domingo, 13 de maio de 2012

Xingu: o que realmente importa


Eu sei muito mais sobre as novelas da TV Globo, as tendências da moda, os lançamentos das grandes corporações, as falcatruas da política brasileira, do que sobre a questão indígena brasileira.

Eu só sei o que hoje sei sobre os problemas da mamadeira porque meio que furei uma bolha com muito ímpeto e fui estudar a fundo a questão.

Eu tenho índio na família. Índio paraguaio. Meu corpo é de índio, e nunca achei isso bonito. Mas de algum modo me orgulhei sempre dessa ancestralidade.

Quando estudante universitária, era fã de Darçy Ribeiro, porque sua causa mexia em algum ponto obscuro de mim. Uma vez, depois de assistir a uma palestra dele, na Associação Brasileira de Imprensa, percebi que estávamos no mesmo elevador: eu achei que iria morrer, tal a honra. E anos depois, quando ele já estava doente, o encontrei em sua casa (eu trabalhava no escritório de design de sua mulher). Ele me olhou e disse: "seus cabelos são azuis de tão negros", talvez o maior elogio que recebi na vida.

Ontem fui assistir ao filme Xingu, de Cao Hamburger. Normalmente esse tema não me chamaria a atenção. Mas fui porque há uma forte possibilidade de eu ser banca de uma tese de doutorado na Colômbia, em julho, e o trabalho versa sobre a questão indígena de lá. Então, novamente, assumo a postura de "furar a bolha" do que o mundo me oferece com facilidade, pra estudar um assunto que não entraria na minha pauta naturalmente.

E nesse Dia das Mães - data que nunca comemoro pela pesada carga comercial que representa- me sinto triste por reconhecer o quanto ignoramos sobre o que realmente importa, sobre o que - ao meu ver- realmente vale à pena.

Enquanto escrevo, meu marido prepara o almoço, porque hoje o dia é proibitivo pra tentar almoçar fora: os restaurantes estão lotados com a comemoração da data. Nos resguardamos da euforia, sem desconhecer a importância da maternidade, mas pensando também em quantas mulheres penam com este dia, por terem perdido seus filhos, por nunca terem podido ser mães, por serem cobradas por isso sem ter vontade de ser mãe. É a pauta, massacrante pauta, ao meu ver.

E os índios? O que é o Parque Indígena do Xingu? Como ele estará agora, após 50 anos de sua criação? Os indios conseguem preservar suas tradições? Difícil ... As queimadas ao largo das fronteiras do Parque já reduziram a quantidade e a qualidade da água do rio, eu li....

Durante minha tese, eu aprendi que as índias se recusaram a amamentar os filhos dos portugueses. Pra elas, saber que seus filhos mamaram no seio de outra mulher era um absurdo: elas faziam os filhos vomitarem quando descobriam que isso havia acontecido.

Índio ... parece que índio é assim: não se dobra às imposições, ou pelo menos resiste muito. Mas precisam de proteção. E quem nos protege?

No trabalho lá da Colômbia, que estou lendo, há registro de que os índios mentem aos colonizadores, fingindo aderir às suas doutrinas.

Índios não se dobram.

E nos perdemos deles.

Nos perdemos de sua fibra.

Fibra.

Azul, de tão negra.

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