quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Pálido de espanto - Milk Nanny



Faço parte da geração que assistiu (gostando ou não) às fortíssimas mudanças tecnológicas que hoje lotam nossa vida: tudo informatizado, tudo conectado, os telefones celulares inteligentes que cada vez fazem mais coisas por nós, entre nós.

A algumas dessas facilidades eu aderi. Mas resisto a várias outras, sabendo de cor telefones das pessoas mais próximas, fazendo contas de cabeça ou no papel, escrevendo cartas mesmo que raramente.

O fato é que vamos entregando para os produtos (que nos prometem tanto) funções que nossa natureza permite que executemos, e muito bem. Ao fazê-lo, tendemos a atrofiar essas nossas habilidades (aliás, eu me preocupo muito com essa coisa de GPS..., não nego que facilita, mas se a coisa se intensificar, onde irá parar a capacidade que temos de localização?).

Daí que, muitas vezes, ao demonstrar que minha adesão a essas modernidades tem limites, recebo olhares de... compaixão, por assim dizer. Como se estivesse sendo amigavelmente desculpada pela incapacidade de lidar com esses produtos tão atuais.

Por isso o poema de Olavo Bilac (cujo título agora me surpreende ser Via Láctea) me parece adequado aqui. Ele se refere à capacidade de percepção da natureza. Acontece que, inversamente, quando sou "avaliada" pela não-adesão às facilidades disponíveis nesse cenário em que vivemos, sinto como se ouvisse: "Certo perdeste o senso!".

Ao poema:


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!" 
E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 

E conversamos toda a noite, enquanto 
A Via-Láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas". 


Não estou invocando romantismos, mas perturbada sobre o quanto a tecnologia está sendo absorvida como natureza. Ou seja, se torna anti-natural rejeitar seus avanços e suas novidades.

Tudo isso pra emitir meus comentários sobre a "Milk Nanny", projeto com vídeo disponível no site de financiamento coletivo Kickstarter, que está levantando a maior grana.




A ideia é produzir uma máquina que prepara leite para bebês em 15 segundos, acionável por aplicativo de celular.

Os argumentos expostos pelos idealizadores da máquina são... céus, não tenho palavras para descrevê-los (vazios, levianos, enganadores...). Apenas posso dizer que se enquadram perfeitamente nesse modo automatizado ao que a prática intensiva do consumo nos conduz. E as cenas em que os dois analisam desenhos do processo de projeto, para mim que sou designer, são violentas.

Prosseguem, assim, profissionais concebendo coisas que, mais do que desnecessárias, fazem mal e conseguem convencer as pessoas de que a Terra é o centro de tudo, de que tudo o mais nada importa, de que nem mesmo ela importa. Importa é uma ação conjunta e teleguiada para eliminar de vez o brilho inoportuno das estrelas, o choro inoportuno dos filhos e fazer girar a roda magnânima do mercado.


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