que trabalham 16 horas por dia, encerradas em espaços impenetráveis pela informação, que recebem centavo, ou mesmo fração de centavo, pela confecção de uma peça que nos é oferecida a preços "módicos" pelas grandes marcas.

A gente passa batido por tanta coisa, porque é tanta coisa gritando que não dá nem mais pra ouvir...
E no dia seguinte a gente precisa ter forças pra seguir, afinal.

Seguir
Mas não com trinta,
Não com 96 estupros por dia,
Não com 823 mil crianças mortas por ano,
Não com 20 mil mulheres adoecidas
Não com tantas vidas usurpadas pelo ritmo explorador das grandes corporações,
Nem com devastações de espaços naturais, acabando com o habitat de espécies e utilizando mão de obra infantil,
Tampouco com esse monte de outras coisas de que você se lembrou agora lendo isso.

Nosso mundo... eu queria pegar ele nas mãos, com todo o cuidado, e tratar de suas imensas feridas. Mas eis um trabalho que só se pode fazer em conjunto.

Talvez, se lembrarmos desses números todos os dias e procurarmos dar a nossa marca a cada uma de nossas escolhas e ações diárias, adiante um pouco.

Ao menos seremos muitos.

sábado, 21 de maio de 2016

Uma consideração sobre a indústria de cuidados aos bebês

Encubadoras, França - 1897 . www.neonatology.org


Reproduzo no post de hoje o artigo que apresentei no Encontro Nacional sobre o Bebê, ocorrido na PUC-Rio, em out/nov de 2015.



A cada momento surgem mais produtos que prometem tornar prática e segura a tarefa de cuidar de bebês. Alimentação, higiene, estimulação pedagógica e mobilidade são alguns dos setores do universo infantil para os quais a indústria dedica esforços de projeto, produção, marketing e distribuição, contando muitas vezes com a parceria do Design e alcançando resultados admiráveis de penetração e venda. O presente trabalho se propõe a avaliar criticamente alguns desses produtos, de modo a agregar argumentos para a reflexão sobre hábitos culturais instalados nas práticas cotidianas de cuidado infantil, a partir da análise de seus impactos sobre a sociedade e o meio ambiente.

There is a constant offer of products that promise to make the task of caring for babies safer and more practical. Food, hygiene, educational stimulation and mobility are some of the sectors of the infant universe for which the industry dedicates design, production, marketing and distribution efforts, relying often in a partnership with Design and achieving admirable results of penetration and sales. This paper aims to critically assess some of these products in order to add arguments to elaborate on installed cultural habits in daily practices of child care, based on the analysis of their impacts on society and the environment.

Palavras chave: cultura industrial – produtos infantis – desdesign
Key words: industrial culture – children’s products – un-design



Para introduzir esse artigo, relato o encontro que tive em 2012 com o Dr. Héctor Martinez, pediatra colombiano, membro da equipe[1] que concebeu o Método Mãe-Canguru, mundialmente reconhecido e adotado por salvar a vida de muitos bebês prematuros.
No Instituto Materno Infantil (Bogotá - final da década de 1970), os bebês prematuros e de baixo peso eram colocados em incubadoras, onde recebiam sondas, respiradouros e alimentação com fórmulas lácteas. Poucos sobreviviam. A equipe de pediatras observou que as mães ficavam apartadas dos cuidados aos bebês, apenas podendo vê-los através do vidro da unidade neonatal da instituição. 
Desejosos por alterar aquele quadro, esses médicos decidiram coletar o leite das mães para oferecê-lo às crianças. A ingestão de leite humano, como se esperava, melhorou a capacidade vital dos pacientes e os índices de alta hospitalar subiram. Mais adiante, esses médicos se inquietaram com o fato de que, sob essa nova conduta, as mães ainda permaneciam distantes de seus filhos durante o tratamento. Então, contrariando o protocolo de segurança em vigor em hospitais, a equipe ousou convidar as mulheres a entrarem na UTI para amamentar seus filhos, o que melhorou ainda mais a perspectiva de vida dos pequenos. Por fim, e mais adiante ainda, os pediatras perceberam que, com um eficiente controle ambulatorial, para muitos daqueles bebês a incubadora poderia tornar-se dispensável. Bastava que suas mães os mantivessem permanentemente junto ao seu corpo, levando sua vida normal: o contato pele a pele era mais eficiente para aquecê-los, a batida do coração da mãe ritmava a dos pequenos, o acesso livre à amamentação os alimentava, e o amor da mãe ou do familiar que assim o acolhesse surtiria excelentes efeitos para o seu desenvolvimento.

O método consistiu da retirada de tudo aquilo que se interpunha entre a mãe e o bebê, de tudo aquilo que havia se “naturalizado” como cuidado. Como observa o Dr. Luís Alberto Mussa Tavares:
O colo materno ameaçava todo um marketing construído em torno da infalibilidade das incubadoras modernas e sedimentado, entre outras práticas, pelas famosas exposições públicas de prematuros vivos, eventos que ganharam popularidade na Europa e nos EUA no início do século XX. O programa colombiano Mãe Canguru resistiu, enfrentando todo tipo de ataques e suspeitas (...). Nascia assim, para o mundo, uma nova esperança de cuidado e envolvimento. Pela primeira vez o amor tornava-se uma palavra de uso clínico. A dopamina ganhava um ilustre concorrente. A incubadora, um desafiante à altura (Tavares, 2010: 212-213).
Sob a inspiração desta narrativa, esse artigo convida à consideração de alguns produtos industriais hoje absorvidos nas práticas familiares de cuidados aos bebês. Uma análise crítica desses produtos, desde seus aspectos formais, funcionais e de uso (posto de observação do Design), poderá trazer elementos úteis para a reflexão sobre continuidade e descontinuidade na família, objeto de estudo da Psicologia.

A mamadeira é um utensílio corriqueiro do universo de produtos voltados para o bebê. Sua imagem funciona mesmo como um ícone da primeira infância. Uma grande diversidade de modelos de mamadeira encontra-se disponível no mercado, e toda essa atualidade também se expressa nas fórmulas lácteas. As bonecas vêm acompanhadas por mamadeiras. Conforta-nos a ideia de que, aos poucos, o bebê irá manusear de maneira autônoma sua mamadeira. E como aprendemos a confiar nos fabricantes desses produtos, inseridos que estamos na cultura industrial, acreditamos naquilo que as empresas nos dizem em suas propagandas e sites. A vida é muito agitada, precisamos de soluções práticas e de informação sucinta e direta.

Desafortunadamente, uma pesquisa rápida é capaz de desmentir o parágrafo anterior. Não se questiona aqui o fato de que uma maneira alternativa de alimentar bebês se faz eventualmente necessária e nem se pretende ditar modelos de comportamento a mães e familiares. Apenas demonstrar que um olhar crítico para esse utensílio insuspeito pode desmantelar sua consagração e nos fazer ver a que nível estamos absorvidos pelo hábito de confiar nos produtos.

A primeira mamadeira industrial surgiu na Inglaterra, nos anos de 1880[2]. Um vasilhame de vidro, tampado por uma rolha atravessada por um fino cano de metal, permitia que as crianças se alimentassem com independência, desde que sentadas. Naquela fase, de cada dez bebês que a utilizaram, apenas dois ultrapassaram os dois anos de vida. O problema mais flagrante era que esse cano, de tão fino, se revelava impossível de limpar.


Em 1939, a Dra. Cicely Williams apresentou artigo em evento científico sob o título “Leite e homicídios”, no qual responsabilizava o uso de leites artificiais em mamadeiras pelas altas taxas de mortalidade infantil. Vários outros estudos se seguiram até que, no início dos anos de 1970, a organização caritativa britânica War on Want (cuja tarefa era arrecadar donativos para as populações mais pobres do mundo) decidiu investigar o caso, enviando o jornalista Mike Muller para as localidades agraciadas pela organização. Em 1974 foi publicado o relatório “The baby killer”, que denunciava as estratégias das indústrias de leites artificiais e mamadeiras nos países do então chamado “Terceiro Mundo”, causadoras do desmame precoce, adoecimento e morte de crianças.


Em 1979, sob o impacto deste relatório, operou-se uma mudança de paradigma: o consenso científico internacional passou a reconhecer a superioridade do leite materno. Hoje, capitaneados pela Organização Mundial da Saúde, 168 países são signatários do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (1981), e estão comprometidos a apoiar, proteger e promover a amamentação, contra as incursões da indústria. A IBFAN[3] é a rede internacional de monitoramento do código, e a WABA[4], fundada em 1991, é a organização “guarda-chuva” que abriga as diversas iniciativas em prol do aleitamento, além de estabelecer as diretrizes para a comemoração anual da Semana Mundial do Aleitamento Materno.

O fato é que, independentemente do poder econômico ou do nível de escolaridade das famílias, a chegada de um bebê muda rotinas e pressupõe imprevistos. Para garantir que as bactérias do leite não se proliferem, as mamadeiras exigiriam sempre limpeza perfeita, além de água pura para hidratar o leite em pó. A mamadeira, porém, é composta de várias partes, conectadas por roscas que constituem o ambiente ideal para a proliferação dessas bactérias. Além disso, por mais que os fabricantes sofistiquem a sua forma, procurando aparentá-la ao seio materno, a mamadeira exige que o bebê deixe de projetar a língua para fora da boca (movimento inicial do processo de sucção, reflexo neurológico instintivo) e a eleve até o céu da boca, de modo a conter periodicamente a vazão de alimento para poder respirar. Tal alteração terá grandes chances de atrapalhar o desenvolvimento natural de sua arcada dentária (provocando a mordida aberta, que futuramente dependerá de aparelhos ortodônticos para a sua correção), gerando reflexos no sistema respiratório (respiração bucal, conduzindo o ar frio e impuro aos pulmões)[5].

Sob a influência da cultura industrial, nos distanciamos cada vez mais do conhecimento acerca dos sistemas naturais que ensejaram os produtos que consumimos. Produzido na hora, o leite humano é reconhecido como o “melhor alimento do mundo” tal a complexidade de sua composição e riqueza em anticorpos. Absorvido com facilidade pelo organismo em formação do bebê (a proteína do leite de vaca é estranha ao organismo humano, exigindo muito mais esforço para a digestão), o leite e o seio maternos dispensam embalagens, rótulos, transporte, medição, esterilização, descarte e já contém toda a água necessária à hidratação do bebê pelos seis primeiros meses de vida, desde que oferecidos em livre-demanda.

A atuação dos profissionais de saúde comprometidos com a transmissão desses conhecimentos depara com a força da cultura industrial instalada e reforçada pelo poder da indústria. Surge daí uma polarização entre a defesa da prática da amamentação e a adesão à continuidade de um padrão de consumo herdado de gerações anteriores. Os dados da OMS/Unicef, embora disponíveis, são suplantados pelo discurso promocional de marcas produtoras da alimentação artificial[6].


As chupetas provocam impacto fisiológico análogo ao das mamadeiras. Faz parte da experiência comum a todos aquela cena em que, ao oferecermos pela primeira vez o produto aos bebês, eles o rejeitam. Isso acontece porque o movimento natural de sucção, como já dito, projeta a língua para fora da boca.  Caso o bebê “pegue” a chupeta, aprendendo a retê-la por intermédio de novos movimentos de língua, isto acarretará um fenômeno denominado “confusão de bicos”, causa de desmame precoce de bebês.


Como a mamadeira, a chupeta também é símbolo de infância, acessório de bonecas, e constitui um recurso consagrado para acalmar crianças. Disponível em muitos modelos, o produto recentemente foi alvo de alarme público devido à sua customização com cristais e paetês, uma vez que as peças podem se soltar e provocar “grave sufocamento e engasgo, que inclusive pode levar a óbito”[7]. Independentemente dos riscos causados pelos enfeites, o uso da chupeta também conduz à formação futura de clientes para aparelhos ortodônticos.






Derivativos formais das chupetas, os alimentadores surgiram recentemente no mercado de cuidados industriais infantis. Destinam-se a facilitar o processo de introdução de novos alimentos na dieta das crianças. São como chupetas grandes, nas quais podem ser introduzidos pedaços de frutas etc. Abocanhando o grande bico de silicone, as crianças têm acesso ao seu conteúdo já macerado, liberado pelos orifícios. O contato com o gosto original dos alimentos, sua consistência e aparência é assim substituído pelo sorver de uma “papa”, antecedido pela textura da matéria plástica.



Voltando a atenção para os produtos de higiene infantil, chegamos à fralda descartável. Até que ela surgisse como solução para conter os excrementos dos bebês[8], a fralda de pano era o recurso empregado pelas famílias. Uma existência tão recente dos modelos descartáveis (no Brasil desde os anos de 1980), contraposta aos milênios que os antecederam, forneceu tal nível de conforto e praticidade às pessoas que a ideia de abrir mão de seu uso já se tornou inaceitável para muitos.

Numa conta aproximada, um bebê utiliza cerca de seis fraldas por dia nos seus dois primeiros meses de vida, ou seja, 360 unidades. Até que complete um ano, imaginaremos que utilizará quatro por dia (as fraldas cada vez mais suportam a umidade acumulada): esse total será de 1080. Até que complete dois anos, será possível reduzir ainda mais esse uso, digamos para duas unidades diárias: 730 unidades. E a praticidade oferecida pelo produto possivelmente conduzirá ao seu uso eventual por mais um ano, considerando passeios e outras situações especiais: 130 fraldas. O total dessa conta ´é de 2.300 fraldas, por bebê[9].

Além do volume de lixo, real, os branqueadores empregados na confecção dessas fraldas são nocivos à saúde. Eles acabam por atingir os lençóis freáticos ao serem depositados em aterros sanitários; o plástico e demais materiais que compõem o produto podem também causar alergias e assaduras nas crianças.



O berço portátil finaliza essa lista de produtos voltados ao cuidado infantil. De grande utilidade em viagens, leve e desmontável, tem sido incluído em muitas listas de enxoval.


No primeiro semestre de 2015, porém, o berço “Nanna”, da Burigotto (modelo certificado pelo Inmetro), ocasionou a morte de um bebê de seis meses por asfixia, em Minas Gerais. A criança, ao se mexer, posicionou a cabeça no vão entre o colchão e as laterais e extremidades do berço. O material que forra a estrutura, sem trama, não permitiu a passagem de ar. A empresa fez então uma chamada de recall para 252 mil berços e o produto foi retirado do mercado[10]. Meses antes, por pouco outro bebê não precipitou tal medida, sobrevivendo após momentos em que se manteve desacordado[11]. Seus pais se queixaram à indústria, mas apenas a morte de uma criança fez com que a medida de recall fosse tomada.



Confiamos nos produtos industriais. Mas não deveríamos fazê-lo tão cegamente.

Acreditamos naquilo que a publicidade nos diz. Deixamo-nos seduzir pela proposta dos produtos, que tanto corresponde às demandas de nosso dia a dia. Mas, ao contrário do que imaginamos, o produto industrial pode ter defeitos de produção e mesmo de projeto.

As certificações de qualidade e segurança têm o intuito de proteger o consumidor, mas elas não são infalíveis, pois seria impraticável testar todos os produtos fabricados, um a um. O que acontece na prática é a verificação de alguns exemplares dos lotes. Há também uma realidade de mercado que inviabiliza a proibição de alguns produtos, garantindo sua comercialização desde que o fabricante alerte sobre seus riscos na embalagem ou em bulas (que nem sempre são merecedoras da atenção de quem os utiliza). E as marcas, as mais confiáveis, volta e meia nos surpreendem com recalls de produtos que vão de automóveis a brinquedos[12].

Nesse cenário, apresenta-se também como função do Design dirigir um olhar crítico à produção industrial, reavaliando produtos que se consagraram pelo uso, mas que podem causar mal aos seus usuários para, com isso, alertar o público sobre a necessidade de também ele avaliar criticamente suas escolhas.

O universo produtivo da indústria de cuidados aos bebês constitui um caso eloquente da necessidade do Desdesign. Termo cunhado por Victor Papanek nos anos de 1970, Desdesign é a ação de desconstruir soluções projetuais instaladas na cultura, com vistas a checar sua eficiência e adequação a partir da observação de seu uso, equalizando-as ao estágio alcançado pelo saber científico.

A mamadeira pode ser considerada um objeto-símbolo desse descompasso, afeita ao Desdesign por preservar-se em franca ascendência como item de consumo, apesar dos graves problemas e impactos que pode provocar. Segundo Constanza Vallenas, especialista da OMS, “se o índice de aleitamento materno nos seis primeiros meses de vida chegasse a 90%, seria possível evitar cerca de 13% dos dez milhões de mortes anuais de crianças menores de 5 anos”, ou 1,3 milhões de vidas[13].

A Metodologia Mãe-Canguru é exemplar na comprovação de que os aparatos que se interpõem às relações humanas podem ser dispensáveis. A mamadeira não é insubstituível no caso de necessidade de um utensilio alternativo para a alimentação de bebês: o copo ou a colher respeitam a fisiologia da criança e são utensílios muito mais fáceis de higienizar. Chupetas não precisam ser apresentadas aos bebês, e nada melhor do que o contato direto com os novos alimentos ao invés da mediação dos alimentadores. Fraldas de pano em modelos inteligentes, inspirados nas inovações tecnológicas dos modelos descartáveis, estão disponíveis em todo o mundo. Uma caminha no chão ou um cercado de travesseiros podem resolver os pernoites do bebê fora de casa.

O pediatra Carlos González sinaliza que a cultura industrial, com toda a sua intensidade, não gerou mutações no organismo humano: “Até mesmo quando são benéficas, as mudanças culturais podem entrar em choque com características físicas ou de comportamento que são fruto da herança genética, e que não podem mudar da noite para o dia” (González, 2015: 39). Nossa natureza vem sendo formatada pela cultura a acatar -muitas vezes como “próteses”- tantos utensílios mediadores para o cuidado com as crianças. Que o sortimento desses produtos não nos distancie daquilo que somos capacitados a oferecer aos bebês: a proximidade, o alimento que lhes fará bem, uma vida menos instrumentalizada e mais saudável.


Referências bibliográficas
González, Carlos. Bésame mucho. São Paulo: Editora Timo, 2015.
Nunes, Cristine Nogueira. Amamentação e o desdesign da mamadeira. Rio de Janeiro e São Paulo: Editora PUC e Editora Reflexão, 2013.
Papanek, Víctor. Diseñar para el mundo real. Madrid: H.Blume Ediciones, 1977.
Tavares, Luís Alberto M. A mãe canguru e o cuidado com o recém-nascido pré-termo: amor, calor e leite materno. In Amamentação – bases científicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010 – p.211 -220.



[1] Idealizado pelo Dr. Edgar Rey Sanabria e desenvolvido por Dr. Héctor Martinez Gómez, agraciados em 1991 com o “Prêmio Sasakawa para la Salud”, pela OMS.
[2] https://nourishingdeath.wordpress.com/2013/08/15/murder-bottles/
[3] International Babyfood Action Network
[4] World Alliance for Breastfeeding Action
[5] Os modelos de mamadeira “BPA Free” são confeccionados em plásticos que não liberam o polímero, mas conservam todos os demais problemas listados.
[6] A NBCAL (Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e protetores de Mamilo) estabelece a obrigatoriedade de avisos de advertência nas embalagens e propagandas desses produtos, mas eles são superados pelo projeto visual das peças ou dispõem de fração de tempo mínima em filmes promocionais.
[7] http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/inmetro-proibe-chupetas-mamadeiras-customizadas-17781362?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
[8] https://fraldadepano.wordpress.com/2008/01/03/a-historia-da-fralda-descartavel/
[9] Vale sinalizar que as meninas terão cerca de 40 anos de vida fértil, consumindo aproximadamente 10 absorventes higiênicos descartáveis por mês, o que totalizará 4.800 unidades, por menina.
[10] http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/burigotto-faz-recall-de-252-mil-bercos-apos-alerta-de-risco-de-asfixia.html
[11] Vídeo em http://entretenimento.r7.com/programa-da-tarde/videos/patrulha-mostra-as-falhas-de-berco-em-que-bebe-morreu-asfixiada-05062015
[12] A indústria automotiva é campeã mundial de chamadas de recall, e a Mattel já foi responsabilizada, em 2007, pela presença de imãs na boneca Polly Pocket (que em par se encontravam no organismo de crianças provocando perfuração intestinal) e presença de chumbo em tintas de acabamento de vários produtos. http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL87766-9356,00-MATTEL+FAZ+RECALL+DE+MIL+BRINQUEDOS+NO+BRASIL.html

domingo, 15 de maio de 2016

Boas novas!



Dedico o post de hoje a propagar duas ótimas novidades. A primeira delas é o documentário "O começo da vida", dirigido por Estela Renner, que estreou no início de maio.

Aos poucos a vida dos bebês (Bebês, 2010), o nascimento (O renascimento do parto, 2013), e o problema da alimentação das crianças (Muito além do peso, 2012) tornam-se temas de importantes produções cinematográficas, constituindo fontes relevantes de conhecimento para todos nós, numa época em que a valiosa e milenar troca de experiências se faz, por força da tecnologia e da cultura do consumo, um raro artigo.

O documentário em questão faz um rico levantamento de detalhes sobre os quais nos desacostumamos a refletir. E penso que a abordagem ampla, internacional dos depoimentos de pesquisadores e famílias, eleva o tema a um status merecido: precisamos, todos, pensar sobre isso.

Veja o trailer aqui.




A outra grande notícia é o lançamento do aplicativo Aleitamento para android. Antes apenas disponível para IPhone, ele agora está capacitado a alcançar um público muito maior.

Leia detalhes e assista a vídeo sobre esta tão valiosa iniciativa.

Uma ótima semana a todos.

domingo, 8 de maio de 2016

Providenciando o dia seguinte

Menina ainda, eu decretava: não quero ser como minha mãe, que dedica a vida a proporcionar aos filhos o dia seguinte. Acordando as crianças, pondo o café, levando na escola, arrumando o almoço, passando os uniformes, mandando as crianças escovarem os dentes...

Enquanto isso, meu pai se arrumava todo, saía cedo naquele terno impecável e só retornava à tardinha, cansado e cheio de exigências à minha mãe e também a nós, filhos.

Eu não tinha ali um exemplo pra me espelhar... não me via frente ao fogão e àquele sacrifício todo de minha mãe pela família. E nem como ele, todo profissional e muitas vezes arrogante conosco.

Custei muitos anos a trajar um vestido; a roupa mais simples do mundo foi meu figurino por toda a juventude: calça de brim, camiseta branca e tênis. Quem era eu? Sei lá..., e me enfurnei naquele monte de livros que traziam algum descanso pra minha pergunta, alguma perspectiva.

Estive distante do blog porque meu pai morreu. Minha mãe havia morrido há quase um ano e me ocupei em preocupações e alguns cuidados ao meu pai, que decaiu dois dias depois da ida dela. Quando ele se foi, há poucos dias, é que realmente senti que nenhum dos dois está mais aqui. A cabeça pira, viu? Mesmo eles sendo bem idosos, mesmo sendo um alívio vê-los parando de tanto sofrer com as doenças que enfrentaram, a vida escorrendo de seus corpos.

A cabeça pira, e as fichas vão caindo, uma a uma, até sei lá quando.

Mas como hoje é Dia das Mães - uma data que nunca comemorei, por seu sentido comercial- utilizo esse espaço pra dizer que providenciar o dia seguinte da família é uma das mais nobres tarefas a que uma pessoa pode se dedicar, uma demonstração do valor que se dá à vida daqueles que não somos nós, uma marca que fica pra sempre naqueles que disso usufruíram. Mesmo que não percebam de pronto.

Nesse mundo tão maluco que a gente vive, expresso aqui meu profundo respeito a todas as ações de cuidado, de respeito, de atenção aos outros. E isso se realiza a cada instante da vida de mulheres e homens, com ou sem filhos, antes mesmo de tê-los projetado, mesmo depois de já tê-los perdido, e mesmo sem tê-los cogitado ou não os ter podido realizar por qualquer motivo.

Que esse dia sirva pra gente se aproximar daquilo que somos, sem panelas, sem ternos, sem vestidos: nus.

Aos meus pais, meu agradecimento pelo ingresso nessa grande aventura e minha compreensão pelo sentido de nossa história.

A vocês, todo o meu respeito.