segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Mamadeira, órtese ou prótese (uma reflexão)



Em tempos de Paralimpíada, tenho pensado muito no quanto a inventividade, criatividade e persistência dessa nossa espécie pode gerar aparatos capazes de minimizar problemas, das mais diferentes naturezas, que caracterizam esse nosso mundo.

Visitando o Science Museum, em Londres, fiquei impactada com essas prótese para crianças vítimas da Talidomida (medicamento que foi receitado como atenuante para o enjoo de gestantes, acarretando algumas gerações de crianças sem membros - ora pernas, ora braços). O remédio foi sendo proibido no mundo, o que tardou a acontecer no Brasil.




Daí fui procurar o significado dos termos "órtese" e "prótese".

As órteses são aparatos que auxiliam um membro humano, aumentando sua performance. Já as próteses, substituem um membro inexistente. Ou seja, os óculos são uma órtese e o que temos na imagem é uma prótese, já que as crianças não têm as pernas ou partes delas.





Amy Purdy, a bailarina que nos encantou na cerimônia de abertura das Paralimpíadas, se utiliza de próteses, e achei incrível a concepção de sua dança, tendo um robô, uma máquina como par. Graças àquela inventividade e obstinação citada no começo desse texto, a tecnologia surge e contribui enormemente para que ela deslize ao som da música, com tanta graça e leveza.

Mas há situações em que essas definições não resolvem tudo...

O que dizer daquele momento em que recorremos à calculadora do celular para fazer contas simples? Temos o órgão, o cérebro, e ele é capaz de resolver a operação matemática. Mas cada vez ele é menos utilizado. Isso também se aplica a inúmeros outras operações e atividades que somos plenamente capazes de realizar, mas entre nós e a tarefa se interpõem objetos e produtos dos quais passamos a depender intensamente, muitas vezes atrofiando nossas capacidades naturais.

É claro que isso é complexo e tem pros e contras. A invenção do alfabeto, por exemplo, reduziu nossa capacidade em memorizar e quase inabilitou a história oral (envolvendo nesse processo o papel das pessoas idosas). Mas possibilitou o registro e a democratização do conhecimento. Isso é muito e bom também.

E o que pensar das mamadeiras? Órteses ou próteses?

Acho que as mamadeiras exigem mais conexões de raciocínio antes de poderem ser encaixadas nessas definições...

Se órteses auxiliam a performance de um membro, nos deparamos aqui com uma externalidade, sei lá... porque o seio materno está fora da criança, está na mãe. E a mamadeira não aumenta a performance do seio. Ao contrário, o uso da mamadeira a reduz, uma vez que com a diminuição da sucção, a produção de leite materno é interrompida.

Então será a mamadeira uma prótese? Acho que sim, uma prótese que entra no lugar do seio e da amamentação, mas tantas vezes sem que ela seja efetivamente necessária. Ou seja, o seio está lá, a amamentação se faria possível em muitos casos, mas opta-se por não utilizá-la, atrofiando-a, substituindo o seio pela mamadeira.

Uma prótese, como a calculadora do telefone celular, cujo uso - influenciado pela cultura industrial e do consumo- se torna quase involuntário.

E me vem à memória um paralelo traçado por Andrew Radford (coordenador da Baby Milk Action):

Os aparelhos de diálise são capazes de realizar as funções dos rins quando necessário; a mamadeira pode realizar a função do seio materno em caso de necessidade. O problema é que ninguém propõe que os aparelhos de diálise substituam os rins, mas é proposto que a mamadeira substitua o seio materno.

E esse paralelo me conduz a um parágrafo central em minha pesquisa:

Seria mesmo estranho que as inúmeras situações em que se faz necessário uma alternativa à amamentação não desencadeassem o desenvolvimento de produtos por uma sociedade inteligente e inventiva. O problema reside no quão adequada e eficaz vem demonstrando ser a alternativa criada e no grau de adesão que ela vem sendo capaz de suscitar, apesar dos graves problemas e impactos que pode provocar.

O fato é que nada pode superar ao brilhantismo da solução com que a natureza nos dotou nesse caso. Costumo dizer: é tecnologia de super-ponta!




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