quarta-feira, 13 de julho de 2022

Sobre fatos hediondos na sala de parto

Eu verdadeiramente aprendi o significado da palavra HUMANO ao visitar Berlim, há alguns anos. Antes disso, sempre a vinculei a algo que inspiraria verdade, dignidade, integridade, capacidade de cuidar e de respeitar. Até que comecei a me incomodar com seu uso para adjetivar pessoas, serviços, procedimentos: "fulano é humano", "atendimento humanizado", "gesto humanitário". Porque isso para mim demonstrava o uso de um superlativo pra tentar salvaguardar algo que deveria ser humano de raiz, humano por definição, mas que já não o era mais. Não o era mais. Em Berlim eu entendi que o humano nunca foi esse humano que a gente acha ser humano. Eu nunca havia deparado com a preservação de marcas da destruição - inúmeros prédios conservam os estragos feitos por bombas; o espaço urbano é pontilhado de monumentos erguidos para que o passado não seja esquecido; documentos estão expostos em espaços públicos para que a história ali permaneça - cicatriz que nunca deixará de sangrar. E nunca havia deparado, também, com o contraste estrondoso que todo esse mal estabelece com manifestações de pura beleza que vi, ouvi e vivi em Berlim. Daí que entendi, de maneira perturbadora, que o humano é tudo isso: ele pode ir do mais torpe e hediondo até o sublime, compreendendo todas as gradações que separam esses extremos. Então, não se trata de que "errar é humano", e sim de que não há limites para a expressão do humano. Escrevo isso por efeito da notícia sobre o ser que estuprou mulheres na mesa de parto. Quantas outras mulheres lhe serviram sem o saber? Quantos outros profissionais não incorrem em ações análogas? Desde quando e até quando? Inclua-se nisso todo o resto, todo o tudo que passamos, sendo e estando sujeitos a humanos.

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