domingo, 17 de novembro de 2013

Berjuan, uma inovadora fábrica de bonecas



Eu iria à Espanha em outubro, e alguns meses antes planejei visitar a fábrica do Bebé Glutón. Escrevi pra lá e comecei o contato com César Bernabeu.

Onil é uma cidade ao sul do país e planejamos colocá-la em nossa rota, pois conhecer uma fábrica de bonecas sempre foi um sonho pra mim, que dirá a fábrica da primeira boneca industrial que, ao invés de se alimentar por mamadeira, foi projetada para simular a amamentação.


Funciona assim: a menina veste uma blusinha frente-única onde, no lugar dos seios existem flores com sensores escondidos. A boneca é movida à pilha e, quando ligada, começa a chorar. No que aproximamos sua boca das florzinhas, ela começa a fazer o movimento de sucção. Uma delicadeza. Depois de colocada na posição vertical, arrota!

Na época em que eu estava escrevendo minha tese, pedi a um ex-aluno que a comprasse e minha sobrinha a trouxe pra mim. Desde então, sempre que faço palestras sobre o assunto, procuro levá-la comigo e ela provoca a maior sensação!

Na Berjuan, César nos recebeu em uma sala linda, o showroom da fábrica, lotado das coisas mais insuportavelmente :o) desejáveis em termos de boneca.


Levei meu livro de presente pra eles e ganhamos uma visita completa às instalações, percorrendo cada um dos setores pelos quais passa uma boneca para ser produzida. Essa parte não fotografamos.... o fato é que é muito emocionante compreender cada milímetro da produção de um produto desses e os olhos se preocuparam em VER.

E em cada setor, César nos apresentava alguém de sua família. Seus primos, tios e tias, irmãos, pais. É uma empresa estritamente familiar. Não avistei uma pessoa sequer que não fosse integrante da família em toda a fábrica. Em post anterior coloquei o vídeo do processo de produção da fábrica, mas o repito aqui pra facilitar:

Cabe aqui esclarecer que Onil, a cidade, era a "Cidade das bonecas". Hoje há outros produtos sendo fabricados lá, mas antes eram só bonecas. César nos contou que as mulheres, praticamente todas, trabalhavam nas fábricas (de bonecas) e tinham que se separar precocemente de seus filhos, desmamando-os antes do momento desejado. Fiquei muito impressionada com isso, com o fato de - justo numa cidade com esse histórico, ter surgido uma boneca que mama no peito! Entendo isso como uma "virada" histórica, uma demonstração do quanto pode ser produtivo reverter uma situação difícil, mudando o rumo das coisas.

Mas quem fundou a Berjuan? Mulheres? Apenas elas trabalhavam nas fábricas, afinal fábrica de bonecas é coisa de mulher... Sim, soubemos que os homens se recusaram a trabalhar nas fábricas por muitos anos. Até que o pai e o tio de César decidiram quebrar esse cânone e fundaram a Berjuan. Ber, de Bernabeu; Juan porque todos os homens da família - por tradição, têm esse nome, composto com outros.

Vimos cada membro da família Bernabeu em sua estação de trabalho, ora colocando cabelos ou olhos nas cabecinhas das bonecas, ora desenhando as roupinhas que vestirão, empacotando-as, cuidando dos contatos comerciais, absolutamente tudo.

Nos receberam com muito carinho e, ao final, foram pra porta principal posar para uma foto que, confesso, me emociona sempre rever. Porque não visitamos uma indústria, fria, tecnológica, focada na produção, mas um berço cuidadoso desses brinquedos que acompanham de pertinho a vida das crianças. Não são um produto como os outros: são presentes que nos ensinam muito sobre a vida, as relações, os valores e os afetos.


Depois da foto, fomos almoçar com nosso anfitrião, que me disse:  _ Se você gostou da fábrica, aposto que vai delirar agora!

Simplesmente ele nos levou para o Museu das Bonecas, uma instituição incrível da cidade, da qual é presidente. Salas, andares e mais andares com uma coleção de todos os tempos, produção de toda a cidade, primorosamente organizada e disposta. Fotografamos tudo, mas como prossigo com alguns problemas no carregamento de imagens, coloco aqui alguns registros de suas etapas de fabricação, técnicas utilizadas no decorrer dos tempos.




E como se nao bastasse toda a ousadia de lançar uma boneca que NAO TOMA MAMADEIRA (eles foram duramente criticados por parte da opiniao pública mundial na época do lançamento, por lançarem uma boneca que contraria a lógica já naturalizada do consumo. Só que depois também foram premiados por fazê-lo!), o museu lançou um programa em que as crianças que o visitam sao recebidas por bonecas que ganham vida, ali, na hora. Sao atrizes muito bem caracterizadas que conduzem a meninada pelas salas. E na época do Natal, a casa recebe os três Reis Magos. Existem aposentos exclusivos pra eles no museu, com camas e pijamas. Os visitantes sao incentivados pelas bonecas de verdade a levarem um de seus brinquedos para doaçao e, no dia de Natal, os Reis Magos acordam de uma noite muito bem dormida em seus aposentos, vao até a janela e distribuem aquelas doaçoes para uma "galera" de meninos e meninas que os esperam la embaixo.



Bom, não consigo colocar a foto do quarto dos Reis Magos....

Enfim, sobre Papai Noel eu não afirmo nada. Mas garanto que Onil, a Berjuan, o Museu da Boneca, Fabíola (que conceituou e desenvolveu os programas na instituição) e a família Bernabeu existem. E este é um lindo alento, prova de que inovação e tradição podem conviver muito bem a partir de atitudes corajosas e apaixonadas por aquilo que se faz.

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