domingo, 25 de novembro de 2018

Infância roubada




Ontem, sábado, me programei pra assistir ao GloboNews Documentário sobre as crianças suecas apartadas de suas famílias pelo governo, pelo fato de suas mães serem adolescentes ou não terem marido, ou simplesmente por serem de famílias pobres. Encaminhadas a orfanatos religiosos, eram vistas como "fruto do pecado" e expostas a terríveis situações. Com "sorte", eram conduzidas (ou vendidas e até leiloadas) para fazendeiros, que as tratavam como empregados, muitas vezes em situação de escravidão mesmo, submetendo-as a abusos psicológicos e sexuais.

Eu já havia tomado conhecimento disso há alguns anos. Um de meus alunos, brasileiro mas de família sueca, surpreendeu a toda a turma ao revelar essa prática em país que elogiávamos momentos antes. Coincidentemente, naquele final de semana encontrei na TV este filme de 2011, dirigido por Markus Imboden, que recebeu o título internacional "The Foster Boy". "Der Verdingbub" pode ser traduzido como BUB / criança, pirralho; VERDING / contrato. Até meados do século XX essa realidade permaneceu no país, e só recentemente o governo reconheceu o fato, se desculpou com os afetados e deu cerca de R$ 100 mil a cada um.

Bom, foi apenas assistindo ao documentário ontem que me "caiu a ficha" de que convivi diretamente com pessoas que passaram por isso na família.

"Irmãos de criação", "Filhos de criação" de parentes, nem sempre negros mas sempre vindos de famílias pobres, sempre tratados como empregados e nunca como filhos adotivos. Algumas vezes negociados por seus pais, ou deles simplesmente apartados, trabalhavam pesado sob o véu social de filhos adotivos: _Foi quando adotei uma negrinha.

Já ouvi essa frase. Essas "casas de família" pareciam constituir a única saída para essas crianças, e elas chegavam com cinco, dez, doze anos lá. Abusos terríveis que nunca se apagaram e que vieram a afetar suas vidas, as famílias que formaram depois, a postura, o olhar. Conheci quatro pessoas, muito, muito próximas que passaram por isso, e que mesmo a um certo momento libertas, carregaram o peso o resto da vida.

Crianças ... Há muitos anos também levei um choque ao aprender com Philippe Ariès, em seu livro "História Social da Criança e da Família", que apenas a partir do final do séc. XVII a sociedade ocidental começou a deixar de ver as crianças como adultos pequenos, a deixar de impacientemente aguardar que crescecem para se tornarem produtivos, passando a infância a ser reconhecida como uma fase de desenvolvimento, formação.

Eu hoje troquei as carinhas que compõem o plano de fundo do blog. Estou bem mais craque em desenhar bebês e crianças, como poderão ver em um produto a ser lançado no ano que vem. Mas isso é só um parêntese.

A história da Suiça inclui esses fatos; a minha história inclui fatos semelhantes; o mundo nunca esteve para brincadeiras, embora tentemos nos agarrar às coisas belas, corretas e boas.

A infância precisa ser cultivada e respeitada.

Toda a minha admiração, respeito e reconhecimento por aqueles que tiveram a infância roubada.

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