sábado, 4 de novembro de 2017

Sobre rede de apoio

Pierre-Auguste Renoir
Hoje reproduzo aqui texto de minha filha, Adélia Jeveaux, sobre rede de apoio.

Rede de apoio, oi? O que é isso?
Volta e meia, quando emito algum comentário mais específico sobre o universo do cuidar de bebês e menciono que sou parte da rede de apoio de várias puérperas, tenho um olhar de confusão como réplica. Mesmo na faculdade de psicologia, por vezes a menção ao conceito de rede de apoio é recebida com algum estranhamento, o que me intriga. “Ué, mas quem faz isso não é a babá?” “Ah, mas é a família que ajuda nessas coisas, né.” Pois bem, sim e não.
Rede de apoio é a ideia de que a chegada de um bebê a um grupo, seja esse grupo a família ou a família estendida que inclui os amigos, é algo que mobiliza as pessoas. É a noção de que o entorno deve se implicar no processo de cuidar da criança e proporcionar um bom ambiente pra que ela se desenvolva. Não se trata de um mutirão pra fazer tarefas específicas, nem de abdicar da sua vida em prol do filho dos outros. Ser rede de apoio é, antes de tudo, fazer-se acessível e disponível. Nem sempre vai envolver uma ação concreta, mas o simples fato da mãe saber que pode te acessar já representa um pequeno conforto. 

Na maior parte das vezes, ser rede de apoio é comprar coisas no mercado, fazer uma comida, lavar louça, pendurar roupa no varal. Mas muitas vezes é dar colo pra mãe, dar colo pro bebê, dar colo pro pai. É ouvir e acolher o que vem deles, o que eles precisam externalizar, e conversar, seja pra falar do assunto bebês ou pra distrair do assunto bebês. É, também, cuidar ou se oferecer pra cuidar do neném pra que os pais possam aos poucos retomar a vida de casal. Além disso, rede de apoio é a ideia de que a mãe (e o pai, mas mais a mãe) também precisa de cuidados, porque há uma demanda enorme de energia e atenção que não deixa espaço pra outras preocupações cotidianas. Também envolve não criticar, não julgar e respeitar as decisões do casal sobre alimentação e instrumento de alimentação. Se possível for, compartilhar informações ou contatos que possam aprofundar assuntos específicos que estejam em questão, mas acima de tudo o papel da rede é o de dar a mão e encorajar a seguir em frente.

Sobre o quanto venho aprendendo com os bebês eu já escrevi, mas não poderia deixar de dizer o quanto aprendo com e o quanto admiro as mulheres e homens ao meu redor que estão desbravando essa viagem de disco voador que é receber uma pessoinha.
Obrigada por me deixarem estar por perto.


Rede de apoio é o reconhecimento de que o puerpério é muito difícil, de que há muitas transformações em curso o tempo inteiro, e de que um dia que começa bem e tranquilo pode se transformar num caos em poucas horas. Como diz uma amiga, ter neném pequeno é viver na Band News, porque “em 20 minutos tudo pode mudar”. Claro que cada experiência é uma experiência, mas, em grande medida, pouco se fala publicamente sobre as agruras das primeiras semanas ou meses após o nascimento de uma criança, e as mães se vêem jogadas numa provação que metaboliza muita angústia. Não precisa ser assim.
Winnicott fala que o bebê é um fardo que a gente resolve chamar de bebê, e, portanto, se mobiliza para cuidar e acolher. Essa afirmação pode soar tão dura quanto libertadora, e estar numa rede de apoio proporciona o contato com ambas as facetas desse momento tão crítico da vida. Porque apesar de a internet e o empoderamento feminino gerarem trocas muito ricas de informação, apesar de haver curso de parto, curso de amamentação, curso de primeiros cuidados etc, a realidade, ainda assim, traz desafios e situações pras quais pais e puérperas não estão preparados, e vão precisar de ajuda. Ser rede de apoio é trocar fralda e acalmar choro, oferecer o ombro, mas às vezes é resolver coisas triviais, tipo repor o detergente, mas que ajudam a aliviar a carga.
Em última instância, ser rede de apoio é um ato político, porque ajudar a cuidar de crianças é um ato político. Quem quer que tenha inventado essa ideia de que o puerpério é algo que só diz respeito à mãe, talvez também à avó, e deve ser vivido e superado na solidão e na clausura de casa, por conta de uma noção cruel que equipara maternidade a dar conta de tudo, essa pessoa é um vilão da nossa história. É um ato político pelo aspecto do feminismo, porque é uma forma de se unir em prol das mulheres. É político pelo aspecto da crescente terceirização da infância, porque é uma maneira de encarar a necessidade real por ajuda de forma colaborativa e implicada, entendendo que ajuda profissional (de babás, empregadas, consultoras etc) é uma enorme mão na roda, mas não precisa ser a única opção pros pais e mães de recém-nascidos. É político por conta do capitalismo, que nos pressiona a sempre sermos produtivos e a fazer escolhas cruéis, mesmo nos momentos mais difíceis.
Que fique claro: ninguém é obrigado a se prontificar a fazer parte de rede de apoio de ninguém. Apenas quis compartilhar algumas reflexões que essa experiência intensa vem me trazendo. 

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