domingo, 9 de outubro de 2016

Sobre os recentes acontecimentos no Brasil


Die drei lebensalter - Gustave Klimt


Na última semana vimos a aprovação da PEC 241 pela Câmara dos Deputados, a fala da primeira dama Marcela Temer sobre o Programa Criança Feliz, e a carta aberta da ex-deputada gaúcha Manoela D'Ávila a Marcela.

Sobre a primeira notícia, compartilho da grande preocupação em ver as leis trabalhistas arrastadas pela correnteza neoliberal que prioriza os interesses econômicos, relegando a um plano inferior os interesses sociais, os direitos das pessoas. Estamos, há tempos, sob esse regime neoliberal, mas ampliar ainda mais esse passe é coisa grave.

Sobre o segundo ponto, não o estranho mais do que a tantas outras medidas que vêm sendo tomadas a nível federal. Na verdade faz muitos e muitos anos que tenho me disciplinado a torcer por nossos governantes, embora não tenha colaborado para elegê-los, e tal postura tenha realmente me trazido algumas boas notícias. Mas me incomoda, também,  o modo como são dirigidas as críticas ao caso, num discurso polarizado que "institucionaliza" ainda mais a incompatibilidade desses polos.

Justo isso motiva minha impressão sobre a carta da ex-deputada, recheada de informações relevantes e muito bem embasadas, mas nada diplomática (embora por vezes até tente parecer). Eu não esperaria diplomacia mesmo nessa correspondência e é exatamente isso o que me causa mais preocupação, essa coisa inconciliável.

Tenho tentado me manter afastada das discussões políticas, pelo fato de estar atravessando um momento de grandes perdas familiares, meus pais, e também por não me identificar com qualquer dos polos que protagonizam a cena. Mas como o assunto chegou à seara da infância, da maternidade e da paternidade, naturalmente me vi pensativa, e utilizo o blog pra dividir esses pensamentos, nada conclusivos - diga-se de passagem.

Há poucos dias eu li um artigo sobre o lançamento do livro de Márcio Tavares D'Amaral, no qual ele comentava a situação que atravessamos no Brasil:

O que perdemos hoje foi a convicção de que não estamos inteiramente certos, que não podemos ter certeza da totalidade da realidade. E que aquele de quem discordamos e que discorda de nós tem alguma coisa [algum motivo] para dizer o que diz. Não é louco, nem idiota. E eu quero saber qual é essa coisa. Isso supõe uma atitude de boa-fé e está sendo impossível (aqui).

Tenho plena consciência e entendimento de que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) altera as leis trabalhistas e abre as portas para regimes exploradores de trabalho, privilegiando o lucro das empresas, e penso no quanto isso nos inclui ainda mais no cenário de exploração mundial que permite a produção das coisas que, é preciso dizer, aqui e em tantos outros lugares prosseguimos consumindo (como roupas, calçados, eletrônicos e alimentos de marcas consagradas no mercado ). A cultura do consumo alimenta esse sistema, a força das estratégias de comunicação nos faz confiar nessas marcas, nos faz nem querer pensar em como esses produtos foram produzidos. Claro que muitas coisas vêm mudando, mas o poder das grandes corporações está longe, longe de ser vencido.

Pelo pouco que li sobre o Programa Criança Feliz, vejo que o problema realmente está na conjunção entre ele e a PEC aprovada, pois se mudam as leis trabalhistas, quem cuidará das crianças? Essa minha frase pode parecer ingênua, mas foi isso que entendi, que a licença maternidade de seis meses - recente conquista, poderá vir por água abaixo.

Poderá? Isso e todas as consequências dessa medida são muito, muito graves.

Daí me lembro de uma coisa chamada "questão de Estado".  Uma questão de Estado está livre das diferentes condutas dos governos, mantendo-se assegurada, com mais ou menos incentivo no decorrer dos anos, mas firme graças à atuação de seus defensores e representantes.

Então, é assim: nenhum governo brasileiro conteve o crescimento das indústrias de fórmulas infantis, financiando inclusive sua entrada e permanência em nosso território, mas todos os governos, em maior ou menor medida, incentivaram a política de Bancos de Leite Humano, ao ponto de hoje sermos referência mundial nesse setor. O mesmo para as leis de controle de comercialização desses produtos, arduamente batalhadas por muito tempo e finalmente aprovadas. Não que isso resolva, porque não resolve, mas é a realidade que vivemos.

Já trabalhei para o governo (do estado do RJ) durante alguns anos. Durante esse período, vi projetos sendo engavetados a cada vez que mudava o responsável pela Secretaria....

O que penso é que há coisas que precisam ser mantidas, protegidas, salvaguardadas como políticas de Estado. Essas coisas têm atributos capazes de reunir em torno de si polos antagônicos.

Têm?