Não há como abrir mão do conforto que os produtos nos proporcionam, dos valores que adicionam ao nosso cotidiano, do prazer que temos ao adquiri-los, incluindo-os em nossas vidas. Enfim, não deixaremos de comprar, e a indústria e o comércio continuarão a estruturar nosso sistema econômico.
Quando compramos, não costumamos pensar que aqueles são elementos de um intrincado jogo que envolve injustiças sociais, influências econômicas, interesses políticos, consequências ambientais. O produto é novo, é puro, é zero quilômetro. Ele é uma chave que nos permite participar dos progressos alcançados no mundo, sua aquisição é um sinal de desenvolvimento individual; sua posse, um símbolo do alcance de patamares de liberdade.
Mas quando o produto nos traz problemas, revelando-se perigoso, de difícil compreensão e manuseio, ou, ainda, frágil, muitas vezes nos voltamos contra ele com indignação, afinal sua origem industrial e sua publicidade nos prometiam eficiência, além de modernidade. Assim, às vezes percebemos que o uso de um produto pode nos trazer consequências negativas.
Às vezes não percebemos isso. No caso específico das mamadeiras, os perigos e males provocados pelo produto são invisíveis. Muitos pediatras a recomendam, as bonecas a trazem como acessório, todos a utilizam corriqueiramente. As empresas têm tradição e fazem "pesquisas de ponta" para aperfeiçoá-la. O produto nos proporciona sossego, descanso, momentos de liberdade.
Entretanto, esses argumentos podem ser derrubados por poucas palavras:
As mamadeiras são compostas de várias partes, conectadas por roscas. Para diluir o leite em pó é necessário misturá-lo com água. Feita a solução, depois de duas horas em temperatura ambiente as bactérias começam a se reproduzir, encontrando ali ambiente adequado. A esterilização constante do produto mata as bactérias, mas sabe-se que muitas pessoas não dispõem desse recurso, nem dispõem de água de qualidade.
O que era invisível torna-se tão claro e elementar que chega a provocar constrangimento, especialmente nos designers. Como não havíamos pensado nisso antes? Como não fomos capazes de olhar criticamente para o produto e sintetizar conhecimentos simples que já dominávamos: a complexidade das peças dificultando a higienização, a existência de bactérias e o problema mundial de acesso a água?
Ao constatar que há mais de 35 anos uma luta mundial é respaldada por estudos científicos — encabeçada por entidades como a OMS, a Unicef e muitas outras organizações civis que promovem mobilização internacional e conquistam tomadas de medidas estatais— vem tentando alertar as pessoas sobre o problema, ao constrangimento dos designers é acrescida a consciência quanto ao nosso nível de embotamento como consumidores.
É preciso edificar uma conduta sensata de consumo paralelamente às indispensáveis medidas estatais. Tal conduta não é uma medida a ser tomada pelos governos, mas fruto de uma consciência a ser adquirida pelos consumidores. Se a sociedade não transformar seus valores, sempre haverá mercado para quaisquer produtos.
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