sábado, 22 de fevereiro de 2020

De como as coisas acontecem



Em 2007 eu pedi a uma amiga de meu marido - médica do Instituto Fernandes Figueira, que conseguisse uma oportunidade para que eu pudesse entrar lá e mostrar para alguém alguns trabalhos desenvolvidos por meus alunos, vinculados a UTI neonatal e a amamentação. Ela conseguiu, e levei comigo uma querida aluna de cabelo azul. Fomos recebidas pelo diretor do Banco de Leite à época, João Aprígio Guerra de Almeida, que viu os trabalhos com muito interesse, dizendo do quanto era importante agregar cada vez mais pessoas à proteção, incentivo e apoio à amamentação, assim como que nos convocando, sabe?

Na época eu cursava meu doutorado em Design na PUC-Rio e desenvolvia uma pesquisa voltada para os Direitos Humanos, mas ainda sem recorte delimitado. Estava ali no IFF só porque sempre achei um desperdício bons trabalhos de alunos de Design não virarem "de verdade".

Achávamos que o encontro se encerraria com aquela conversa, mas ele fez questão de nos apresentar a seu colega, o pesquisador Franz Novak, no laboratório. Mais novidades, mais daquele clima de convocação até que ele me perguntou: _Já que é designer, você sabe que as mamadeiras fazem mal?

Eu não sabia. Ele me explicou. Me emprestou o livro de João Aprígio, Amamentação, um híbrido natureza-cultura e a tradução do relatório The baby killer, de Mike Muller. Daí nos levou pra outra sala, pra conhecer Sandra Pereira, responsável pela comunicação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, que naqueles tempos passava a ser Ibero-Americana (os dois, João e Franz, ficavam viajando pra muitos países para multiplicar a experiência brasileira). Sandra anotou meu endereço de e-mail e depois me deu livre acesso ao rico banco de imagens que eles acumulavam.

Caramba ... eu tinha ido lá pra mostrar os projetos dos alunos ... mas esse lance de eu ser designer e nunca ter parado pra pensar que a mamadeira pudesse fazer mal me abalou muito. Amamentei minha filha, mas lá pelas tantas a migração pra mamadeira foi feita sem questionamento algum...

Na PUC. Rafael Cardoso era meu professor na disciplina História do design brasileiro, do doutorado. Chegando ao fim do semestre, fui percebendo que eu só queria saber de ler os livros que Franz havia me emprestado, deixando outros conteúdos da tese de lado. Até que um dia Rafael me deu um ultimatum: afinal qual seria o tema de meu trabalho para a sua disciplina?

Eu me deixei levar pelas evidências e mergulhei na análise da campanha do Ministério da Saúde Madrinhas da Amamentação, nadando naquele monte de imagens que Sandra havia me enviado, movida pela indignação com o estado das coisas referentes ao tema.

Eu estava irreversivelmente contagiada. E foi assim que entendi que meu trabalho sobre os Direitos Humanos e o envolvimento estrutural do Design com as políticas econômicas tinham, na mamadeira, um objeto-símbolo.

Escrevo tudo isso para dizer que João Aprígio recentemente ganhou um prêmio incrível pelo seu trabalho. Seu e de toda a sua equipe, como ele insiste em frisar. Ele ganhou o prêmio Dr. Lee Jong-wook de Saúde Pública de 2020, conferido pela Organização Mundial de Saúde, por seu trabalho na promoção do aleitamento materno no Brasil e no mundo. E sabe aquela rede ibero-americana de bancos de leite que eu citei? Ela se tornou Rede Global de Bancos de Leite Humano!

Mas contei toda essa história, coroada pela participação dele em minha banca de doutorado, porque acho que ela revela um pouco do jeito que um trabalho dessa monta precisa ser pra prosseguir, crescer, se disseminar. João Aprígio parece não desprezar nenhuma oportunidade de agregar pessoas e interesses para essa grande causa, com atenção, delicadeza, seriedade e paixão pelo que faz.

Eu fui literalmente abduzida e agradeço pelo sentido que tudo isso deu à minha vida.










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