domingo, 13 de dezembro de 2020

Leite de peito e leite de lata


Os índices de amamentação cresceram no Brasil, mas a indústria de fórmulas lácteas prossegue sofisticando suas estratégias para poder continuar lucrando. Duas recentes matérias nos trazem informações importantes. 

A primeira delas, publicada pela Radis (Fiocruz) em 4 de dezembro, divulga os resultados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, empreendido pela Fundação, UFRJ, UERJ e UFF, em parceria com universidades e instituições públicas de todo o país. O estudo surge 14 anos depois do último levantamento realizado sobre o assunto e demonstra que o aleitamento materno exclusivo para bebês menores de seis meses subiu de 37,1%  para 45,7%. Outro indicador, esse bem mais expressivo, aponta que o aleitamento materno exclusivo até os quatro meses subiu de 4,7% em 1986 para 60% em 2019.

Tais resultados se devem a muitos fatores, dentre eles o programa de extensão da licença maternidade de quatro para seis meses, a expansão daos Bancos de Leite Humano, a certificação de Hospitais Amigos da Criança, os efeitos da atenção primária em saúde e a institucionalização da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes, Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL). Pode-se acrescentar aqui o permanente e apaixonado trabalho da sociedade civil: os grupos de mães, o trabalho das doulas, dos obstetras, enfermeiros e pediatras comprometidos em proporcionar um início auspicioso para as crianças e suas famílias, e tantas outras iniciativas que eu nem saberia enumerar.

Imagino que um levantamento desses seja de realização bem mais complexa do que as de pesquisas de opinião para eleições, ou as de nível de popularidade de governantes, mas um hiato de 14 anos para verificar um quadro de tamanha importância é demais! Eu me lembro do alívio e alegria que os integrantes do grande comitê organizador (do qual eu fazia parte) do Encontro Nacional de Amamentação (ENAM 2019) -que agregou também a convenção mundial sobre o tema- expressaram ao saber que o Estudo havia sido autorizado. Tudo nesse campo parece ser resultado de muita luta.

Depois de quatro dias, foi publicada no site O Joio e o Trigo a matéria Pesquisa do Joio com mães confirma pressão para substituir leite materno e muita influência da indústria. Daí eu penso em como a luta é difícil ..., e continuará a ser ... e no quanto são valiosas as notícias divulgadas no Estudo do primeiro artigo que citei aqui. Pra dizer a verdade, eu sei -a cada dia, de cada vez mais mães que amamentam. Os jovens estão, sem dúvida, cada vez mais bem informados. É importante que estejam, porque a indústria é poderosa e não age sozinha, como atesta a matéria:

"Na pesquisa do Joio, realizada entre 14 e 21 de outubro, mais da metade das mulheres relatou ter sido desestimulada a amamentar por um profissional de saúde. Quase 75% recebeu a recomendação médica de usar a fórmula infantil e 42% declarou ter usado o produto antes da criança completar seis meses de idade, período em que o ideal é a amamentação exclusiva. Nestlé e Danone estão na dianteira das marcas mais utilizadas".

Então a gente percebe o sentido da palavra LUTA, porque mesmo decididas a amamentar, as mulheres são desestimuladas a fazê-lo, e por ninguém menos do que aqueles profissionais que teriam que compreender sua vulnerabilidade e incentivá-las a realizar o que tão bem haviam planejado fazer.

Eu sou designer e sempre me encantou o potencial da indústria e seus processos. Mas isso, gente, é crime.; a ganância pelo lucro auxiliada pelo marketing é inominável. Porque como diz o cartaz da WABA (World Alliance for Breastfeeding Action) de 2007 para a Semana Mundial de Aleitamento Materno que ilustra esse post, bebês morrem.





sábado, 14 de novembro de 2020

Boneca espanhola que mama no peito saiu de linha


Recentemente tive a notícia de que o Bebé Glutón - primeira e única boneca industrial que simula mamar no peito - saiu de linha. Já falei bastante sobre ela aqui no blog. Assista ao video de demonstração

Lançada em 2019 pela fábrica de brinquedos espanhola Berjuan, foi concebida com o apoio da União Européia no intuito de contribuir para a mudança nas baixas taxas de aleitamento verificadas naquele continente. Recebida com surpresa pelo mercado de brinquedos e pelo público, causou controvérsias mas também foi premiada: quanta ousadia interferir em um mundo em que todas as bonecas tomam mamadeiras! 

Quando eu soube da novidade, quase não acreditei, mas tive a chance de visitar a fábrica em uma viagem e ouvi de seus proprietários/criadores que o sistema de funcionamento da boneca é simples. Movida à pilha, a aproximação da boca da boneca aos sensores presentes na blusa a ser vestida por quem com ela brinca, promove a "mágica". E fiquei boba de pensar na força do lobby pró mamadeiras e leites artificiais que há de ter bloqueado essa criação por tanto tempo, fazendo com que a gente pensasse ser impossível uma boneca mamaer no peito. 

Bom, o fato é que a cultura da mamadeira parece estar vencendo também essa batalha. A inovadora fábrica, protagonista de outros lançamentos revolucionários no setor (como a boneca careca com quem as crianças em tratamento contra o câncer podem se identificar e cujas vendas revertem em apoio aos hospitais que as tratam), tirou o Bebé Glutón de linha e exibe em seu catálogo ainda mais modelos munidos de chupetas e mamadeiras. 

Vale dizer, também, que a indústria não conseguiu exportar o brinquedo para o Brasil quando de seu lançamento. Provavelmente porque, além de poder atrapalhar a cultura do desmame precoce, nossa produção industrial nesse setor foi gravemente afetada pelas importações de produtos chineses e seus preços competitivos há muitos anos. 

Fica a tristeza ao constatar mais essa demonstração de força daqueles que ludibriam a população ao dizer que seus leites são iguais ou até superam a qualidade do leite humano, mas também a certeza de que uma boneca pode mamar no peito, além da esperança de que ela um dia volte a ser fabricada e comercializada.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Mulheres + amamentação + arte


 

Neste sábado, 19 de setembro, estarei conversando com essas mulheres (todas ativistas da amamentação, cada qual na sua área), a convite do Dr. Moisés Chencinski.

Todo mundo convidado!

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Desenho Mãe Canguru premiado

Feliz por meu desenho, criado como símbolo comemorativo dos 40 Anos do Método Mãe Canguru, em homenagem ao precioso método criado pelo pediatra colombiano Dr. Hector Martinez, ter sido selecionado e premiado pelo 2020 Breastfeeding Art Contest Team, promovido pela LA LECHE LEAGUE ASIA.

A iniciativa do concurso foi a montagem de um banco de imagens a serem aplicadas a materiais de promoção à amamentação. Muitos trabalhos foram premiados.

Para mim é um luxo poder fazer parte desta seleção e poder servir também dessa forma à causa que me move há tantos anos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A aula live na PUC


Encerrando o Agosto Dourado, fui convidada para participar da disciplina Questões em Design, ministrada por Daniel Malaguti, apresentando minha pesquisa na aula live O desdesign da mamadeira como questão de design, A ideia e a produção são da Editora Puc-Rio onde o livro está publicado.

Ao assistir a gravação, concluí que trata-se da apresentação mais informal que fiz até hoje, o que me alegra.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Aula live aberta sobre "O Desdesign da mamadeira"


É com muita alegria que convido os interessados a assistirem a uma aula que darei para os alunos de Design da PUC-Rio sobre a minha pesquisa.

A seguir, as instruções para inscrição:


Editora PUC-Rio convida para Aula-Live do professor Daniel Malaguti com a professora Cristine Nogueira, através do Zoom.

Quando: 31 ago 2020 02:30 PM São Paulo
Inscreva-se antecipadamente para esta reunião:
Após a inscrição, você receberá um e-mail de confirmação contendo informações sobre como entrar na reunião.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Tempo de lives: mais uma!


Compartilho agora a Live com a enfermeira Ana Paula Freire, realizada ontem, dia 6 de agosto.

Mais uma vez uma conversa informal tratando, porém, de assuntos importantes nessa Semana Mundial da Amamentação.

O legal é que tivemos a oportunidade de tocar em pontos que considero essenciais, como por exemplo a relação ilusória que mantemos com a produção industrial.




quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Uma live de ação na Semana Mundial de Aleitamento Materno

Estamos todos em polvorosa, promovendo este tão importante assunto nessa semana que mundialmente
chama a atenção de todos para a importância da amamentação.

Fui convidada pela enfermeira Ana Paula Freire para conversarmos sobre esse produto insuspeito que se "naturalizou" como símbolo de infância, mas que é um dos maiores responsáveis pelo desmame precoce.

Estão todos convidados!


aula

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Uma boa conversa



Ainda não usávamos máscaras ou álcool em gel, mas quando Malu e sua colega de projeto entraram aqui em casa, não teve beijinho e mantivemos distância protocolar. Era março desse ano e Malu estava no inicio da gravidez. 

Elas não sabiam ainda o que fariam, mas o tema geral era relacionado à reprodução humana, e como eu vivo falando sobre a minha tese e assuntos vizinhos, as meninas pediram pra me ouvir um pouco. 

Acho que conversamos por quase duas horas, e saí mostrando livros, produtos, sugerindo bibliografia, porque é muito, muito legal quando há interesse de pessoas sobre aquilo que você tanto estudou e ainda mais quando sabe, sabe mesmo, da importância das pessoas adquirirem esse conhecimento também. Falei mal da mamadeira (minha especialidade), sugeri filmes, contei do Método Mãe-Canguru, comentei sobre o copinho, sobre prematuridade. Foi uma boa conversa.

Daí veio a quarentena e eu não soube mais das meninas. Como será que andaria aquele projeto?

Até que na semana passada recebo a seguinte mensagem:


Olá professora, boa tarde

venho lhe escrever para contar a novidade de que nosso bebê nasceu e está em nossos braços com saúde! 

também gostaria de aproveitar para agradecer pela nossa conversa no início do ano, quando me deu um livro de poemas para bebês prematuros ... [ livro de Luis Tavares] Nosso Oliver veio prematuro de 8 meses, e o livro me trouxe conforto nos momentos difíceis 🧡 

agora nós estamos bem, mamando muito e sem mamadeira e nem fórmula! Graças a tudo que aprendi com você, meu bebê bebe o meu próprio leite e, quando necessário, no copinho! Além de estarmos usando o método mãe-canguru! Tudo que aprendi beneficiou essa nova vida, isso não é lindo?

Obrigada pelo seu trabalho, continue sempre! 

Grande abraço, da sua aluna

Malu.





Que alegria, que alegria imensa.

Continuarei sempre, Malu, porque tenho a felicidade de ter encontrado um trabalho assim, que envolve tantos fatos graves, injustiças e preocupações imensas que precisam ser úteis para que a gente valorize e reverencie a natureza. Obrigada, muitas coisas boas para essa linda familia.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Live

Compartilho a gravação da live anunciada no post anterior com os leitores do blog.

Acesse o link para assistir.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Tempo de lives



Estamos restritos às nossas casas mas, quase que magicamente, podendo ir a qualquer lugar e conversar ao vivo com gente que raramente encontrávamos por causa da distância geográfica e, de quebra, podendo interagir com muita gente.

Por isso convido a quem de voces esteja livre no horário e tenha interesse, a participar da live que faremos na quarta-feira à tarde, eu e Cleia Barbosa - nutricionista e pedagoga de Ouro Preto, quando falaremos sobre a minha pesquisa, ou seja, falaremos mal das mamadeiras.

Eu tenho aproveitado bem essa fase:
- fiz o curso Conhecimentos básicos em amamentação para avós, com a Val (ver detalhes abaixo), enfermeira gaucha;
- participei como palestrante do Seminário de preparação para a Semana Mundial de Aleitamento Materno, organizado pelo pediatra Marcus Renato de Carvalho;
- e também da live que publiquei aqui no post anterior.

O importante é que a gente se ocupe com aquilo que nos motiva.

Espero que todos estejam bem.


CURSO ON LINE – plataforma ZOOM*
*Público Alvo*: Pessoas leigas (avós e demais interessadas em apoiar mulheres na Amamentação)
Turma II: 5 horas/aula; das 17 às 18h - dias 3, 5, 7, 10, 12 e 14/08 (segundas, quartas e sextas). As aulas serão gravadas e ficarão disponíveis até 31 de Agosto. Será formado um chat no WhatsApp para tirar dúvidas e compartilhar vivências do inicio do curso até o final do mês de agosto/2020.
Investimento: R$ 45,00
Inscrições: ATÉ 1° DE AGOSTO (ou até completarem as vagas!) pelo e-mail amamentartmj@gmail.com ou WhatsApp (54) 99998-7080


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Voltando ao assunto em uma live





Depois de alguns meses, retorno ao blog para compartilhar com vocês uma conversa que tive com Ethel Leon e Frederico Duarte sobre a minha pesquisa.

Foi muito especial essa oportunidade de levar o assunto às pessoas da minha área - o design - pois a desconstrução que faço das mamadeiras nem sempre me permite adentrar em alguns fóruns (iconoclastia?).

Ao acessar o link Desmontar o sistema de consumo, recomendo que o vídeo seja iniciado aos 16 minutos. A leitura dos comentários surpresos dos participantes revela o quanto se faz necessário divulgar o assunto.

Peço desculpas pela longa ausência aqui. Estou feliz por estar de volta, desejando saúde e paz para todos e cheia de coisas pra contar.



Ethel, a anfitriã, atualmente é minha professora de História do Design em um curso que tem contribuído para a manutenção do meu interesse pelos estudos nessa pandemia, me proporcionando momentos em que mergulho com tudo nesse assunto que me é tão caro. Ela é historiadora, foi editora da revista eletrônica Agitprop (para a qual resenhou meu livro) e é autora de livros muito expressivos para a nossa área. Frederico Duarte é crítico e curador de design e soube do meu livro por Ethel, selecionando-o para uma exposição de design brasileiro em Lisboa, em 2017, de projetos de design "fora da curva", da qual muito me orgulho de ter participado.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Casas grávidas


Niki de Saint Phalle, 1966


As casas estão grávidas
Guardam gente dentro de seus cômodos
                                                     Gente que quer sair,
                                        que já conhecia o "lá fora"

Elas são um lugar pra esperar 
Esperar
Esperar

No mundo inteiro as casas estão grávidas grávidas estão grávidas no mundo inteiro elas estão grávidas

segunda-feira, 16 de março de 2020

Beijos e abraços antes do Corona vírus



Poucos dias antes de entrarmos nessa verdadeira loucura de enfrentamento do Corona vírus, nesse confinamento em que estamos (sabe-se lá até quando ...), aconteceu o lançamento de Histórias de aleitamento em tirinhas no pilotis da PUC-Rio.

Foi muito interessante perceber o quanto o tema chamava a atenção de quem passava por ali, pessoas variadas que tinham netos, filhos recém-nascidos, conhecidos prestes a se tornar pais. E muitos de meus convidados marcaram presença, trazendo a alegria do encontro e o interesse pelo projeto.

Dos 70 exemplares, foram vendidos 52 naquela tarde (!), e o livro segue disponível na Livraria Carga Nobre (PUC-Rio) e no site da Editora Timo.

Coloco a seguir alguns dos registros que fizemos. As carinhas estampam todo o carinho envolvido em contar e em visualizar tirinhas sobre um assunto tão importante.


Mônica Herz e João Struchiner, ela do IRI e ele amigo desde a ESDI

Wanda, da Livraria Carga Nobre

Luiza Novaes e Jackeline Farbiarz, do Departamento de Artes e Design

Sônia Kramer, do Departamento de Educação

Vitor Valadão, aluno

Maria de Lourdes Sette, que traduz o texto do livro para o inglês

Hélio Bueno, desde a Arte do Jornalismo da TV Globo

Sara Kislanov, do Departamento de Psicologia

Luiza e Malu, alunas

Uma pessoa interessada

Adélia Jeveaux, minha filha

Fadel e Rosângela, da Fiocruz

Vera Bernardes, da ESDI, da PUC

Foi muito, muito legal!
Tudo de bom e fiquem em casa, tá?

sexta-feira, 6 de março de 2020

Lançamento do livro Histórias de Aleitamento em Tirinhas no Rio de Janeiro!




É com muita alegria que anuncio a vocês o lançamento do meu livro de tirinhas aqui no Rio, na PUC.
Ele é uma versão sintetizada dos assuntos que tratei na tese - fundamentos desse blog- e que estão publicados no livro Amamentação e o desdesign da mamadeira.

Talvez o evento possa possibilitar o encontro com alguns de vocês, leitores do blog. Para mim seria um imenso prazer conhecê-los pessoalmente!

Abaixo, a apresentação do livro. Até lá!



Histórias de aleitamento em tirinhas é um desdobramento da pesquisa de doutorado O desdesign da mamadeira, defendida por Cristine Nogueira Nunes em 2010, na PUC-Rio.

Procurando ampliar o raio de disseminação das informações levantadas, a autora se dedicou a conceder visualidade a alguns dos aspectos mais relevantes desse sempre atual e importante assunto: a segurança alimentar dos bebês.

Seis histórias são precedidas por textos de reconhecidos especialistas que acompanharam a produção do conteúdo. Assim, a história da alimentação artificial de bebês, os problemas da mamadeira, a argumentação em defesa do copo como meio alternativo à amamentação, as histórias da Metodologia Mãe Canguru e do pioneiro grupo Amigas do Peito compõem a publicação, encerrada por um depoimento de mãe sobre sua história particular.

O livro foi lançado durante o XV Encontro Nacional de Aleitamento Materno/II Conferência Mundial de Aleitamento Materno, no Rio de Janeiro, em novembro de 2019, e está em sua segunda tiragem.

Histórias de aleitamento em tirinhas
Cristine Nogueira Nunes
Editora Timo, São Paulo
36 páginas
R$ 20,00

sábado, 22 de fevereiro de 2020

De como as coisas acontecem



Em 2007 eu pedi a uma amiga de meu marido - médica do Instituto Fernandes Figueira, que conseguisse uma oportunidade para que eu pudesse entrar lá e mostrar para alguém alguns trabalhos desenvolvidos por meus alunos, vinculados a UTI neonatal e a amamentação. Ela conseguiu, e levei comigo uma querida aluna de cabelo azul. Fomos recebidas pelo diretor do Banco de Leite à época, João Aprígio Guerra de Almeida, que viu os trabalhos com muito interesse, dizendo do quanto era importante agregar cada vez mais pessoas à proteção, incentivo e apoio à amamentação, assim como que nos convocando, sabe?

Na época eu cursava meu doutorado em Design na PUC-Rio e desenvolvia uma pesquisa voltada para os Direitos Humanos, mas ainda sem recorte delimitado. Estava ali no IFF só porque sempre achei um desperdício bons trabalhos de alunos de Design não virarem "de verdade".

Achávamos que o encontro se encerraria com aquela conversa, mas ele fez questão de nos apresentar a seu colega, o pesquisador Franz Novak, no laboratório. Mais novidades, mais daquele clima de convocação até que ele me perguntou: _Já que é designer, você sabe que as mamadeiras fazem mal?

Eu não sabia. Ele me explicou. Me emprestou o livro de João Aprígio, Amamentação, um híbrido natureza-cultura e a tradução do relatório The baby killer, de Mike Muller. Daí nos levou pra outra sala, pra conhecer Sandra Pereira, responsável pela comunicação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, que naqueles tempos passava a ser Ibero-Americana (os dois, João e Franz, ficavam viajando pra muitos países para multiplicar a experiência brasileira). Sandra anotou meu endereço de e-mail e depois me deu livre acesso ao rico banco de imagens que eles acumulavam.

Caramba ... eu tinha ido lá pra mostrar os projetos dos alunos ... mas esse lance de eu ser designer e nunca ter parado pra pensar que a mamadeira pudesse fazer mal me abalou muito. Amamentei minha filha, mas lá pelas tantas a migração pra mamadeira foi feita sem questionamento algum...

Na PUC. Rafael Cardoso era meu professor na disciplina História do design brasileiro, do doutorado. Chegando ao fim do semestre, fui percebendo que eu só queria saber de ler os livros que Franz havia me emprestado, deixando outros conteúdos da tese de lado. Até que um dia Rafael me deu um ultimatum: afinal qual seria o tema de meu trabalho para a sua disciplina?

Eu me deixei levar pelas evidências e mergulhei na análise da campanha do Ministério da Saúde Madrinhas da Amamentação, nadando naquele monte de imagens que Sandra havia me enviado, movida pela indignação com o estado das coisas referentes ao tema.

Eu estava irreversivelmente contagiada. E foi assim que entendi que meu trabalho sobre os Direitos Humanos e o envolvimento estrutural do Design com as políticas econômicas tinham, na mamadeira, um objeto-símbolo.

Escrevo tudo isso para dizer que João Aprígio recentemente ganhou um prêmio incrível pelo seu trabalho. Seu e de toda a sua equipe, como ele insiste em frisar. Ele ganhou o prêmio Dr. Lee Jong-wook de Saúde Pública de 2020, conferido pela Organização Mundial de Saúde, por seu trabalho na promoção do aleitamento materno no Brasil e no mundo. E sabe aquela rede ibero-americana de bancos de leite que eu citei? Ela se tornou Rede Global de Bancos de Leite Humano!

Mas contei toda essa história, coroada pela participação dele em minha banca de doutorado, porque acho que ela revela um pouco do jeito que um trabalho dessa monta precisa ser pra prosseguir, crescer, se disseminar. João Aprígio parece não desprezar nenhuma oportunidade de agregar pessoas e interesses para essa grande causa, com atenção, delicadeza, seriedade e paixão pelo que faz.

Eu fui literalmente abduzida e agradeço pelo sentido que tudo isso deu à minha vida.










segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Coisas da vida ... (!?)




Essa pequena crônica está no livro Mulheres, do já falecido escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de As veias abertas da América Latina. e de tantos outros mais. Ela me foi enviada em setembro de 2019 por uma grande amiga, mas apenas agora encontro chance de fazer o post que o texto me inspirou.

Parece haver um protocolo, amplamente aceito, que legitima ações, escolhas e palavras para que possamos seguir vivendo com algum equilíbrio e segurança, mesmo que isso signifique ser falso. É uma espécie de "melhor não comentar", "deixar quieto", "seguir na onda".

Lembro-me de um casal amigo que perdeu gêmeos nos primeiros meses de gestação, num processo muito difícil, acompanhado de perto por suas famílias. Alguns poucos meses depois os encontrei, perguntando-lhes sobre como estavam se sentindo com a grave perda. E me surpreendi ao responderem que ninguém havia lhes perguntado isso antes: o silêncio das pessoas vigorou.

Um outro caso de que me recordo foi quando tomei uma iniciativa ousada em defesa de pessoas com quem convivo de perto. A ação teve efeito, mas ricocheteou com muita força sobre mim, embora tenha provocado resultado. Só me apercebi claramente do profundo silêncio daqueles mais próximos quando alguém que conheço muito pouco me perguntou: _Como você está depois de tudo o que houve?

As mães recém-paridas de Chengdu fazem o que fazem para alcançar uma melhor condição financeira, pois "Todas dizem que fazem o que fazem por eles [seus bebês], para poder pagar a eles uma boa educação". Anos atrás eu soube de uma norte-americana que vendeu o espaço da sua testa para que uma empresa ali tatuasse seu endereço eletrônico, e o argumento dessa mãe ao defender a venda desse espaço foi, igualmente, ter condições de dar ao filho uma boa educação.

Parecemos "cegos em meio ao tiroteio" ... tantas vezes nos calando e nos retirando "à francesa" das situações que nos convocam ou sendo levados por correntezas de comportamentos, sem iniciativa ou chance de questionar.

Me faz lembrar também do filme Histórias cruzadas, que documenta o papel das empregadas negras norte-americanas na criação dos filhos das famílias brancas. Ali contava uma terrível herança cultural que penso não ter sido até hoje dissipada e prosseguir sendo reproduzida em muitos países, inclusive aqui no Brasil.

É essencial que a gente recupere o tino, a sensatez.

. . . . . . .

Pra falar que a vida prega surpresas na gente, boas e ruins, conto que só agora me vejo em condições práticas para retomar o ritmo normal aqui no blog. O fato é que precisei mudar de casa depois que o apartamento abaixo do meu pegou fogo em setembro.

Felizmente ninguém se feriu, mas os vizinhos do andar de baixo tiveram tudo queimado. E nossa casa foi tomada por fuligem. Lavamos tudo, TUDO que havia dentro dela e ficamos aguardando que a suite - cômodo gravemente afetado - fosse reformada pelo seguro (do condomínio, pois a alugávamos). Um misto de burocracia com uma talvez falta de grana dos proprietários em nos tirar do acampamento que tivemos que montar, com móveis amontoados e muitas coisas acumuladas sobre as mesas e cantos nos convenceu lá pelas tantas que a iniciativa para melhorar o cenário teria que ser nossa mesmo. Então nos mudamos e agora só falta instalar as cortinas.

Diante desse turbilhão de desastres no mundo, fica até ridículo eu me queixar do que houve, mas ainda assim afirmo que foi um grande transtorno.