terça-feira, 20 de julho de 2021

Uma homenagem ao Dr. Hector Martinez, ídolo-amigo que se foi

 




Há alguns dias, esse homem que me abraça nas ruas de Bogotá passou dessa vida. Seu nome, Dr Hector Martinez, pediatra colombiano e criador - junto a seu colega Dr. Edgar Rey Sanabria, de uma dos inventos mais encantadores e revolucionários do mundo: a Metodologia Mãe Canguru.

De ídolo, passou a ser meu amigo e trocamos correspondência, ideias, compartilhamos projetos. Eu tenho tudo impresso e guardado em arquivo, porque sua seriedade e doçura não eram coisa pra se deixar no ciberespaço, mas sim pra tratar como um tesouro.

Nos reencontramos em 2019 aqui no Rio, por ocasião de evento internacional de aleitamento materno. Ah, como foi especial ...

Devo a Marcus Renato de Carvalho, querido amigo e também pediatra, a ponte para que eu conhecesse Hector. Marcus e Luis Mussa Tavares (pediatra-poeta encantador, que cunhou o termo "almas apressadas" para definir os bebês prematuros) me convidaram para desenhar um símbolo comemorativo dos 40 anos do Método, e abriram também espaço para que eu, em texto, declarasse o meu amor por esse sublime trabalho, conquistado com ousadia, muita luta e uma sensatez que arrepia.


Eis o texto:

Há quarenta anos, numa maternidade da periferia de Bogotá, a natureza conseguiu ser ouvida em meio aos apitos descompassados de uma Unidade de Terapia Intensiva cheinha de “almas apressadas” - aqueles bebês que nascem antes de estarem prontos para sair do corpo de suas mães.

Há quarenta anos a natureza conseguiu ser ouvida em meio a todos aqueles aparatos tecnológicos, criados justamente para tentar substituir artificialmente os corpos das mães, seu calor, a nutrição que proporcionam. Só que, com o tempo, aqueles aparatos se “naturalizaram” como destino para todos os prematuros, muitas vezes um destino muito cruel para as almas apressadas.

Alguns ouvidos atentos escutaram o barulho da solidão daqueles bebês, e o tom grave e contínuo da melancolia das famílias que se iam, sem acreditar num futuro.  Esses alguns ouvidos também mediram a distância que separava aqueles dois sons.

O fato é que esses alguns ouvidos escutaram além dos apitos descompassados, por dentre aqueles apitos, em volta deles: havia muitas, muitas outras notas. Pararam então para escrever o que ouviram em uma partitura cheia de desobediências àquelas regras que tinham se naturalizado.

Aos poucos foi-se abrindo espaço para os tons de delicadeza, de suavidade e cuidado. Eles soavam baixinho, mas com tal harmonia que conseguiam desconcertar os apitos, superando-os em efeito.

Era a distância a responsável por aquele barulho que alguns ouvidos escutaram. O corpo da mãe havia, o corpo do bebê havia, o do pai havia, o dos avós e irmãos havia.

Era a distância ...

Livre dela, a natureza se fez ouvir, em toda a sua simplicidade e grandeza.

Essa sinfonia hoje soa livre ao salvar as vidas das almas apressadas.

Muito, muito obrigada, alguns ouvidos.




Muito, muito obrigada. 

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