domingo, 27 de dezembro de 2015

Sobre o Tempo



Como blogueira, reconheço ser muito menos constante e periódica do que desejaria (o tempo...).

Aliás, sempre me espanto por conseguir dar continuidade a essa iniciativa com tantos revezes que a vida tem me apresentado, mas sigo confiante ao ver que o blog prossegue sendo acessado diariamente (o tempo...), em várias partes do mundo aliás.

Estamos chegando ao final de mais um ano (o tempo...), e que ano...

Trocentas coisas barra-pesada aconteceram e, apesar delas todas, temos que acordar de manhã e agir, e prosseguir construindo, acreditando.

Outro dia minha filha postou no Facebook algo que dizia mais ou menos o seguinte: "Depois de um dia longe das notícias, dedicado a ver filmes no cinema, voltarei amanhã à rotina de desesperança e lerei sobre os acontecimentos".

Pra quem está lendo esse post e tem um filho pequenininho, há de ser dose imaginar ele dizendo isso no futuro. Minha filha é adulta, mas ela já foi um bebezinho e eu também ficaria abalada ao ler algo assim.

O fato é que eles crescem (com o tempo).

E pra falar o que eu quero nesse post, preciso contar que sou professora de uma disciplina em que dedico uma aula à história dos relógios. Quando anuncio o tema, os alunos o recebem com muita naturalidade -ainda mais que inicio a apresentação com modelos pouco surpreendentes do produto. Acontece que encaminho a aula pra conversarmos sobre o TEMPO, e aí é que está o ponto.

A gente se acostuma a pensar que o mundo é aquilo que vemos, vivenciamos, enxergamos, com o qual interagimos. Só que não.

Estamos num planeta que se move, suspenso no meio de um sistema insondável, uma doideira que a ciência luta por desvendar. Apesar disso, tendemos a considerar que o mundo se resume às nossas vidas, retirando da frente o mistério estrondoso que nos permite estar aqui. E abstraindo completamente que estamos sobre uma esfera suspensa no espaço (!).

Costuma ser uma aula especial, que nos tira do chão - atitude tão indispensável pra quem está vivo.

Sinceramente? Entro direto nessa ilusão de que o que existe é aquilo que vemos, e por isso é que gosto tanto de viajar, pois viajando tomo contato com bilhares de coisas que acontecem e existem pra muito além daquilo que presumo ser a realidade à minha frente (além do fato de visitar o céu acima das núvens).

De fato, a realidade visível é uma viagem, uma viagem igual àquela que minha filha fez quando foi ao cinema pra se divertir e tentar se proteger da desesperança. A gente está é "viajando" quando nos esquecemos desse TODO.

Não sou religiosa. Desde menina venho quebrando a minha cabeça pra localizar -dentre tantas teorias, alguns caquinhos capazes de serem perfiladas pra me explicar a loucura que é viver. E, confesso, não cheguei muito longe, situação que me agonia, mas me dá alento também.

Porque não, não sabemos de quase nada.

E, por sorte, a Terra continua girando, o dia prossegue amanhecendo (o tempo...) e nos dando o dia e a noite. Porque, se ela "enguiça", não teremos a quem reclamar.

Sigamos nesse mistério, que nos permite viver, nos permite ter essas preciosidades que são nossos bebês, para vê-los crescer e se deparar com os mais incríveis sentimentos, TODOS, TANTOS, invadindo suas experiências de vida.

Sobre a esperança, o que há por dizer é que sempre há muito por fazer.

Feliz Ano Novo.


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Falando sobre a campanha "Madrinhas da Amamentação"



No último sábado, dia 14 de novembro, tive a honrosa oportunidade de participar do
evento de inauguração do Centro de Estudos Aleitamento.com, com uma análise gráfica e textual da campanha "Madrinhas da Amamentação". O link acima conduz a matéria com os detalhes.

Vida longa ao Centro de Estudos!

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Política pública + política individual

Um monte de gente trabalhou muito, e por muito tempo, pra alcançar o que foi publicado no Diário Oficial essa semana: o decreto que regulamenta a lei que dispõe sobre a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e de produtos de puericultura e correlatos. Em outras palavras, leite em pó, mamadeiras, chupetas, papinhas.

É uma medida muito importante, que levou quase 10 anos pra se concretizar como lei. Tenho a honra de conhecer muitas dessas pessoas que conduziram a luta e vibrei ao receber a notícia.

Porém, além da política pública, acho essencial que as pessoas se informem para conceber sua política individual em relação ao consumo desses produtos, porque os fabricantes sempre conseguem "dar seu jeito" pra continuar incutindo na cabeça da gente ideias de consumo. Pra explicar melhor, vou dar exemplo desse problema na Publicidade e no Design.

1. Publicidade
Há muito tempo que não vejo na TV propagandas que recomendem diretamente a administração de leite em pó ou mamadeiras aos bebês. Mas reparem nesse anúncio de 2008 -por ocasião do Dia das Mães -  veiculado na TV e nesta versão para revistas impressas:


Quer um conselho de mãe? A Nestlé quer.  Conselho de mãe é assim mesmo: não importa se você tem 5 ou 50 anos, ele sempre vai fazer parte da sua vida. A Nestlé sempre fez questão de ouvir os conselhos de todas as mães do Brasil, e faz isso há mais de 86 anos. Afinal, são elas que produzem o melhor leite do mundo. Por isso a Nestlé entende tanto de leite e é a única que oferece um leite para cada fase da sua vida. Hoje, além de desejar um feliz Dia das Mães, a Nestlé gostaria de dizer: obrigada por tudo. Principalmente pelos conselhos. Nestlé faz bem.

Sutil.

As mães "produzem o melhor leite do mundo"; a Nestlé ouve os seus conselhos e por isso "entende tanto de leite que oferece um leite para cada fase da sua vida". Leia-se todas as fases. Leia-se as mães é que estão dizendo, e nós só estamos seguindo seus conselhos. Leia-se elas dizem isso mesmo produzindo o melhor leite do mundo.

O aviso de advertência já constava dessa campanha:

"O Ministério da Saúde informa: o aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os dois anos de idade ou mais".

Mas acaso dá pra perceber esse aviso? No retângulo, bem pequeno, abaixo da imagem...

É covardia comparar a presença gráfica do aviso com toda essa atmosfera de "paz, seriedade, responsabilidade e afeto" que o anúncio traz.

Acredito que a frase de advertência vá mudar com a recente regulamentação, mas essa fala de maneira suave (demais) deveria dizer:

"O Ministério da Saúde adverte que leite em pó e mamadeiras causam infecção e alergias e a Organização Mundial da Saúde recomenda que o bebê seja amamentado exclusivamente até os seis meses".

Dizer que o aleitamento é bom é muito diferente de dizer que a mamadeira e os leites fazem mal. E imagino uma mãe lendo "recomendado até os dois anos de idade ou mais". A mãe vai pensar: _ Céus!, não dou conta disso levando a vida que eu levo! Já que a Nestlé produz leite pra todas as fases, vou aderir aos seus produtos.

Não falar dos seis meses e só falar dos dois anos é brabo...

Enfim, fica parecendo uma coisa e é outra. E todos sabemos o quanto esses detalhes das mensagens, mesmo que não conscientemente percebidos, podem influenciar as mulheres a fazerem escolhas contrárias àquilo que a propaganda finge defender; escolhas favoráveis à indústria, claro.


2. Design
E as mamadeiras? Não tem propaganda em TV nem em revista; não podem estar decoradas com personagens. Mas o que fazer quando nos deparamos com produtos atraentes assim:



Essa é uma das coisas que mais me perturba: o poder de sedução que o Design pode exercer sobre as pessoas. Quando ele é empregado em objetos e utensílios que nos proporcionarão conforto, segurança e prazer, esse poder é incrível, e dependendo do objeto poderá até ajudar a salvar vidas.

Mas e quando o poder de sedução do Design está acoplado a produtos que fazem mal às crianças, causando desmame precoce, morbidade e mortalidade infantil, deformações na arcada dentária, doenças respiratórias etc?

Não há como "regulamentar" a configuração formal das mamadeiras, não dá...

O regulamento tem que vir do compromisso de cada designer com a sua profissão, se recusando ao desenvolvimento de produtos que prejudiquem os usuários, coisa que, neste caso, a pesquisa que caracteriza todo projeto de Design esclarecerá fartamente (há informação abundante sobre os graves riscos e seu longo e triste histórico).



E a regulamentação principal para o público tem que brotar da edificação de uma política individual, fundada na informação e em uma postura crítica diante dos gracejos que nos conduzem ao consumo.

Porque eles prosseguirão existindo.









segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Convite para a inauguração do Centro de Estudos Aleitamento.com


Terei o prazer de participar da inauguração do Centro de Estudos Aleitamento.com, fazendo uma análise gráfica da campanha brasileira em prol do aleitamento materno, junto ao pediatra Marcus Renato - mentor do evento e a Maria Celina Machado, da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Convido os interessados a participarem da abertura desse fórum, que promete abordar importantes conteúdos.

Ao se inscrever, o endereço será fornecido.

domingo, 4 de outubro de 2015

Antes fosse ficção...

Está bombando nas redes sociais uma foto de Fernanda Gentil (jornalista da TV Globo) dando mamadeira pro seu bebê e defendendo o uso desse produto, veículo de fórmulas lácteas.

O que tenho a dizer é que cabe a cada um decidir entre o efeito que uma foto assim, acompanhada da impressão dessa mãe sobre o caso e de suas decisões pode surtir, e o efeito causado por uma pesquisa aprofundada sobre a questão.

As indústrias de leite em pó e de mamadeiras estão amando a repercussão.

Só digo que a OMS/Unicef, a aliança internacional em prol da amamentação, o esmerado trabalho dos bancos de leite humano e de profissionais incríveis que auxiliam as mães na tarefa da amamentação, a IBFAN (International Baby Food Action Network), a WABA (World Aliance for Breastffeding Action) não são ficção.

Antes fossem....








sábado, 26 de setembro de 2015

Novidades da semana

Não é de hoje que a publicidade seduz  com lindas imagens



Divulgo aqui duas grandes novidades da semana.

Em primeiro lugar, a excelente reportagem da Mamatraca que desvela os bastidores de tantos "amorosos" conselhos que a publicidade nos dá quanto à alimentação infantil. Uma matéria que merece ser explorada em cada um dos vários links que oferece ao leitor.

E mais uma produção para enriquecer a lista de vídeos informativos sobre o nascimento. Sabemos que ainda acontece de as mulheres estarem preparadas e desejosas por um parto normal e, na última hora, serem desviadas desse objetivo por argumentos médicos tantas vezes questionáveis, para não dizer mentirosos. A falta de domínio sobre os fatos e os termos empregados pelos especialistas as fazem optar pro não arriscar a integridade da criança, lógico.
"Parir é natural", dirigido por Silvio Tendler, contribui para a mudança dessa cultura. Uma mudança para melhor. Afinal, as mulheres sempre tiveram competência para parir seus filhos.




quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Bésame mucho, grande leitura




Ao iniciar a leitura do livro "Bésame mucho", do Dr. Carlos González (Editora Timo - SP), estou bastante interessada no conceito de Seleção Cultural (ao invés de Seleção Natural) desenvolvido pelo autor.

Logo no início do capítulo dois, encontrei:

Foram médicos os que recomendaram há um século dar o peito por dez minutos a cada quatro horas, o que levou a amamentação a um fracasso quase absoluto. Foram farmacêuticos os que há apenas 60 anos vendiam 'pós para dentição' à base de mercúrio sumamente tóxicos, que deveriam ser administrados aos bebês para fazê-los babar, pois a 'baba retida' causava doenças. Foram médicos e educadores os que há dois séculos advertiram que a masturbação 'secava o cérebro', e inventaram castigos terríveis e aparelhos complexos para evitar que as crianças se tocassem.

Os exemplos são empregados no texto com o sentido de demonstrar que grande parte dos mistérios nos cuidados com crianças são criados pela cultura, inventados como procedimentos recomendados por especialistas, e se sucedem na história determinando cuidados com as crianças sob o risco de ocorrerem fatalidades. Mas, na verdade, o ponto que mais está me intrigando é o seguinte:

Foram especialistas que há cinco séculos recomendavam envolver os bebês como múmias para que não pudessem engatinhar (!), porque tinham que andar como as pessoas e não se arrastarem no chão como animais (!!).



Recorrendo à internet, procurei pela palavra-chave "cueiros" e cheguei ao termo swaddling clothes que, segundo o artigo "Enxoval básico do século XVIII" era usado para manter o bebê aquecido e garantir que seus membros se mantivessem retos, numa sociedade onde -já aos cinco anos de idade- as crianças começavam a trabalhar e ninguém na família pré-industrial dispunha de tempo para cuidar de bebês: "Um bebê enrolado, todo o seu corpo envolto e sua cabeça cambaleante presa de forma segura, poderia ser deixado em mãos muito inexperientes, ou por si só, com pouco risco de danos".
(www.sharonburnston.com/baby_linen/bellyband.html)

No site Wikipédia é informado que os panos começaram a ser rejeitados no século XVIII, citando trecho do livro "Emile: Ou, Na Educação", de Jean Jacques Rousseau (1762), que reproduzo em tradução do Google, com alguns ajustes de redação:

Mal a criança sai do útero da mãe, começando a se mover e esticar seus membros, ela é envolta em cueiros, com a cabeça fixa, suas pernas esticadas e os braços estirados dos lados; a mesma é enrolada em volta de linho e todos os tipos de ligaduras de modo a não poder mover-se [...]. De onde vem esse costume razoável? A partir de uma prática antinatural. Desde que as mães desprezaram seu dever primário e não desejam amamentar seus próprios filhos, elas tiveram de confiá-los a mulheres mercenárias. Essas mulheres, portanto, tornam-se mães para filhos de um estranho, que, por natureza, significam tão pouco para eles que eles procuram apenas para poupar-se problemas. Uma criança sem os panos precisaria de observação constante; bem enrolada é lançada em um canto e seus gritos são ignorados [...]. Alega-se que os bebês deixados livres assumiriam posições defeituosas e fariam movimentos que podem ferir o bom desenvolvimento de seus membros. Esta é uma das justificativas vãs da nossa falsa sabedoria que a experiência nunca confirmou. Fora da multidão de crianças que crescem com o pleno uso dos seus membros entre as nações mais sábias do que nós mesmos, você nunca encontrará alguém que se machuca ou mutila a si mesmo; seus movimentos são muito fracos para serem perigosos, e quando eles assumem uma posição prejudicial, a dor adverte-os para mudar isso.





Prosseguindo com a pesquisa, encontro informações sobre o ressurgimento dessa técnica em tempos atuais no site www.sciencedaily.com/releases/2013/10/131028184950.htm. Ali ficamos sabendo que nove entre 10 crianças na América do Norte utilizam os cueiros nos seis primeiros meses de vida, e que no Reino Unido a procura por swaddling clothes aumentou 61% entre 2010 e 2011. Defende-se que a técnica tem efeitos calmantes, ajuda na indução do sono, aliviando choro excessivo e cólicas. Paralelamente, porém, um número crescente de evidências demonstra que ela aumenta o risco de anormalidades no desenvolvimento do quadril. O Prof. Nicholas Clarke (Hospital Universitário de Southamptom) defende que os produtos devem ser frouxos a fim de não cercear a liberdade de movimentos de quadril.



Retornando à Wikipedia, um trecho fala do uso contemporâneo dos cueiros, e do quanto ele está ligado à cultura não industrializada. Na Turquia, 93,1% são tradicionalmente enrolados com essa técnica. Estudos com populações indígenas das Américas não detectaram atraso no início da caminhada provocada pelo uso dos panos, mas um estudo austríaco mostrou que bebês albaneses tiveram sua habilidade para engatinhar e alcançar coisas com as mãos prejudicadas pelos swaddling chothes. E vários estudos empíricos já comprovaram os efeitos negativos do uso dos panos: aumento do risco de displasia da anca; redução da capacidade de equalização da temperatura do corpo pelo bebê nos casos em que os panos são apertados e envolvem a cabeça (hipertermia, com registro de caso fatal); identificação do risco quadruplicado de desenvolvimento de infecções respiratórias. 

E para finalizar meus achados, o estudo sobre o uso contemporâneo dos panos em maternidades, realizado por Bystrova e equipe, demonstrou que há atraso na recuperação da perda de peso pós-natal. O ganho de peso é aumentado e facilitado quando o bebê é colocado em contato direto pele-a-pele com sua mãe nas primeiras horas de vida, reduzindo o estresse do nascimento, mantendo a temperatura corporal com melhores resultados do que na incubadora e integração afetiva do binômio mãe-filho: Mãe Canguru.





A menininha não parece estar apertada nessa versão moderna de swaddling chothes, mas me pergunto que grande diferença há entre isso e um simples pijaminha, a ponto de surtir efeito calmante....

Quando bebês, eu e meus irmãos fomos enrolados em cueiros bem apertados.
Quando minha filha nasceu, não passei nem perto disso, deixando-a de camisolinha, com liberdade total de movimento, pois era o que se praticava à época.

Depois que inventaram a fralda descartável, a tendência é utilizá-la até bem depois do prazo em que ela seria indispensável, pois ao começar a falar uma criança já pode pedir pra fazer xixi e cocô e assim desenvolver controle para suas necessidades, mas praticidade oferecida pelo produto estica seu tempo de uso. Sabemos que a produção de lixo provocada por tal hábito de consumo aterroriza qualquer um que decida fazer as contas, mas deixar pra depois o controle do esfincter estará influenciando no desenvolvimento das crianças?

O lance é que a cultura muda nosso entorno e nossa vida mas não provoca mutações em nosso organismo para que a ela nos adaptemos, como argumenta o Dr. González. Continuamos sendo do mesmo jeito. Também não viramos produtos (embora por vezes pareça que nos esquecemos disso).

Por isso, fico aqui pensando que se a questão é acalmar a criança, boto muito mais fé num colinho antes de dormir.




segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Uma imagem que não vale nada



A mamadeira é um objeto profundamente enraizado em nossa cultura, naturalizado ao ponto de ocupar posto muito mais aceitável do que a amamentação para muitas pessoas.

Visitando Buenos Aires, recentemente, no Malba deparei com esse quadro de Botero, pintor colombiano popularmente conhecido pelas personagens roliças que fortemente caracterizam suas produções. Mas é claro que atentei para a presença das mamadeiras na composição, de nome "Los viudos" (Os viúvos).

Esta é uma situação crítica em que um modo alternativo de alimentar bebês se faz necessário: a morte da mãe. O problema está em que o uso da mamadeira foi se espraiando por justificativas muito menos reais ou nada reais, ao ponto de serem presenteadas já no chá de bebê, antes de se saber se haverá problemas para a amamentação. As comunidades africanas, antes da chegada desastrosa da indústria de leites artificiais por lá, resolviam a questão utilizando xícaras ou colheres para administrar alimento aos bebês. Coisa parecida fazem os índios, empregando cuias (fruto da cuieira madura, depois de esvaziado seu miolo) para alimentá-los com pasta de mandioca.

O fato é que a imagem da mamadeira (e também da chupeta) vem sendo empregada como um "doce símbolo de infância" nas mais variadas produções visuais. E admito que fiz isso também no início desse blog....

Pois é, como "pano de fundo", escolhi um padrão de mamadeiras e chupetas disponível no blogspot. Minha intenção era de que as pessoas se aproximassem daquela imagem e se espantassem ao ler os posts, inteiramente contrários àquela ideia. O contraste funcionaria, ao meu ver, como um recurso comunicativo. Só que, ao iniciar a divulgação do blog, fui logo alertada pela IBFAN Brasil (International Babyfood Action Network) e até hoje agradeço pelo claro "puxão de orelha" de Marina Rea. Temos que desnaturalizar esse objeto, nas menores ações, em cada escolha que fizermos, pois assim estaremos colaborando para que as coisas mudem. O poder da imagem é fortíssimo, não há como negar.

E precisamos estar atentos, muito atentos, porque coisas verdadeiramente esdrúxulas acontecem...

Vejam esse exemplo, encontrado no livro ilustrado "El Embarazo", disponível na lindíssima Livraria Atheneu, também em Buenos Aires: a mamadeira, sim, a imagem da mamadeira é empregada para demonstrar a composição do leite materno!!!!




As indústrias estão se dando muito bem com isso, vendendo mais e mais latas de leite em pó, mais e mais modelos de mamadeiras cheias de "design". E os bebês? O leite materno é o melhor alimento do mundo, vale pesquisar. Não há nada melhor do que o aleitamento materno, pode pesquisar também. Sobre alternativas? Use o copo, a xícara, a colher. E ao produzir imagens, não empregue a mamadeira, please! O consenso científico internacional, firmado há quase 40 anos, agradece.


sábado, 22 de agosto de 2015

Nova tecnologia




Hoje fui apresentada a uma tecnologia muitíssimo interessante por um amigo.

Trata-se de um modo de representação em três dimensões a partir da fotografia. Vejam que bacana esse exemplo de um bebê em 3D. Deixe o arquivo baixar totalmente até que a imagem entre em foco. Com o mouse (mãozinha), faça o passeio pela imagem. O rolete do mouse pode ser acionado para aproximações.

Acredito que essa técnica venha a ser muito útil para várias finalidades, dentre elas o ensino na área da saúde e também do design.

A tecnologia é pública, mas depende de uma esmerada aproximação para lidar com seus controles. Conheço uma equipe de profissionais no Rio de Janeiro que se instruiu para oferecer esse serviço.

Muito legal, né?


sábado, 8 de agosto de 2015

Lutar não há de ser esperar



Escrevo hoje sobre a Semana Mundial de Aleitamento Materno, evento internacional encerrado ontem, sob o tema AMAMENTAÇÃO E TRABALHO.

Dessa vez consegui participar intensamente, a vida me permitiu. E com que alegria essa luta se colore, com quanto suor, persistência, troca intensa de informações, de carinhos, sorrisos, escuta atenta de depoimentos ora bons e ora duros dessa labuta da procriação e do cuidado!

O sábado aqui em casa prometia, porque era o dia do casamento do meu enteado e a casa e a família inteira ficaram às voltas com os preparativos de uma festa que foi... foi linda, viu? :o) Mas antes de tudo eu percebi que poderia dar uma "fugida" até a Quinta da Boavista, onde acontecia o encontro carioca da "Hora do Mamaço". E foi pra lá de especial. A foto aí de cima representa um pouquinho da mobilização e da curtição que rolou.



Na terça, fui pra Maternidade Escola e fiquei lá o dia todo. Aprendi pacas sobre a legislação que protege a mãe e o pai trabalhadores e reconheci o quanto ela precisa melhorar. Um momento especial foi quando pais de bebês internados, naquele momento, na UTI neonatal do hospital, deram seu emocionado depoimento. E depois, quando o querido amigo Marcus Renato de Carvalho (foto), explicou direitinho o quanto esse é um tema importante, que volta e meia é revisitado, uma vez que há muito, muito mesmo a fazer.



Na quinta, eu me mandei pro Instituto Fernandes Figueira, a convite da amiga Nina Savoldi - enfermeira-chefe do Banco de Leite. Na foto estou ao lado de pessoas essenciais de toda essa luta, gente incrível mesmo. Nossa... fico pensando no luxo que é participar e ser acolhida por essa turma.

E a manhã me reservava um momento pra lá de especial. O fato é que, durante o ano passado, eu dei o start pra PUC-Rio (onde sou professora), aderir à licença maternidade de 6 meses. Como já contei aqui no blog, foi um processo bacanérrimo, que iniciei com a super-mega-ultra ajuda das super-mega-ultra forças que o Papa Francisco vem dando à amamentação em público, e que ia ganhando adeptos apaixonados a cada porta em que se batia, na Reitoria, Superintendência do RH, no RH, na Assessoria Jurídica, Na Vice-Reitoria Administrativa, no Ambulatório, Na Vice-Reitoria Comunitária.

Pois bem, nessa quinta, a PUC constava da lista de instituições cariocas que aderiram à extensão da Licença e que estão em vias de implementar a Sala de Apoio às Mães que Amamentam em um slide apresentado pela Dra. Rosane Pereira. Isso me encheu de alegria e orgulho. Mas eis que a Nina se levanta e me cita como representante da Universidade, ao que se seguiram palmas de toda a assistência. (!!!)

Putz... foi incrível. Daí, quando fui agradecer a ela, no dia seguinte, ela me respondeu algo assim: "Tudo bem, Cristine, mas o fato é que a PUC ter aderido nos dá argumento pra chegar nas outras universidades e dizer: e vocês?"

Ah, achei isso o máximo! Uma coisa com lado pragmático que resulta em um bem precioso :o)



E quando eu achava que "tava-bom-demais-e-chega", vejo um comunicado do Marcus avisando que na sexta teria um evento final da SMAM no quiosque da TV Globo, Praia de Copacabana.

Cara, mais um? Ok, ok, bebês são minha prioridade :o) Estou com o dia cheio, mas pego um taxi e dou um pulinho lá. Afinal de contas, tem um tempão que eu espero por uma chance de dizer pra TV Globo que eles precisam padronizar seus roteiros de novelas, porque uma hora tem personagem amamentando, outra hora tem gente dando mamadeira... Decerto é porque os autores não estão a par do problema.

Só que não tinha nenhum repórter lá no momento que eu podia estar no quiosque. Uma pena.

Mas tinha gente muito atuante lá, como Rosane e Dra. Isa, que me sugeriram fazer uma Roda de Conversa com as mães presentes, pra falar MAL das mamadeiras e das chupetas (minha especialidade).
Cara, foi demais!

Então, pra fechar a Semana, compartilho aqui um poema que escrevi há muitos anos para uma adorável amiga, sobre o ato de Lutar. Eu agora o dedico a toda essa gente de tanto valor que dedica sua vida e seu trabalho por essa grande causa.

Lutar não há de ser esperar
Não há de ser armado
De ser preparado, lutar

Lutar não há de ser ataque
Nem de ser defesa
Tampouco há clareza em lutar

Não é briga de foice
Nem com flores lutar não dá
Há de ser tonteira
Dúvida, vontade
Há que ter coragem, lutar.

domingo, 19 de julho de 2015

Pra gente se familiarizar com o Plano de Parto



Ainda não pude ir à exposição "Sentidos do nascer", que está lá na Praça Tiradentes (RJ), mas o site da mostra disponibiliza para download a Cartilha da gestante da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. E lá está incluído o plano de parto, novidade com a qual precisamos nos familiarizar.

Bom domingo!

domingo, 12 de julho de 2015

Ouvindo Badinter

Acho que todo mundo tem a tendência de querer depositar sua confiança em um depoimento, em uma frase ou em uma pessoa.

Uma vez, em um curso que frequentei do Prof. José Maria Gomes (IRI-PUC), fiquei absolutamente surpresa com os argumentos empregados pelos alunos para questionar produções de autores que eu havia recebido como perfeitas, geniais, absolutamente conclusivas.

E me encantei com esse questionamento, que demonstra a relatividade das ideias e de suas interpretações. As coisas são complexas demais pra serem resumidas em uma só opinião. As reflexões, os textos, as ideias servem, isso sim -eu pensei- pra nos fornecer subsídios pra tentar conviver com essa sua complexidade.

Digo isso porque ontem assisti com calma à entrevista que Elisabeth Badinter, autora do livro "O mito do amor materno", deu a Betty Milan, publicada no site da Revista Veja.

Eu não consegui concordar ou me identificar, como mulher e mãe, com cerca de 50% do que ela disse.

E senti muita, mas muita falta mesmo, de considerações sobre os evidentes malefícios provocados pela indústria de leites artificiais e mamadeiras. Porque há ideias, mas há também fatos, como o adoecimento e a morte de 1 milhão e 300 mil bebês anualmente em todo o mundo, expostos a tais produtos, em índice da OMS. Fatos esses respaldados pelas incontáveis pesquisas, por uma aliança internacional, por redes de monitoramento desse comércio e por muitas explicações disponíveis pra todos nós na internet e na vida.

Bom, vale assistir.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Um ciclo



























































































Depois de um tempo sem postar, pretendo a partir de hoje recuperar o ritmo do blog convidando a todos para pensarem um pouco sobre os ciclos. Eles estão aí, se exibindo sem reserva, mas tantas vezes temos a atenção roubada por detalhes que nos exigem o close, o que nos impede a visão mais ampla daquilo que vivemos.

Eu fiz essa história em quadrinhos nos anos 90, pra inscrevê-la em um concurso. O trabalho nem foi selecionado. Como faço com tudo o que realizo, eu o guardei muito bem guardado. Tão bem guardado que nunca mais o encontrei, apesar de buscá-lo com afinco por mais de uma vez.

Bom, eu estaria mentindo se dissesse que o encontrei esses dias por algum tipo de "milagre" ou "sinal", porque o que fiz mesmo foi procura-lo com a determinação de quem , dessa vez, precisava muito encontrá-lo.

Rever essa sequência tão simples de desenhos é pra mim um brinde ao ciclo de vida de minha mãe, encerrado no dia 11 de maio deste ano.

Acho que todos sabem o que é um luto. Já passei por luto de avós, de grandes e queridos amigos, de pai postiço, mas luto de mãe, apesar de ser de uma densidade singularíssima, pode ser um luto diferente. Porque desvela sem reservas um dos mais evidentes ciclos da natureza: nascer, gerar e morrer, deixando em cada filho a promessa de inauguração de novos ciclos.

(Olhando agora eu percebo que os cirurgiões lá do início da historinha estão meio démodé, e que acabei representando a TV Globo no quadrinho da televisão).

Enfim, o que tem me protegido nessa fase é o calor gostoso das amizades e a percepção daquelas coisas ao mesmo tempo simples e de insuperável beleza que tendem a "passar batido" por nós no dia-a-dia.

Essa herança ela me deixou.


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Amamentação em fotomontagem sobre a Guerra Civil Espanhola



Folheando um livro sobre John Heartfield, encontrei essa imagem. Ela se refere à Guerra Civil Espanhola e foi publicada em 1936 como capa de uma revista alemã.

Heartfield (o nome original dele era Helmut, e não John) foi um artista que se dedicou a denunciar os perigos das movimentações políticas europeias por intermédio de montagens realizadas a partir de fotografias. Participante do movimento Dadá, inovou ao lidar com fotos que, combinadas com alto grau de acabamento, geravam imagens de grande significação. Pena que, naquela época, a mentalidade estética geral fosse realista e as pessoas tendessem a não dar crédito para composições gráficas que exibissem variações de estatura de humanos, efeitos especiais em geral.

O trabalho de resistência ao nazismo deste homem, que numa obra de tirar o fôlego de qualquer um sinalizou expressivamente sobre as armadilhas de Hitler, também se dedicou a dar visualidade a outras loucuras que aconteciam na época, como no caso da Espanha. Na verdade tudo se interligava...

O texto da imagem diz:
Ainda não "paz no mundo".
Hoje Espanha ... Amanhã o mundo?
É muito. Cerrem as fileiras!
Juntem as mãos.
Fim à indignação!

A mãe amamentando seu filho, tranquilos os dois, sobre a relva, como um símbolo do que há de mais sublime e sagrado. Um direito humano inalienável sob a ameaça de soldados armados, treinados para atacar o que quer que esteja à sua frente.

O fascismo venceu, liderado pelo General Francisco Franco, matou mais de 400 mil pessoas, e se manteve no poder por 40 anos.

Um longo e escuro período de trevas.

domingo, 10 de maio de 2015

Mães de ponta!



Há tempos não posto nada por aqui. Sorry.

É que a vida está me exigindo de outro jeito, exigindo de mim como filha, e a gente precisa aceitar que o trabalho e nossas paixões precisam esperar às vezes.

Mas tenho vibrado ao constatar o quanto as coisas vêm mudando nesses nossos assuntos maternos. Que bom!

São matérias e mais matérias nos jornais falando sobre as mudanças que se operam na seara dos partos, dos cuidados com crianças, no valor das mulheres (putz, que loucura isso ter sido deixado de lado por tanto tempo em nossa mentalidade cultural...)

O fato é que, cada vez mais, as mulheres estão dispostas a se informar, a se posicionar diante dessa informação, e a reconhecer que protagonizam as coisas pelas quais passam na vida.

Ai, meus tempos... como fico feliz por ver que o trabalho incansável de tantos ativistas (tenho a honra de conhecer vários deles!) vem dando resultados tão expressivos :o)

Mas, realmente, a cabeça anda alugada... logo vou almoçar e saio pra visitar minha mãe de 88 anos no CTI de um hospital, nesse Dia das Mães.

Daí que encerro esse post com minha homenagem a todas nós, expostas à vida, ao tempo. Felicidades!

Quando as mães ficam bem, mas bem velhinhas, dizem os ortopedistas que elas diminuem de tamanho...
Diz a equipe médica que se busca deixá-las estáveis...
Dizem os amigos, os religiosos, os vizinhos, os cuidadores um monte de coisas (um monte mesmo).
Mas perguntem aos filhos: elas crescem, crescem e crescem tanto e ficam tão, tão, mas tão instáveis que começam a não caber nos espaços. Desrespeitam tudo: a lei da gravidade, os horários, as boas maneiras, a lógica.
Parecem estar restritas, aprisionadas, mas nunca estiveram tão perto da liberdade, e como tudo na vida, isso dói (dor de crescimento, diriam os ortopedistas...).
Réguas? estabilidade? às favas com normas de controle! 
Elas aos poucos vão se reunindo e saindo em passeata: 
Descontrole JÁ!



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Esse tal de Desdesign





Esse tal de desdesign faz coisas assim:

1) Tira toda a pintura exagerada do rosto das bonecas que estão no mercado e devolve aos brinquedos rostinhos lindos com os quais as crianças podem se identificar (Sonia Sing - visite tree change dolls e veja só que encanto de projeto);

2) Complementa ou substitui os cuidados de um bebê prematuro em encubadora pelo calor e contato pele-a-pele com mãe, pai, familiares dessa criança (visite Declaração Universal dos Direitos do Prematuro e se aproxime dessa grande sacação de pediatras colombianos, dentre eles o Dr. Héctor Martinez, lendo o texto tão especial do também pediatra Luis MussaTavares);



3) Dispensa a mediação de produtos para alimentar bebês, valorizando a amamentação e, se necessário, empregando um simples copo para a tarefa (visite O caso das mamadeiras e conheça muitas coisas que estão por trás das "insuspeitas" mamadeiras).




Foi o designer Victor Papanek, em seu livro "Diseño para el mundo real", quem me apresentou esse termo, Desdesign.

Desdesign resulta de observação, estudo aprofundado, respeito, sensibilidade, projeto e responsabilidade, em cada um dos exemplos citados.

O Desdesign "é um menino tão sabido", que "quer modificar o mundo".

sexta-feira, 6 de março de 2015

Ó céus, onde estás que não respondes!



Eu consumo, tu consomes, ele consome, nós consumimos, vós consumis, eles consomem.

Este parece ser o mantra, a oração que se espera que pronunciemos com todo o ardor todos os dias de nossas vidas.

O que estamos dizendo? Ora, isso pouco importa. O Mercado, essa entidade que está acima de tudo e de todos, colocará incontáveis "sinais" de sua magnânima presença em frente aos nossos sentidos e, cada vez mais, os absorveremos sem nem mesmo perceber o que fazemos, para deles nos nutrir. A vida é uma coisa muito difícil e só o consumo pode nos salvar, com suas promessas de felicidade, alegria, estilo e humor.

E quanto mais cedo isso puder começar na vida das pessoas, melhor: respirou, pode consumir. E se um bebê ou uma criança não entende o que venha a ser isso, os adultos podem ensinar.


Chill, Baby Li'l Lager baby bottle é um lançamento da FRED and FRIENDS, uma empresa de Rodhe Island (EUA), que se diz (no texto de sua missão) focada em coisas bem concebidas, que solucionem problemas colocando um sorriso no rosto de quem as consome, sem que custem uma fortuna. Designers de todo o mundo projetam, em parceria com a empresa, produtos inesperados, engraçados e pessoais "que digam muito sobre você".

"Não!, não é cerveja, é apenas a velha boa fórmula infantil servida em uma garrafa plástica, livre de ftalato e de BPA, fácil de lavar".

"Eu sou o curador da minha própria vida" intenciona ser a frase a ser dita pelos consumidores desses produtos pretensamente tão inusitados e bem humorados.

O que dizer?
Só fico pensando no extenso e animado processo de desenvolvimento desse projeto, na empolgação dos designers profissionais e estagiários ao gerar ideias, arquivos, protótipos, pensando nas reuniões de apresentação, no dia da entrega para a produção, na chegada do produto final, na festa de seu lançamento, na produção esmerada dessa foto de divulgação.

Tanta energia dispendida, tanta ignorância reinante, tanta irresponsabilidade e impunidade.






quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Pálido de espanto - Milk Nanny



Faço parte da geração que assistiu (gostando ou não) às fortíssimas mudanças tecnológicas que hoje lotam nossa vida: tudo informatizado, tudo conectado, os telefones celulares inteligentes que cada vez fazem mais coisas por nós, entre nós.

A algumas dessas facilidades eu aderi. Mas resisto a várias outras, sabendo de cor telefones das pessoas mais próximas, fazendo contas de cabeça ou no papel, escrevendo cartas mesmo que raramente.

O fato é que vamos entregando para os produtos (que nos prometem tanto) funções que nossa natureza permite que executemos, e muito bem. Ao fazê-lo, tendemos a atrofiar essas nossas habilidades (aliás, eu me preocupo muito com essa coisa de GPS..., não nego que facilita, mas se a coisa se intensificar, onde irá parar a capacidade que temos de localização?).

Daí que, muitas vezes, ao demonstrar que minha adesão a essas modernidades tem limites, recebo olhares de... compaixão, por assim dizer. Como se estivesse sendo amigavelmente desculpada pela incapacidade de lidar com esses produtos tão atuais.

Por isso o poema de Olavo Bilac (cujo título agora me surpreende ser Via Láctea) me parece adequado aqui. Ele se refere à capacidade de percepção da natureza. Acontece que, inversamente, quando sou "avaliada" pela não-adesão às facilidades disponíveis nesse cenário em que vivemos, sinto como se ouvisse: "Certo perdeste o senso!".

Ao poema:


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!" 
E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 

E conversamos toda a noite, enquanto 
A Via-Láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas". 


Não estou invocando romantismos, mas perturbada sobre o quanto a tecnologia está sendo absorvida como natureza. Ou seja, se torna anti-natural rejeitar seus avanços e suas novidades.

Tudo isso pra emitir meus comentários sobre a "Milk Nanny", projeto com vídeo disponível no site de financiamento coletivo Kickstarter, que está levantando a maior grana.




A ideia é produzir uma máquina que prepara leite para bebês em 15 segundos, acionável por aplicativo de celular.

Os argumentos expostos pelos idealizadores da máquina são... céus, não tenho palavras para descrevê-los (vazios, levianos, enganadores...). Apenas posso dizer que se enquadram perfeitamente nesse modo automatizado ao que a prática intensiva do consumo nos conduz. E as cenas em que os dois analisam desenhos do processo de projeto, para mim que sou designer, são violentas.

Prosseguem, assim, profissionais concebendo coisas que, mais do que desnecessárias, fazem mal e conseguem convencer as pessoas de que a Terra é o centro de tudo, de que tudo o mais nada importa, de que nem mesmo ela importa. Importa é uma ação conjunta e teleguiada para eliminar de vez o brilho inoportuno das estrelas, o choro inoportuno dos filhos e fazer girar a roda magnânima do mercado.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Pegar o bonde andando




Vamos dar ouvidos ao que vem sendo propagado, mas não sem conceber mais um produto para o mercado de consumo, ok?

Ok. 
Fala-se que o leite humano é o melhor alimento para o bebê. Mas o processo de retirada do leite, marcação dos reservatórios, sua organização, armazenamento, aquecimento e administração à criança pode ser facilitado por um moderno e inteligente sistema de produtos, a fim de facilitar a vida desses pais. 

"A nossa estratégia de design é definida pela combinação do talento de classes de engenharia do MIT (Massachusetts Institute of Thecnology) e desenvolvedores de produtos com uma filosofia de design-centrada-no-usuário". 

Eis então o sistema Kiinde Twist, que em seu texto promocional define:
"Somos nerds com uma boa dose de amor e carinho"

Mais uma vez identifico a perigosa influência da lógica de mercado conduzindo e embotando a pesquisa acadêmica na formação de jovens. Desta vez não se trata tão somente de um projeto de mamadeira, mas do projeto de um complexo sistema de objetos, concebido e estruturado sobre "um bonde que foi pego andando".

Tenho a impressão de que alguém gritou de lá: - Olhem, dessa vez é pra fazer pro leite humano, hein!
E, partindo daí, precisamente daí, tudo transcorreu.

Necas de atenção para a Organização Mundial de Saúde e suas diretrizes, necas para o histórico mundial de desmame, morbidade e mortalidade infantil, pra aliança internacional em defesa da amamentação, nem pro Código de Controle de Substitutos do Leite Materno, nada de pesquisa que conceda aos projetistas a noção aprofundada e responsável daquilo que estão fazendo. Vamos em frente que atrás vem gente!

Todas as roscas estão lá pras bactérias se esconderem; todos os bicos estão lá pra alterarem negativamente o desenvolvimento da arcada dentária, afetando futuramente o sistema respiratório, a fala e a deglutição da criança; tem armarinho pra guardar as bolsas que são DESCARTÁVEIS (com toda a crise ambiental que atravessamos, um bom produto não pode transitar assim, tranquilamente, pelo âmbito da descartabilidade); tem as escovinhas fininhas pra fingir que dá pra limpar todos os cantinhos do produto. E tem também a bomba pra retirada do leite materno ... é tanta coisa que acho que não coube só nessa imagem que reproduzo.

Toda essa traquitana pra fazer as vezes do seio materno, "tecnologia" insuperável em quaisquer dos aspectos defendidos pelo projeto em questão, conforme demonstra o spot espanhol abaixo:


E para aqueles momentos em que a mãe não está presente, o leite materno pode ser dado à criança em um copo de vidro, que pode ser daqueles de geleia de mocotó ou mesmo esse da imagem.



Para o copo, sugiro o seguinte texto promocional:
"Somos pessoas informadas, com uma dose suficiente de senso crítico"


https://www.kiinde.com/twist_product.php

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Ron Mueck e o mamaço na Pinacoteca de São Paulo




A primeira vez que soube do artista australiano Ron Mueck foi quando sua obra "Boy" foi exibida na Bienal de Veneza de 2001. A escultura representava um jovem refugiado da guerra da Bósnia, e o tema daquela edição do evento era "Plataforma da Humanidade".

Eu nunca tive pelo hiperrealismo maior admiração do que aquela que nos faz constatar a habilidade técnica do artista (como pode este quadro/escultura ser tão perfeito! Parece de verdade!). As obras, em si, nunca me sensibilizaram.

Mas o que Mueck faz com o hiperrealismo, entretanto, transita por uma outra esfera.
Ao variar as dimensões dos modelos originais, representando-os ora enormes, ora menores do que o real, o artista promove uma espécie de hipersensibilização do observador, como no caso do menino refugiado.
Uma espécie de lente nos permite perceber sentimentos de personagens que possivelmente nos passariam quase despercebidos numa fotografia ou num vídeo.
"Boy" adquire a proporção da intensidade de sua existência, da gravidade do momento que sua representação ao mesmo tempo congela e vitaliza.
E o curioso é que o mesmo acontece - esse engrandecimento de nossa percepção sobre sua presença- quando o artista reduz a escala na dupla de velhinhas, que parecem sentir-se verdadeiramente importunadas pelo olhar dos visitantes curiosos nas exposições.



Enfim, sou uma fã ardorosa do artista, comprei seu livro, persigo seus feitos. E fiquei muito triste ao visitar sua exposição no MAM, Rio de Janeiro. Irritada e mesmo traída pela profusão de selfies, de câmeras, de pessoas que diante DAQUILO, pareciam nem valorizar de verdade o que viam, fenômeno fartamente comentado na ocasião.
Achei certeira a expressão empregada em um dos artigos que li sobre esse fenômeno: "incontinência fotográfica".

Incontinência.
Como a incontinência urinária: a incapacidade de segurar a urina; ou a incontinência emocional: descomedimento no modo de agir, imoderação (Dicionário Online de Português)
Entendi a incontinência fotográfica como a automatização do gesto de fotografar, a incapacidade de conter a mão que saca o celular para bater uma foto, pois tudo tem que ser fotografado para provar que foi vivido. Vivido?

Daí que me impressionei muito quando soube que uma mãe que amamentava seu filho foi censurada por um funcionário da Pinacoteca durante visita à mesma exposição, agora em cartaz na capital paulista.
E antes que eu prossiga escrevendo, acho bacana reproduzir aqui  as esculturas incríveis que o artista elaborou sobre mulheres, gestação e maternidade, que não vieram para a mostra brasileira, mas que imprimem nos olhos da gente todo o respeito e admiração do artista pela natureza e pela natureza e sensibilidade humana:























Dificuldade, descomedimento? Eu poderia dizer que estamos em tempos de uma incontinência cultural?, essa vinculação automática  dos bebês às mamadeiras e aos leites artificiais, e a certeza de que, quando amamentados, isso não deve/não pode acontecer em público?

Que loucura essa "cultura" pela qual se censura os outros, pela qual se breca gestos correntes da vida em defesa daquilo que nos disseram e ainda dizem as indústrias, a propaganda e os modelos de comportamento "civilizado" que importamos sem nem sentir direito...

Daí eu fiquei pensando: a pessoa que sinalizou à mãe a necessidade de ela se recolher a outro espaço para alimentar seu bebê não viu a exposição (!). Pode ter olhado, mas não viu. Nem ele nem aqueles que o apoiaram nessa medida... porque, na minha cabeça, como ver as obras de Ron Mueck e não transcender a percepção rotineira que temos das coisas? ESSE é o efeito de suas obras, pra mim, ao menos. Um novo jeito de olhar para as pessoas, uma sensibilidade que sempre esteve lá, mas não percebemos de imediato, não costumamos acessar, não rola automaticamente...

......

Mas para cada ação, uma reação.

E São Paulo, mais uma vez, não deixou a cena passar em brancas núvens.
Coibição = mamaço.

A Matrice deu o recado, convidando as mães que amamentam para ver a exposição e lá amamentarem à vontade.










Tentando aqui, então, relacionar mamaço e Ron Mueck, o que pensei é que mamaço é uma espécie de hiperrealismo também, que lida com a escala também. Porém, diferentemente, ele não adiciona nem subtrai escala: a multiplica.
Ou seja, se uma mãe amamentando pode parecer estranho e censurável, muitas mães não o parecerão, devolvendo àquela mãe inicial a grandeza de sua atitude e dizendo a todos: vejam, é normal, é bom, e nos deixem com nosso sossego.

Além de fã de Ron Mueck, sou fã também de mamaços :o)

Coerente isso...



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Crise hídrica



Fomos pegos de assalto por essa falta de água no sudeste brasileiro.

A coisa está mesmo feia, com represas no "nível morto", racionamento, corte de água e aumento de tarifas.

Confesso que, embora há muito tempo eu esteja consciente da finitude dos recursos hídricos, de jeito nenhum imaginava que pudéssemos senti-la tão forte e assim tão cedo.

Mas os bebês, felizmente, podem ser protegidos da crise, podendo até contribuir para o racionamento se forem amamentados.

O leite humano tem tudo de que um bebê, dos 0 aos 6 meses necessita. A Organização Mundial da Saúde recomenda que ele seja amamentado exclusivamente durante esse período, sem que seja necessário oferecer-lhe água, chá ou sucos (é claro que para isso a mãe precisa estar disponível para alimentá-lo em livre demanda: pediu, recebeu. E, em caso de necessitar ausentar-se, deixar guardadinho o leite humano pra ser administrado à criança por meio de um copo). Então, se a mãe tiver acesso a água de qualidade, tudo estará resolvido.

Se, no entanto, o bebê for alimentado por leites artificiais em mamadeiras, fazendo uma lista básica e rápida daquilo que faz parte da nossa rotina teremos:

- água para a mãe beber
- água para o bebê beber
- água para hidratar o leite em pó;
- água para lavar e esterilizar a mamadeira

Essa última água, então, não é pouca... porque pra realmente garantir que a mamadeira fique livre das bactérias (que começam a se proliferar após 1 hora e meia do líquido exposto à temperatura ambiente, e sei lá se é isso tudo mesmo nesse calor), a lavagem precisa ser completíssima, esmeradíssima. É só pensar no fato de que o produto é composto de muitas partes, que se conectam por roscas. Roscas que constituem um ambiente ideal pras tais bactérias de esconderem e se multiplicarem (!). Além do bico em material aderente, aquela coisa que "cola".

Ilustração de Fernando Carvalho

Por isso as agências internacionais de saúde recomendam que, em situações de emergência, o que mais poderá proteger as crianças é a preservação da amamentação.

A natureza está nos pondo à prova... mas acho que ela pensou em deixar guardadinho um recurso maravilhoso para proteger as crianças.





sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A voz da experiência




1990
Av. Rio Branco, Rio de Janeiro
Bilhete do chefe (venezuelano) para mim (designer)
Nossa tarefa: o livro que registra a memória técnica da Usina Hidrelétrica de Itaipu
Motivo do bilhete: agradecimento pelo empréstimo do livro abaixo




Minha filha já tinha perto de um ano quando a mulher do meu chefe engravidou.
Ele, Gustavo Reyes, havia sido muito paciente comigo perante as inúmeras solicitações que lhe fiz quanto a alteração de horário de trabalho, de modo a atender minha filha nas muitas solicitações que me fazia quando pequena. Gustavo franzia um pouco a testa, suspirava um pouco, mas acabava por consentir cada um dos meus pedidos com um sorriso pequenininho, assim, no canto da boca.

Até que um dia ele trouxe a notícia: estava grávido!

E quando o bebê nasceu, era ele quem chegava sempre atrasado, com aqueles olhos fundos de quem mal conseguira dormir.

O que há, Gustavo?
Estamos tendo problemas para alimentar o bebê...

Eu havia ganhado de uma colega, Anita, o livro do Dr. Carlos Beccar Varela assim que engravidei. No dia seguinte, o levei pra ele. E algum tempo depois o livro me foi devolvido com esse simpático bilhetinho.

Isso não foi suficiente para nos livrar da adesão às mamadeiras naquela época. Mas ajudou muito, garantindo que por algum tempo os bebês fossem amamentados.

Hoje as coisas evoluíram muito, felizmente. Há farta informação sobre o assunto disponível para contrabalançar a perigosa influência da cultura dos leites artificiais e mamadeiras.

As pessoas se ajudam, uma mão lava a outra, no melhor sentido dessas expressões.