domingo, 26 de março de 2017

Todo mundo tem seu preço?



Acho que todas as pessoas se consideram corretas. Ou ao menos uma boa parte daquelas que na verdade não o são não pararam pra pensar naquilo que fazem.

Quando estamos de frente para oportunidades, quando nos são oferecidas chances, paramos pra pensar naquilo que estará implicado em nossa aceitação dessas oportunidades e chances? Do que passaremos a participar ativamente? Qual a história da empresa ou da iniciativa que nos convidou? Ela há de ter uma fachada incrível, e falar muito bem de si, claro. Mas iremos nos dar por satisfeitos com essas informações? Iremos nos abandonar aos seus encantos? Acreditamos no que realizam ou esqueceremos (um pouco?) aqueles valores que (achávamos) tínhamos para adentrar nesse empreendimento que tantas coisas boas nos tem a oferecer? Afinal, sempre haverá alguém que aceitará a oportunidade: por que não abraça-la?

Situações assim fazem parte do dia a dia de todos, parte da realidade profissional de muitos e o fruto de cada uma dessas decisões acaba reverberando na realidade da gente, na qualidade dos produtos que consumimos, na mentalidade vigente, no futuro de nossos filhos.

Como professora em curso de Design não tenho (e nem quero ter) como fugir dessa discussão. As corporações muitas vezes oferecerão aos futuros profissionais as tais oportunidades. E caberá a cada um decidir o que fazer, solitariamente.

Daí que me viro pra buscar exemplos, abrir debates e trazer um conteúdo útil, como esse modelo de avaliação ética, proposto pelo Prof. Danilo Marcondes. Ele é um craque na matéria, professor de filosofia lá da PUC, e em palestra recente brindou a assistência com um modo simples pra ajudar a gente a pensar e responder à seguinte pergunta: o que é que estou fazendo?

1. Ação refletida - parar pra pensar e não agir sem pensar, de modo a que a decisão a ser tomada seja consciente;
2. Transparência - ao tomar a decisão, nada terei a esconder sobre minha atitude, minha escolha;
3. Reciprocidade - decido por algo que não causará a outra pessoa aquilo que eu não aceitaria que fosse causado a mim;
4. Solidariedade - que a decisão seja em prol do bem comum e do interesse coletivo;
5. Coerência - é preciso praticar aquilo que se prega.

Sobre a ação refletida, localizo logo aí o maior problema. Porque envolve parar, se informar pra valer, consultar os próprios valores. E hoje as coisas acontecem tão "a toque de caixa" que a prática da reflexão vem caindo em desuso. E só mesmo dedicando um tempo a gente consegue estudar a questão, se informar bem, ir além do que aparece mais superficialmente, do que todo mundo acha sobre aquilo, pois muitas vezes todos estamos enganados sobre aquilo.

Quanto à transparência, acho que tem a ver com poder deitar a cabeça no travesseiro, numa boa. Nada a esconder, um livro aberto pra quem quiser folhear.

Eu até conjugaria reciprocidade e solidariedade numa coisa só. O bem comum nos inclui, fazemos parte da coletividade, então nada farei que venha a me prejudicar, uma vez que sou membro desse grupo.

E sobre coerência, muito importante isso. Todos temos compromissos, com a gente mesmo, com nossa família e amigos, com nossa profissão e com os valores a serem defendidos nessas diferentes searas. Às vezes isso se dá sem que tenhamos que assinar um papel, como acontece no círculo familiar e afetivo. Mas profissionalmente assumimos compromisso formal com códigos de conduta e temos responsabilidade sobre todos os nossos atos.

Pois bem, tudo isso pra dizer há alguns dias quase caio da cadeira ao receber a informação de que há um movimento nos Estados Unidos  justificando a fórmula infantil em lugar de “forçar” o aleitamento materno e causar desidratação e levar RNs a “passarem fome”.

Visite fedisbest, role um pouco a tela e assista a um filminho em que o narrador é um bebê que pede à mãe que lhe dê complemento. De arrepiar..., que monstros! Ainda por cima tem uma petição, isso mesmo, uma petição em defesa da complementação. E ainda por cima as co-fundadoras do movimento são consultoras da IBCLC (International Board Certified Lactation Consultant).

Há vários membros dessa instituição no Brasil. Eu conheço alguns e estou informada de que o assunto será visto com o nível necessário de seriedade e coerência.

O fato é que as corporações estão cooptando os movimentos sociais: se há petições em prol de causas, utilizemos também essa linguagem da sociedade civil e façamos petições em prol dos nossos próprios interesses.As pessoas nos adoram, adoram nossos produtos e a modernidade que lhes ofertamos. Não temos nada a perder!

E não têm mesmo, porque essa turma continua ganhando mais e mais adeptos a cada dia ... Diz pra mim se não ficamos seduzidos e encantados com as novidades do universo de produtos industriais para bebês?

Gente, está mais do que na hora de a gente parar sempre pra pensar, pra duvidar daquilo que nos dizem com tanta eloquência, belas imagens e discursos "fofinhos".

Vamos confiar em nossa intuição e na capacidade de crítica que temos.