sábado, 19 de abril de 2014

Sobre o curso "O consumismo infantil" - aula 2

Laís Fontenelle ministrou a segunda aula do curso. Ela é do Instituto Alana, de São Paulo, que dentre muitas outras funções importantes em defesa das crianças produziu o documentário "Muito além do peso" - uma denúncia sobre o quanto a infância brasileira vem sendo cooptada pela indústria de alimentos nada saudáveis. Pra quem ainda não viu, super vale à pena assistir!



A aula foi muito rica de informações, mas novamente aqui vou me restringir a compartilhar algumas notas que fiz e tecer comentários sobre o que mais me chamou a atenção.

Laís começou contextualizando o papel da criança na história, lembrando que apenas muito recentemente (séc XVII/XVII) a noção de infância surgiu, pois antes disso as crianças eram consideradas adultos pequenos, já que improdutivos, desconsiderados até mesmo nas representações pictóricas. Sugerindo a leitura do livro "O desaparecimento da infância", de Neil Postman, citou um trecho em que o autor sublinha a importância do surgimento da prensa tipográfica na configuração da noção de infância, pois aprender a ler foi desde então se tornando um divisor de águas no reconhecimento da criança enquanto sujeito da sociedade.

Hoje, diante de todos os aparatos de informação e de comunicação, antes e mais do que aprender a ler, o conhecimento é transmitido por imagens (na TV, nos Ipads, Iphones etc., mídias detentoras de eloquente papel pedagógico nessa nossa cultura), e alarmantemente o que define a criança como sujeito social é o fato de que ela pode consumir.

Pesado isso, não é? Mas real....

Um mercado imenso de produtos mercantiliza a infância; o ritmo alucinante da vida dos pais se torna permissivo à terceirização dessa mesma infância, delegando a produtos e serviços os cuidados com os pequenos.

Laís mostrou alguns anúncios voltados para as crianças realmente infames e falou da luta do Instituto Alana no sentido de proibir publicidade voltada a esse público, poucos dias depois da primeira vitória alcançada no Brasil: http://defesa.alana.org.br/post/82994668848/entenda-a-resolucao-que-define-a-abusividade-da

E daí veio, pra mim, a bomba da noite: a notícia de que hoje existe uma área do marketing com foco também para os pequenos, o merchantainment - a fusão entre propaganda e entretenimento. Segundo o blog Consumismo e infância:

"O merchantainment está em todos os lugares. A Disney World, por exemplo, realiza para seus funcionários cursos sobre o tema, com o objetivo de formar “merchantainers” que criem uma experiência positiva aos visitantes do parque no intuito de que eles comprem mais produtos. No entanto, é quando a prática chega ao mundo digital que ela ganha mais força, com a geração de conteúdo lúdico móvel, sites e redes sociais com objetivos mercadológicos. A Ralph Lauren Kids, por exemplo, começou nos Estados Unidos uma nova campanha chamada RL Gang, que consta de um livro e um filme na internet onde os personagens usam roupas da marca que estão à venda nas lojas. Ao assistir o vídeo, crianças podem clicar nos seus personagens preferidos para comprar seus guarda-roupas. Esse tipo de ação publicitária faz com que a criança crie uma associação entre o produto e a diversão, se aproveitando da vulnerabilidade da criança, que não percebe o intuito de venda."- See more at: http://www.consumismoeinfancia.com/16/12/2010/fusao-entre-publicidade-e-entretenimento/#sthash.eYTmtShi.XPHJt8P6.dpuf

Dos comentários que se seguiram à fala de Laís, fiquei com a exata noção de que o consumismo é uma droga, uma droga lícita, cujos efeitos são alucinógenos, criam uma dependência cada vez mais sem saída do consumo, uma vez que é difícil visualizar qualquer remédio pra isso.

Então me lembrei desse trecho do meu livro, sobre quando o marketing estava surgindo.


Em 1957, quando as relações entre indústria, comércio e consumidores pareciam viver uma fase tranquila, Vance Packard publicou uma estridente denúncia dos recursos de manipulação adotados por agências de publicidade e escritórios de marketing, intitulado The Hidden Persuarders: Em 1957, quando as relações entre indústria, comércio e consumidores pareciam viver uma fase tranquila, Vance Packard publicou uma estridente denúncia acerca dos recursos de manipulação adotados por agências de publicidade e escritórios de marketing, intitulado The hidden persuarders:
Estão sendo feitos, com êxito impressionante, esforços em ampla escala para canalizar nossos hábitos irrefletidos, nossas decisões de compra e nossos processos de pensamento, com o emprego de conhecimentos buscados na psiquiatria e nas ciências sociais. […] Parte da manipulação que está sendo tentada é simplesmente divertida. Outra parte é inquietadora, principalmente quando encarada como um prenúncio do que talvez esteja reservado a todos nós, no futuro, em escala mais intensa e efetiva. (Packard, 1959, p. 1)
O autor alertava que tais pesquisas se dedicavam a convencer o público tanto acerca da aquisição de mercadorias quanto da adesão a ideologias e atitudes. Preocupado com a questão moral, sinalizava que o princípio da manipulação abre espaço a questionamentos perturbadores, como o que indaga que tipo de sociedade ela é capaz de moldar, haja vista seu poder de penetração pelos meios de comunicação de massa:
Talvez os adeptos da geração de otimismo tanto nos negócios como no governo possam apresentar argumentos impressionantes sobre a necessidade de preservar a confiança pública para que tenhamos paz e prosperidade. Mas para onde isso nos está conduzindo? (p. 239)
Tentando considerar a possibilidade de haver espírito de pesquisa sobre o comportamento humano na atitude dos cientistas sociais e psiquiatras que cooperam com os métodos de persuasão comercial, Packard reivindicou a elaboração de códigos de ética profissional; e embora não tenha incluído os designers dentre os responsáveis pelo fenômeno (o que Ralph Nader e Victor Papanek fariam em breve), profetizou:
Além da questão das práticas específicas dos persuasores e dos cientistas a eles associados, há a questão maior de saber para onde nossa economia nos está levando sob as pressões do consumismo. Essa também é uma questão moral. De fato, suspeito que está destinada a ser uma das grandes questões morais de nosso tempo. (Packard, 1959, p. 243)
´



Sem dúvida alguma, caro Vance. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário