domingo, 16 de junho de 2013

Mamadeiras: Rio x Venezuela

É impressionante detectar que a informação que nos chega nunca está pronta, nunca é suficiente, nunca imparcial.

Esta semana, mesmo depois do protesto no Centro do Rio de Janeiro, durante um intervalo comercial na TV Globo, apareceu um "lindo" spot da Prefeitura desta cidade enaltecendo seus feitos no âmbito do transporte coletivo. Acabo de fazer uma busca exaustiva por este vídeo, mas acho que ele há de estar muito bem escondido....

O discurso era o seguinte: a prefeitura está providenciando melhorias para facilitar a vida dos cariocas, trazendo-lhes conforto, agilidade, qualidade e... condições para que sua vida fique cada vez melhor. E para ilustrar essa parte final, aparecia uma cena de uma mãe preparando uma mamadeira, que foi oferecida a um menino de cerca de três ou quatro anos de idade.

1) foi muito louco ver uma propaganda do governo falando maravilhas de um sistema que, justo nesses dias, está servindo de gota d'água para a expressão da insatisfação dos cariocas (e dos brasileiros);

2) o preparo da mamadeira entrou no roteiro como símbolo de qualidade de vida, de afeto, de condições dignas para a população, aquela máxima de "garantir o leite das crianças".

O spot é lindo, muito bem realizado, e quem o assiste tem motivos de sobra pra acreditar no que vê: que o Rio está progredindo a passos largos no campo do transporte público de qualidade e que uma mamadeira dada a uma criança é sinal de que ela está sendo bem atendida por seus pais, agora com mais chance de lhe dedicar a atenção devida.

Só que estas duas afirmações são falaciosas. E quem o diz são os cariocas que penam pra se deslocar na cidade e a Organização Mundial da Saúde que luta há quase 40 anos pra diminuir a morbidade e mortalidade infantis provocadas pelos leites artificiais em mamadeiras, que matam cerca de um milhão e trezentas mil crianças anualmente em todo o mundo.

Mas agora, façamos um corte neste relato para analisar um outro fato.

Na Venezuela, uma deputada chavista quer proibir o uso de mamadeiras no país, com vistas a incentivar o aleitamento materno. http://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/deputada-da-venezuela-quer-proibir-uso-de-mamadeira-para-bebes,e7ee2aa7dc04f310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

Odalis Mozón defende que a iniciativa faz parte de uma reforma da Lei de Proteção, Promoção e Apoio à Amamentação, que propõe a proibição de todos os tipos de mamadeira, exceto para filhos de mães doentes (HIV, por exemplo) e crianças órfãs.

O assunto está irritando os críticos do governo, que alega excesso de intromissão do Estado venezuelano na vida privada dos cidadãos. Alega-se que cada um deve ser livre para determinar a forma com que deseja alimentar seus filhos, enquanto o projeto alega que as multinacionais estão afastando as famílias com suas ofertas que afastam as pessoas da prática da amamentação.

Mais uma vez a gente se depara com uma informação que exige crítica e aprofundamento para ser compreendida. A tradição chavista, ao menos aos nossos olhos estrangeiros, tende a ser entendida como supressão de liberdades. E, também aos nossos olhos, a mamadeira e os leites artificiais são um símbolo de liberdade e de modernidade.

Mentira.

A deputada está defendendo uma conduta compatível com o consenso científico alcançado na seara da segurança alimentar infantil. Claro que o ideal seria que esse consenso se tornasse público de maneira não impositiva. Mas quem faz os lindos filmes nos quais acreditamos são as indústrias de leite artificial, e neles acreditamos, como se fossem os bastiões da nossa tão prezada liberdade.

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