Trecho da tese que tem tudo a ver com a foto do post anterior:
A mudança operada na economia brasileira em inícios do século XX, propiciadora da passagem do sistema de produção agro-exportador para o urbano-industrial, provocou a ascensão da burguesia, marcando o desenvolvimento da sociedade de consumo, para a qual a mamadeira tornou-se um dos símbolos de modernidade e urbanismo. Em 1912 chegavam ao Brasil as primeiras remessas de leite condensado e farinha láctea da Suíça (Nestlé), promovendo a mamadeira de leite industrializado como alternativa para o “leite fraco” (há muito se sabe que "leite fraco" não existe), denominado cientificamente hipogalactia, agora uma “patologia” institucionalizada (p. 39).
Um petiz sadio... um pae feliz... À Cia. Nestlé tenho o prazer de offerecer a photographia de meu filho Georges Ohnet, criado desde o nascimento com o excellente leite em pó ‘Nestogeno’, a quem deve ele saúde e robustez. Ohnet Ponty
O conhecidíssimo leite em pó Nestogeno já não é mais um produto de importação e sujeito, portanto, a flutuações de preços e a faltas no mercado. A mesma fórmula que tem feito o prestígio do Nestogeno entre os médicos pediatras do mundo inteiro e os mesmos apurados processos de fabrico seguidos nas usinas Nestlé da Suíça são adoptados em Araras, Estado de São Paulo, onde a Companhia Nestlé produz o Nestogeno nacional.
O NESTOGENO é um leite meio gordo (contém 12 % de gordura) e por isso sobejamente recommendado como o mais benéfico, na falta do leite materno. Tão puro como o similar importado, o Nestogeno nacional tem as vantagens de ser sempre mais novo e mais barato: cada lata custa apenas 5$000.[1]
O ano de 1921 demarcou o início das atividades da Nestlé em território nacional. A seguir, vieram as campanhas promocionais, a difusão de informações científicas e a monopolização do saber médico. A indústria envolveu-se em todas as esferas relacionadas com o desempenho profissional dos trabalhadores da saúde[2]. Essa estratégia de marketing foi se intensificando a partir dos anos de 1940, tal a reciprocidade de interesses entre a indústria e a classe médica: enquanto a primeira expandia seus lucros, a segunda realizava a aquisição e manutenção de sua autoridade perante seus pacientes, vencendo a influência de leigos e parteiras.
Confiança. Nos encontros que se verificam num consultório médico, entre Mãe e Pediatra há um sentimento mais profundo e mais natural do que a simples necessidade de controlar o desenvolvimento do bebê.
Entre ambos já se concretizou, antes da consulta, aquele elo indissolúvel e indispensável à nobre missão de medicar as criancinhas.
É a confiança. Da mãe que sente no médico, ao consultá-lo, a decisiva segurança na vida de seu filho. Do pediatra que ao prescrever esta ou aquela medicação, este ou aquele alimento, sabe que será fielmente cumprido o que por ele for prescrito, No mundo inteiro, este fenômeno se repete, diàriamente, milhares de vezes, e é bem alta e significativa a percentagem das mães que beneficiaram os seus filhos com a confiança que o pediatra depositou nos produtos.[3]
Complementarmente ao cenário descrito, iniciara-se a implantação da assistência materno-infantil pelo Estado, resultante da fundação, por Getúlio Vargas (1944-45), do Departamento Nacional da Criança, inaugurando um programa nacional de distribuição gratuita de leite às populações de baixa renda[4]. O programa abriu caminho para “o lançamento da proposta publicitária de extensão da utilização dos leites em pó para crianças sadias e também como preventivo de distúrbios gastrointestinais” nos bebês. Segundo Goldberg, aos poucos a indústria começou a sugerir que os leites em pó “poderiam ser ministrados desde o momento da secção do cordão umbilical”, exaltando o elevado teor de proteínas do produto, vitaminas e nutrientes adicionados, “numa alusão de que o leite em pó não só poderia substituir o leite materno como até apresentaria vantagens” (Goldberg, 1989, p. 116-121).
[1] Peça publicitária em A Cigarra. Rio de Janeiro, Editora O Cruzeiro S.A., 1933.
[2] A empresa ligou seu nome a serviços assistenciais dos hospitais-escola, reuniões científicas, patrocínio a cursos de atualização e congressos, contribuição para o sustento econômico das revistas científicas com permanente publicação de anúncios, contato individual de seus representantes com a classe médica para fornecimento de amostras grátis, folhetos de alta qualidade gráfica e variados brindes (Goldenberg, 1989, p. 122).
[3] Peça publicitária da Nestlé da década de 1940 publicada na Revista Brasileira de Medicina. São Paulo, Moreira J. R. Editora, 1948.
[4] A iniciativa teve o apoio da Legião Brasileira de Assistência – LBA.
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