Ao contrário do produto artesanal, no qual eventuais traços reveladores do modo de produção são inerentes ao objeto, a natureza industrial tende a não deixar transparecer essas informações, visando a conferir frescor e ineditismo de vida a seus produtos (1). A origem das matérias-primas empregadas em sua constituição, o ambiente da fábrica, a individualidade dos trabalhadores envolvidos com a concepção, produção e distribuição e toda a alta complexidade de ações necessárias ao surgimento do produto ficam ausentes de sua configuração, possibilitando que, para o consumidor, sua existência se inicie no momento em que é escolhido, dentre outros, para ser então ressignificado sob os domínios daquele que o adquire como uma coisa “virgem”.
Essa “pureza” característica dos produtos faz parte da cultura industrial desde o século XVIII (2) e tende a persistir mesmo quando o acesso a tais informações encontra-se liberado ao consumidor em notícias, publicidade, literatura, Internet. Em parte, o desconhecimento se deve ao fato de não ser indispensável ou mesmo necessário termos o entendimento das coisas que utilizamos, como argumenta Hobsbawm discorrendo sobre o século XX, ao afirmar que, diante dos
[…] produtos diários da ciência e tecnologia somos leigos ignorantes sem compreender nada. E mesmo que não fôssemos, nossa compreensão do que é que faz a coisa que usamos funcionar, e dos princípios por trás dela, é em grande parte conhecimento irrelevante. (Hobsbawm, p. 510)
Além de suas funções mais evidentes, os produtos industriais proporcionam aos cidadãos recursos de legitimação social e participação ativa na racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica da sociedade (Canclini, 2001).
Em 1960, o manifesto First Things First sinalizou, porém, que por força das correntezas econômicas e culturais capitalistas, a atividade do design estava se hibridizando com a do marketing, mentor do consumo, ao ponto de, aos olhos da sociedade, parecer ser este (o marketing) o trabalho “que os designers fazem”. Em 2000, o manifesto foi reeditado por outro grupo de profissionais que atestou a potencialização desse fenômeno em anos recentes, renovando aquele manifesto, na expectativa de que nenhuma década a mais passaria sem que nos lembrássemos daquele antigo alerta. E enquanto publicações dirigidas a grandes empresas transnacionais definem que no momento atual os designers “poderão ganhar muito dinheiro, canalizando seu potencial como consultores criativos para o mundo dos negócios” (3), a missão da atividade se compromete com a geração de produtos éticos em termos globais, sociais e culturais (ICSID) (4).
Para o designer em formação, a oposição entre os modelos de expansão – corrente industrial expansionista – e de equilíbrio econômico – corrente consciente da finitude dos recursos naturais –, quando visualizável, traduz uma animosidade destoante de seu desejo de futura realização profissional (Margolin, 1998). A opção do designer por uma das vertentes nem sempre suprirá os benefícios que a outra poderia lhe proporcionar. Ou seja, o designer do século XXI tende a oscilar entre uma atuação promissora de colaboração com as demandas já consagradas da indústria, colocando num plano secundário o impulso e o desejo de modificar estruturas estabelecidas, e o engajamento em vertentes transformadoras do cenário, que podem não lhe trazer os resultados financeiros esperados. O momento, portanto, a exemplo do que ocorre em diversas áreas do conhecimento, é de reflexão e procura de um ponto equidistante entre os extremos, um ponto que não contrarie os princípios e compromissos da atividade do design nem aparte o profissional da economia industrial.
Por tais motivos, dedicarmos atenção a produtos cujo consumo indiscriminado (5) tem provocado problemas de grande amplitude é uma decisão que pode contribuir para uma qualificação mais sensata de nossos hábitos de consumo e para a quantificação do distanciamento tomado pela indústria em relação a um eixo racional na geração de produtos. Na prática, é preciso desenvolver e dirigir um novo olhar às coisas industriais. Um olhar de estranhamento em relação aos inumeráveis objetos que substituem os atos humanos. A mamadeira, por exemplo, tomou o lugar do seio materno nas mais diferentes culturas, embora o aleitamento concentre o que de mais sofisticado, eficaz e sustentável podemos oferecer aos nossos filhos para o seu bom desenvolvimento.
Identificar e tentar desvendar equívocos da cultura industrial se apresenta hoje como tarefa para os profissionais mais diretamente envolvidos com os meandros dessa engrenagem, dentre eles os designers. Inclui-se, pois, na tarefa da Universidade, fornecer aos estudantes instrumentos para fazê-lo, encorajando-os a questionar, e mesmo a desmontar cânones da profissão diante da perspectiva de que novas frentes representem uma contribuição relevante da atividade para o mundo contemporâneo e para as sociedades presentes e futuras.
[1] Exemplo disso é que vestígios da união de peças em um produto de plástico injetado são considerados falhas de acabamento.
[2] Início da Revolução Industrial, quando cortes de tecido se tornavam acessíveis a maiores parcelas da população, isentando de sua aparência o sistema escravocrata empregado para a obtenção do algodão e as condições desumanas a que eram submetidos os trabalhadores das fábricas têxteis (DENIS, 2000).
[3] NUSSBAUM, B., editor da revista Business Week, in Innovation Fall, 2005 – Yearbook of Industrial Design Excellence.
[4] International Council of Industrial Design.
[5] Embora esse consumo tenha sido absorvido pela cultura do mundo ocidental.
Adoro seu blog, sempre estou por aqui lendo o que é postado! Infelizmente, muitas pessoas tem uma certa "aversão" a ele...rs qdo coloco o link, tenho certeza que 96% (Só? Será? rs)das pessoas não leem nada...qdo percebem que é sobre como o produto mamadeira é um lixo, clicam no X na hora e ainda devem fazer um sinal da cruz...Como uma pessoa pode ser tão ousada em ter um blog contra as mamadeiras? Devem pensar...Que absurdo!
ResponderExcluirEu fico impressionada com a falta de informação que temos por aí e pior, a mente fechada p/ as informações corretas! Eu conheço algumas poucas mães que me acham um ser de outro planeta por determinadas escolhas feitas, dentre elas está o não uso de mamadeiras e como nesse mundo louco é anormal a mãe que não usa mamadeira...decidi não usar tanto pq a amamentação é o suficiente, tanto por não ter condições financeiras de dar fórmulas ao meu filho, tanto pelo poder de poluição no meio ambiente que uma única mamadeira apresenta e tb por ter corrido atrás de informações lúcidas sobre tudo o que diz respeito a amamentação e o uso de fórmulas assim como o uso de bicos artificiais!
É uma pena que poucas mães tenham acesso ao seu blog, pq não o tem mesmo e pq não querem, poderia ser um excelente grupo de discussão sobre esse assunto que está em praticamente em todos os lares do mundo-eu mesma, durante a gravidez, comprei mamadeiras :( - O que mas me choca é eu tentar passar a informação, explicar e a pessoa me achar maluca, no dia seguinte comprar fórmula (cujo primeiro ingrediente da lista é xarope de milho) pq seu bebê já tem 6 meses e precisa de outro leite, eu pedir p/ que seja pelo menos oferecido num copo e receber um: "Ai, só vc tem disso, td mundo usa mamadeira..." Dá até um certo desânimo de continuar...
Enfim, achei um vídeo sobre cosméticos, não tem mto haver com o blog, mas achei interessante que é sobre a indústria deles, como eles são feitos...é a industrialização, negócios, vendas e pessoas que se enganam, mtas vezes pq querem...
http://www.youtube.com/watch?v=N_Jr8BBfD_U
Jô, é verdade: muita gente há de se deparar com o blog e fechar a página imediatamente. Juro que nunca imaginei que isso acontecesse, mas você há de estar certa. Muita gente opta por não saber das coisas, pq isso dá muito trabalho pra mudar hábitos. Mas o que me impressiona especialmente é que neste caso, trata-se da vida de outra pessoa, do filho ou parente, e não uma opção própria por assumir certos riscos. Obrigada por seu depoimento: não é mesmo fácil ... mas o negócio é prosseguir e prosseguir sempre, pois pessoas acabam ouvindo o que passamos a saber. Já vi esta animação. O fato é que não falta informação hoje com a internet. O que falta é crítica. Beijos!
ResponderExcluirJô e Cris,
ResponderExcluirinfelizmente vcs estão certas, mas o lance é não desistir! Aquele lance do "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", sabem? Então...
Eu aqui sigo indicando o blog pra toooodos que eu conheço, pessoal e virtualmente!
Não falta informação, falta crítica!
E senso comum nem sempre é bom senso!! Eu prefiro bom senso!!! rs
Bjs
Cris, Rebeca do blog "De Peito Aberto", tudo bem?
ResponderExcluirEstou assistindo ao vídeo postado na Fiocruz, vou ler mais o blog. Quero postar este vídeo no nosso blog de apoio, posso? Obrigada parabéns, estou gostando muito.
Legal, Ana! O fato é que pelas minhas andanças e conversas sempre fico sabendo de mais e mais pessoas que já estão a par do problema. E o bom é que grande parte é a galera jovem. Beijos!
ResponderExcluirRebeca, fique à vontade pra postar. Temos mesmo que aproveitar as ferramentes de que dispomos. Beijos e obrigada!
ResponderExcluirObrigada!
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