sexta-feira, 12 de julho de 2013

Há que soar o alarme


Eu me preocupo bastante com quem somos.
Outro dia, conversando com uma amiga mexicana sobre os protestos no Brasil, fui colocada de frente com o fato de que o estilo de vida contemporâneo pode ser incongruente com o espírito de luta por direitos civis. Ela apontava que lhe parece estar em pauta as questões macro, pelas quais se demonstra justificável indignação. Só que os mesmos que a demonstram, muitas vezes agem incoerentemente no âmbito micro, ou seja, em suas práticas diárias, fazendo coisas e consumindo coisas (seu exemplo mais eloquente) cuja produção é extremamente desrespeitosa aos valores que, de uma maneira estrutural, vêm sendo defendidos no âmbito macro.
Nossa conversa foi tão somente uma conversa, matutamos sobre isso.
Eu não sou vegetariana, embora já tenha pensado muito em ser e esbarrado em obstáculos significativos para tornar-me (hábitos alimentares da família, preguiça, adoração pelo sabor de peixes e carnes). Só que a produção desses alimentos envolve, grande parte das vezes, processos absurdos com os animais ou geram grandes enganações aos consumidores, como a notícia que tive recentemente sobre o salmão que consumimos: aquela cor é resultado de corantes e antibióticos, porque salmão da cor “salmão” só existe mesmo perto dos polos (o restante é cinza), e que aqueles que consumimos são criados em cativeiro (sem saltos para a reprodução), o que resulta em uma carne gorda demais, que nada tem a ver com as incríveis taxas de Omega 3, tão propagadas como saudáveis.
Pensei: não vou mais comer salmão!
Qual nada. Desde então não tive a capacidade de recusar esse peixe em quaisquer das vezes em que ele me foi oferecido. É como se eu pensasse: o estrago está feito, não vou deixar de comer a proteína que mais adoro.
Difícil.
Eu na verdade ajo assim com muitas coisas. Minha consciência ambiental conseguiu permitir que eu procurasse o caminho da “redução de danos” pra não ser tão bitolada quanto o estilo contemporâneo de vida me seduz a ser (eu poderia dizer que ele me obriga a ser, mas seria mentira, porque muita gente – no caso, aderiu ao vegetarianismo e nem morreu por causa disso).
A questão não é “ir pro céu”, agindo exemplarmente em tudo. Mas é possível se parar pra pensar e pra se informar. Principalmente porque nosso ritmo de vida nos afasta disso cada vez mais, do pensamento crítico. A gente tende a se deixar levar. E as empresas adoram isso.

Há alguns filmes que considero essenciais pra gente se dar conta desta questão:
- “O jardineiro fiel”, que relata a “chegada” de produtos farmacêuticos em comunidades africanas;
- “Obrigado por fumar”, reflexão sobre a cruzada contra o fumo em paralelo com o prosseguimento das indústrias do álcool e dos armamentos;
“Adeus Lenin”, uma história do avanço do capitalismo, na qual os produtos recebem grande enfoque narrativo;
e três outros documentários que estão disponíveis no Youtube:
- “The Corporation”, sobre o Lado B das empresas, não divulgado nas propagandas;
- “Comprar, tirar, comprar”, acerca da obsolescência programada, forte motor do capitalismo;
- “Fórmula Fix”, uma espécie de versão do primeiro filme aqui recomendado, que demonstra o estrago que as indústrias de fórmulas infantis fizeram e ainda fazem sobre as crianças e a sociedade como um todo.
Assistir a esses filmes, assim como a muitos outros com que o cinema tem tido a decência de nos brindar, pode ajudar bastante, pois nos tiram da inocência a que tendemos a estar condenados.
Eu não usei fraldas descartáveis em minha filha porque, na época, elas eram caríssimas. Mas lhe dei mamadeira -completa, boba e irresponsavelmente alheia aos males que tal produto provocava. Não consegui aderir aos absorventes higiênicos reutilizáveis enquanto ainda precisava deles, mesmo sabedora de todo o lixo por eles gerado. Por outro lado, há mais de cinco anos, deixei de fazer parte do que considero “a farra do Natal”, abolindo presentes e direcionando meu décimo terceiro salário para gastos necessários com a casa e com a renovação de produtos essenciais para a família. Mas tem coisas que não consigo fazer, e sigo, preocupada o bastante com quem somos.
Daí tenho notícias de festas de São João patrocinadas por empresas de bebida, aquela coisa de “Arraiá da Boa” e similares. Num dos vídeos, a cena de jovens bebendo cerveja por uma mangueira e atrações afins. Hoje em dia, parece não existir, não ser considerada por muitos, a possibilidade de festas sem patrocínio. E então essas empresas colocam ali seus “valores” corporativos, seduzindo os participantes a tomá-los para si, como valores humanos.
Adoro uma cerveja, mas minha amiga mexicana tem razão: a luz de segurança vem sendo paulatinamente apagada nos salões do nosso dia-a-dia.
Há que soar o alarme.


11 comentários:

  1. Cristine, adorei a reflexão, principalmente a maneira como você expressou a incongruência entre questões micro e macro. Queria estar aí para continuarmos o papo tomando um cafezinho (orgânico, claro).
    Consigo colocar em prática várias coisas no meu dia-a-dia, mas há coisas das quais não consigo abrir mão, como viajar de avião com frequência para visitar a família, por exemplo. Mês que vem o Eduardo já vai entrar num avião novamente. Vamos para a Itália ver a família do marido.

    Um beijo,
    Marisa

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    1. Que bom falar com você, Marisa! E estamos definitivamente numa "roubada", com a diferença de que trabalhamos para reduzir nossas "emissões de carbono" do jeito que é possível :o)
      Beijos e saudades!

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  2. Cristine,
    Como te entendo. Essa reflexao eh diaria aqui dentro de mim.
    O que tento eh balancear. Queria imensamente usar fraldas de pano, mas nao tenho como lavar, nao tenho lavanderia no predio, meu primeiro filho e nao tenho nenhum parente nos proximos 5.000 km.
    POr ai vao as minhas decisoes. O que acho lindo, fabuloso e oq eh viavel.
    Nao poderia jamais viver de produtos organicos, locais. Aqui 8 meses do ano num frio impraticavel acabaria vivendo de leite (de gado confinado) e carne.
    Nao eh viavel.
    Mas tem outras coisas viaveis que dao pra fazer. Nao tenho carro pedalo ou pego transporte publico. Reciclo meu lixo, compro coisas que estou precisnado de terceiros.
    Mas isso tudo so eh possivel pq moro aqui.
    Enfim, a reflexao eh valida, sem extremos e levando sempre em consideracao onde vc mora, como eh tua vida e se eh viavel.
    Um abs

    Ps: nao mandei a reclamacao da Avent ainda. Mas desse final de semana nao passa. te dou noticia.

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    1. O negócio é a gente não se acomodar, porque isso embota a gente...
      Aguardo então, ansiosa, por suas notícias. Beijos!

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  3. Olá,

    Adorei seu site! Gostaria de lhe fazer uma proposta. Você poderia me informar um email?

    Beijos Kalu - vilamamifera.com

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  4. Olá,

    Adorei seu site! Gostaria de lhe fazer uma proposta. Você poderia me informar um email?

    Beijos Kalu - vilamamifera.com

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  5. Que bom, Kalu!
    Meu endereço é cristinenogueira13@gmail.com
    Aguardo então.

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  6. Cristine, você já viu "A História das Coisas"? É de arrepiar :(

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  7. Já vi sim, Gabi! É praticamente um vídeo obrigatório para nossos alunos de design lá na PUC. Mas valeu a lembrança.

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  8. Tem que ver e citar o "Nação Fast food" (Livro e filme!)

    Obrigada pelo post

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  9. Realmente, Letícia. Boa lembrança! O fato é que há muito mais filmes e documentários, e sua contribuição é valiosa. Obrigada!

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