domingo, 21 de fevereiro de 2016

Tão perdidos quanto cego em tiroteio




A cada dia que passa, leio notícias atribuindo o surto de microcefalia a diferentes motivos. Primeiro se falou de vacina, depois o governo brasileiro concluiu que era culpa do Zica vírus. Li artigos perturbadores culpando um componente químico da Monsanto, utilizado como fumacê para acabar com o mosquito, que acaba por infectar a água que consumimos. E hoje me deparei com artigo em blog de um jornalista independente que nos reporta pesquisa de instituição australiana, apresentando argumentos que culpabilizam a vacina dTPA (tétano, difteria e coqueluche acelular), introduzida no calendário obrigatório de vacinação de gestantes desde o final de 2014, como medida preventiva contra o ressurgimento da coqueluche no Brasil:

"O problema é que a vacina não estava plenamente testada e aprovada para gestantes, conforme o próprio fabricante e autoridades sanitárias estrangeiras".

Os argumentos apresentados pela pesquisa nos parecem muito coerentes. E o problema é que tudo o que lemos nos parece coerente...

Como é que a gente pode se proteger em meio a esse "tiroteio"? Eu não sei. É arriscado ficar sem passar repelente, arriscado não tomar vacinas etc.

O que eu consigo pensar não é nada tranquilizador: grosso modo, não sabemos onde estamos metidos. A indústria vive de nos ofertar soluções mágicas para os nossos problemas (como a mamadeira, os leites artificiais e tantas outras "facilitações" para a lida com os pequenos); agentes químicos que desconhecemos redondamente estão naquilo que comemos, respiramos, vestimos; as farmácias monopolizam o espaço comercial das ruas, demonstrando o quanto tem sido rentável se recorrer a remédios para quaisquer males.

Eu adoraria escrever aqui, agora, algo bem sensato e tranquilizador, mas esse artigo anda "em falta".

O que vibra em mim é, cada vez mais, uma consciência danada de que vivemos uma época muito doida, estamos expostos a coisas que desconhecemos, e que nossa participação ativa nesse roldão (por simplesmente viver e acreditar naquilo que nos dizem) o potencializa.

Bom dia e boa sorte.



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Uma boa notícia


Ilustração Cláudius Ceccon
A Rede Nacional Primeira Infância reúne um monte de iniciativas (pessoas, organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado) na tarefa de garantir os direitos das crianças de zero a seis anos. Sua finalidade é edificar políticas públicas legitimadas por toda essa representatividade.

Há pouco venho me aproximando do entendimento sobre a importância das políticas públicas. Sempre achei esse termo muito vago, e meu cansaço de brasileira descrente na "coisa pública" me afastava da capacidade de dar crédito a ele.

Até que fui me embrenhando na pesquisa sobre os males da mamadeira e deparando com os esforços, tantas vezes frutíferos, de uma turma enorme de gente que se dedica a modificar coisas que precisam muito ser mudadas. Só pra citar alguns casos, a gente tem:

- a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (que já é Iberoamericana), considerada a tecnologia mais avançada do mundo pela OMS/ONU;
- tem a IBFAN Brasil que monitora o Código Internacional de Substitutos do Leite Materno (ou seja, as investidas da indústria) e alcançou recentemente a aprovação da norma de controle desses produtos;
- tem um monte de pessoas que nos garantem informação e pesquisa sempre atualizada sobre o tema, como o site aleitamento.com, o do Banco de Leite e o da IBFAN Brasil;
- tem os grupos de mães que saem fazendo mamaços pra divulgar as benesses da amamentação e reagir às coibições ao aleitamento em lugares públicos e acabam conseguindo leis que garantam esse direito (pelas quais temos sempre que seguir lutando, pois leis ajudam mas não resolvem tudo).

Essas pessoas trabalham pra caramba, há muito tempo, não em troca de um salário, mas de dignidade.

E cheguei a experimentar essa incrível sensação na prática quando, depois de um ano compondo um grupo que foi se organizando com muita fluidez, chegamos à adesão da PUC-Rio à Licença Maternidade de 6 meses (era de 4, o governo já tinha autorizado, mas as empresas particulares precisam aderir). Já falei sobre esse ponto aqui no blog, mas vale repetir que isso resultou numa melhora significativa de qualidade de vida para alunos, funcionários e professores. Uma coisa que veio pra ficar.


Como eu disse, as leis ajudam, mas não resolvem tudo. É necessário que depois de projetadas, aprovadas e implementadas, sejam divulgadas às pessoas pra que venham a ser usufruídas, defendidas e absorvidas pela cultura.

Daí é que volto pra Rede Nacional Primeira Infância, que comemora a recente aprovação -por unanimidade- no Senado Federal, do Marco Legal da Primeira Infância. Só falta a sanção da Presidente, já assegurada por sua equipe (programa do Alexandre Garcia na GloboNews). O "espírito da coisa" é integrar, a nível federal, estadual e municipal, todos os direitos da criança, cuja defesa se encontra até então setorizada por diferentes programas governamentais.

Leia no link da Rede os detalhes desse importante passo, de onde destaco os seguintes pontos:

1) O pai ou a mãe passam a ter direito de permanência em tempo integral em UTIs Neonatais como acompanhantes de seus bebês;

2) O pai terá direito de acompanhar sua mulher gestante a duas consultas ou exames durante a gravidez, e também direito a se ausentar um dia por ano para acompanhar seu filho a consulta médica, sem prejuízo de seu salário;

3) Amplia de 5 para 20 dias a licença paternidade, inclusive em caso de adoção.

Enfim, vale a pena ler o texto da notícia e acompanhar o andamento disso tudo.

Estamos em meio ao enigma da microcefalia (mosquito? Monsanto?), mas considero muito legal esse Marco. Vamos protegê-lo.