sábado, 28 de maio de 2016

Números



Ontem, em conversa com uma amiga, nos vimos intrigadas com o poder dos números. Trinta, foram trinta caras que estupraram a menina.

Essa contagem vem sendo feita em vídeos a que assisti então desde cedo no Facebook, representando essa violência superlativa. Mesmo o número um seria abominável.

Não seria: é. No telejornal da manhã ouvi que, no Brasil, a cada 12 minutos acontece um estupro. Numa conta grosseira, 4 por hora x 24 = 96 estupros por dia.

Números ..., números tantas vezes são assustadoramente grandes, mas os abstraímos. Quando se concentram sobre uma só vítima, se revelam para além, muito além da "medonhês" possível. Mas quando esparsos, pulverizados, de alguma maneira se acomodam em seu estatuto de índices.

Mulheres...

Repito aqui a frase retirada do artigo sobre os índices mundiais de amamentação publicada na revista científica The Lancet e citada em meu recente post "Por que amamentar?":

"A melhora nas práticas de amamentação poderia prevenir, a cada ano, as mortes de 823.000 crianças menores de 5 anos e de 20.000 mulheres por câncer de mama". 

Essa criançada toda morre por ano; essas mulheres todas adoecem por ano.

Além de nos colocarmos contra a cultura do estupro, acho que precisamos também nos colocar contra a cultura do consumo, que nos aparta de nossas capacidades naturais e da necessária paciência e cuidado para lidar com elas. A publicidade vai nos seduzindo a acatar os conselhos de indústrias que querem lucrar apelando para o espaço vago de que dispomos por dentro, vago de cuidado, de autoconfiança, de parceria e ajuda entre pessoas conhecidas.

Comprem!, comprem!, nossos produtos são superiores e lhe trarão conforto e independência. Nós garantimos!

Essa cultura do consumo também faz com que a gente tenda a passar batido por outros números, aqueles que revelam a exploração trabalhista dos produtos que consumimos. Pessoas que trabalham 16 horas por dia, encerradas em espaços impenetráveis pela informação, que recebem centavo, ou mesmo fração de centavo, pela confecção de uma peça que nos é oferecida a preços "módicos" pelas grandes marcas.

A gente passa batido por tanta coisa, porque é tanta coisa gritando que não dá nem mais pra ouvir...
E no dia seguinte a gente precisa ter forças pra seguir, afinal.

Seguir
Mas não com trinta,
Não com 96 estupros por dia,
Não com 823 mil crianças mortas por ano,
Não com 20 mil mulheres adoecidas
Não com tantas vidas usurpadas pelo ritmo explorador das grandes corporações,
Nem com devastações de espaços naturais, acabando com o habitat de espécies e utilizando mão de obra infantil,
Tampouco com esse monte de outras coisas de que você se lembrou agora lendo isso.

Nosso mundo... eu queria pegar ele nas mãos, com todo o cuidado, e tratar de suas imensas feridas. Mas eis um trabalho que só se pode fazer em conjunto.

Talvez, se lembrarmos desses números todos os dias e procurarmos dar a nossa marca a cada uma de nossas escolhas e ações diárias, adiante um pouco.

Ao menos seremos muitos.

2 comentários:

  1. Adorei a reflexão. Realmente a cultura do consumo foca no... consumo, no produto e trata os humanos como cifras, e cifras, como sabemos, não sentem. Minha única ressalva ao texto seria que a luta contra a cultura de consumo e a de estupro podem coexistir, sem elencar prioridades em dois assuntos relativamente próximos e totalmente urgentes.
    bjs

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  2. Sem dúvida, Ártemis, a ideia é que as lutas precisam ser simultâneas, em múltiplas frentes, tudo sendo prioridade máxima. Foi justo isso que tentei expressar. Obrigada pelo comentário.

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