domingo, 27 de novembro de 2011

Afinal, é Natal.

Na semana passada, dando aquela olhada descomprometida na banca de jornais, deparei com uma edição especial da revista "Carta Capital", sobre "As empresas mais admiradas no Brasil" em 2011. Imaginei: a Nestlé deve ser uma dessas empresas ... Batata!

É mesmo impressionante o poder das corporações hoje em dia. E não é pensar, ah, o poder econômico, algo distante de nós, além de nossa capacidade de visualização.

É um poder muito próximo, eu diria mesmo uma afeição que as pessoas nutrem por produtos e marcas. E não adianta a internet estar lotada de informações sobre a loucura que na verdade essas empresas são. As pessoas optam por ignorar tais informações, por não acessá-las.

No exemplo mais extremo [da percepção da empresa acerca da transformação de ex-excluídos em potenciais consumidores], a Nestlé mantém um barco na Amazônia em visita constante a 27 cidades, numa área que cobre 1 milhão de habitantes da zona ribeirinha. 'Qual o significado de levar um sorvete até lá? Tornar a marca conhecida na região' (Carta Capital, p. 114).

Se leva sorvete, não levará também fórmulas lácteas para bebês?! Parece que estou vendo aqui aquilo que o relatório "The Baby killer" descreveu se passar na África, em 1974...

Daí me lembro que, em recente congresso na Fiocruz, representantes do governo federal disseram que as ações do Ministério da Saúde em prol da amamentação, a partir de 2011, seriam focadas nas regiões Norte e Nordeste. Eu fiz então uma pergunta: por que nessas regiões, se é na região Sudeste que os índices de desmame precoce são os mais altos do país e é justo essa região que produz material cultural disseminado para o restante do Brasil? Recebi a seguinte resposta dos componentes da mesa (que não escondiam sua preocupação): porque há mais chances de interferir positivamente no Norte e Nordeste.

Depois de ler sobre o "sucesso" da Nestlé na Carta Capital, concluo que nem lá, nem lá.

Mais uma vez em primeiro lugar entre as mais admiradas do macrossetor de Bens de Consumo não Duráveis, a Nestlé tem focado esforços em levar seus produtos à população recentemente incuída no mercado de consumo. 'Temos de buscar responder às necessidades das classes menos favorecidas. Nutrição, saúde e bem-estar são valores importantes para todo o público' (p. 260).

Em síntese, concentrem-se na seguinte afirmativa: "Nestlé faz bem". Não leiam "The Baby Killer", não baixem no Youtube os documentários "Fórmula Fix" e "The Corporation", não se informem sobre as maravilhas do leite humano e nem parem pra pensar criticamente naquilo de mal que as mamadeiras podem provocar. Apenas embarquem na onda de felicidade que as empresas podem nos oferecer.

Afinal, é Natal.

domingo, 6 de novembro de 2011

Louise Bourgeois


Um dia ainda hei de realizar o sonho de organizar uma exposição de arte sobre a questão da amamentação x mamadeira, convidando meus inúmeros amigos a gerar trabalhos a partir do conhecimento que obtive sobre essa preocupante realidade.

Por enquanto sigo permanentemente alerta a tudo que diga respeito ao assunto. E ontem deparei com essa escultura.

Chama-se Nature Study (1984-2002). Está exposta no MAM do Rio de Janeiro, na mostra "O retorno do desejo proibido", da artista francesa Louise Bourgeois (1911-2010).

É uma forma impressionante. Um ser dramaticamente acocorado, com garras, pênis, rabo e várias duplas de seios. Uma forma tensa, cheia de energia, prestes a saltar dali.

O trabalho da artista é todo calcado na reflexão psicanalítica. Vale à pena conhecer.

O que me impressionou ainda nessa escultura é que, embora pareça ser em mármore ou algum material duro, é de borracha. Borracha azul.

Genial.

Parto normal x parto cesário


Recebi de um ex-aluno (muito querido) a dica desse vídeo. Trata-se do trailler de um filme que estréia em março de 2012. Acrescento a ele trecho da minha tese "O desdesign da mamadeira":

Desde o começo da humanidade, as crianças, logo após o nascimento eram postas ao lado de sua mãe. No começo deste século foi criado o berçário, para proteger as crianças contra as infecções hospitalares. Após a Segunda Guerra Mundial, pensava-se que a mamadeira era a melhor forma de alimentação e esta era dada ao recém-nascido antes mesmo que ele saísse do hospital, sem que se soubesse por exemplo, quase nada de imunologia nessa época. E através do berçário, conseguiu-se interferir em uma coisa fundamental: o relacionamento precoce entre mãe e filho. […] Logo após o bebê nascer, alguém o enxuga, retirando todo o líquido amniótico e o verniz caseoso, cuja função é a de proteger e hidratar a pele sensível do recém-nascido. Em alguns hospitais, dá-se um banho de chuveiro, aspira-se o bebê com uma sonda, vira-se o bebê para todos os lados e, se ele não chora vigorosamente logo após o nascimento, ainda recebe umas palmadas, pesa-se, mede-se. (Citando Martins) Em alguns casos, num arroubo de preocupação afetiva, tem-se o cuidado de mostrar a criança rapidamente à mãe, que tenta desesperadamente, durante breves momentos, olhar seu bebê... […] É então levado ao berçário, onde são feitos os registros de suas condições físicas e recebe uma pulseira com o número que o identifica. A única coisa que não fazem é levar a criança para ser amamentada. (Araújo, 1997, p. 41-43)

O auge da força da sucção, que se dá na primeira meia hora após o nascimento, é desperdiçado quando o bebê é levado ao berçário, onde, muitas vezes, ele recebe fórmulas lácteas. Embora hoje a orientação se volte para a humanização do parto e para políticas públicas de incentivo ao parto normal[1], infelizmente persiste em muitos hospitais o afastamento do bebê.

A conduta de muitos obstetras e pediatras reforça a persistência dessa mentalidade. As “saídas fáceis e práticas” do parto cesáreo e da administração de leites artificiais entram no lugar do encorajamento e do apoio ao enfrentamento de realidades contraditórias e em permanente transformação (p. 45-46).

A autora, citando Paulete Goldemberg, aponta a necessidade de considerar a influência das transformações históricas sobre a sociedade para se diagnosticar as causas reais do desmame. A adesão ao leite em pó, ao nível das representações, concede à mulher “um sentimento de pertencimento social e de acesso aos benefícios gerados pela sociedade” (p. 54-55). Recorrendo a Edgard Morin e Moscovici, Lylian Dalete Soares de Araújo sublinha que a cultura de massa tem a capacidade de fabricar pseudo-necessidades que se transmitem de geração a geração de forma automática (p. 62-63). O poder simbólico agregado aos produtos que desenham um estilo de vida gera comportamentos que tendem a desmotivar a busca pelo conhecimento dos processos humanos, deflagrando correntezas difíceis de vencer.


[1] Campanha de incentivo ao parto normal do Ministério da Saúde, 2009.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Marcas dos cariocas

Pelo segundo ano consecutivo, a Nestlé foi eleita a marca mais querida dos cariocas na categoria ALIMENTAÇÃO. A pesquisa foi realizada para o jornal O Globo.

"Ao longo dos 90 anos em que está no Brasil, a Nestlé construiu uma relação bastante próxima do consumidor carioca. Além disso, a renovação do portfólio da empresa, sempre preocupada em desenvolver produtos que levem nutrição, saúde e bem-estar para a rotina do brasileiro, também é responsável por associar a marca à qualidade de vida" (trecho da matéria publicada no caderno especial em 29 de outubro de 2011).

Vale relebrar que o "trabalho" realizado pela empresa figurou no relatório "The Baby Killer", publicado em 1979.



"Bebês do terceiro mundo estão morrendo porque suas mães os alimentam no estilo ocidental, com leites infantis em mamadeira. Muitos dos que não morrem, entram num círculo vicioso de má nutrição e doença. (...) A indústria de alimentos infantis é acusada de promover seus produtos em comunidades que não podem usá-los adequadamente, de usar propaganda, vendedoras em uniformes de enfermeiras, de distribuir amostras e donativos para persuadir as mães a abandonarem a amamentação" (The Baby Killer, Mike Muller).

O paradigma científico internacional mudou radicalmente a partir da publicação desse relatório. A Organização Mundial de Saúde lidera desde então uma luta mundial pela amamentação, contra as incursões da indústria.

A Nestlé também mudou. Cresceu, cresceu, e se tornou o maior fabricante de alimentos do mundo. Aturou alguns boicotes de países do hemisfério norte, prosseguiu crescendo. Por dois anos consecutivos foi escolhida como "marca dos cariocas".

Incrível, ela vai continuar crescendo, e crescendo porque arranja uns jeitos realmente eficazes de se firmar entre o público. Na cidade de Vevey, na Suiça, a empresa montou o Alimentarium - Musée de l'alimentacion.

Eles oferecem cursos de culinária às crianças, dentre várias outras atrações.



www.alimentarium.ch/