segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Humanos, tecnologia e ciência


Realmente temos que admitir que as coisas mudam, e que o avanço da ciência e da tecnologia têm transformado o ser humano. Nas raras vezes em que meu neto, de pouco mais de um ano, teve acesso a um celular, moveu os dedos ali como um expert, correndo a tela verticalmente e até usando o polegar e o indicador para ampliar imagens (!).

Sim, reconheço que resisto a aceitar que as coisas mudem: sofri com a chegada dos caixas eletrônicos dos bancos, que provocaram demissões em massa de funcionários e nos obrigaram a lidar com interfaces muito pouco claras até hoje. Os caixas tornaram-se realidade há muito tempo e sim, facilitam nossas vidas. Mas estão longe da perfeição, afeitos ainda a interferências de bandidos que clonam cartões, os acessam em sequestros relâmpago e explodem agências aos borbotões para roubar o dinheiro. Peno, também, ao ter que lidar com robôs ao telefone quando necessito de um serviço.

Crise geracional! Faço parte da geração que deu, compulsóriamente, o pulo do analógico para o digital. Tantas outras revoluções ocorreram no mundo, criando resistência nas pessoas e lhes tirando a paz ..., mas depois foram absorvidas pelos mais jovens com total naturalidade ...

Na última sexta-feira, tive a chance de estar em uma conversa (por videoconferência) com o físico Marcelo Gleiser, a quem muito admiro, na Casa do Saber. Depois de uma breve fala, abriu-se espaço para as perguntas do público e as primeiras questões versaram sobre ideias estapafúrdias que, não se entende como, têm recebido espaço, como o terraplanismo e a negação da crise climática. Evidências irrefutáveis comprovam o absurdo dessas alegações; essas não são mais perguntas para a Ciência, disse Gleiser, e é deprimente que tentem ser defendidas.

Então me veio à cabeça que as evidências também irrefutáveis da superioridade do leite materno não têm conseguido evitar a adesão aos leites artificiais e às mamadeiras, uma ideia que prevalece e que pode-se considerar análoga à ideia de que a terra é plana. Tudo promovido pelos interesses comerciais das corporações de fórmulas lácteas, suas estratégias de marketing e publicidade, criadoras de uma cultura do leite artificial, mundialmente mais acessada do que o leite humano.

Pedi o microfone, expus (não tão claramente como aqui) essa reflexão e pedi a ele que a comentasse.

O que bateu mais forte pra mim foi sua frase: "Temos que aceitar que o ser humano está mudando, que o mundo muda o tempo todo. Essa é também uma evidência". Ele se referia aos produtos e às tecnologias de uma maneira geral ao dizer isso, e utilizou justamente o telefone celular pra exemplificar o alto nível de transformação que não para de ocorrer. Mas apontou o quanto se faz imperioso mantermos a capacidade crítica a tais mudanças.

E então me lembrei do livro Bésame Mucho, comentado em um artigo que escrevi. Nele, o pediatra espanhol Carlos González sinaliza que a cultura industrial, com toda a sua intensidade, não gerou mutações no organismo humano:

“Até mesmo quando são benéficas, as mudanças culturais podem entrar em choque com características físicas ou de comportamento que são fruto da herança genética, e que não podem mudar da noite para o dia” (González, 2015: 39). 

A cultura, a tecnologia, a ciência não transformaram o cerne da natureza humana. Porque ele é raro, como nos fala Marcelo Gleiser: